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Estrangeiros têm oportunidade de trabalho e estudo no IFSC

CÂMPUS CRICIÚMA Data de Publicação: 31 ago 2017 21:00 Data de Atualização: 06 fev 2018 15:34


É como diz aquela música do Cidade Negra: “você não sabe o quanto eu caminhei pra chegar até aqui”. A gente tem alguma ideia, às vezes até errada, mas só quem precisa se deslocar da própria terra natal sabe o quanto esse caminho é tortuoso. Encontrar, então, acolhimento no destino pode ser crucial para quem precisa abandonar tudo em busca de uma vida melhor. Afinal, poucos no mundo deixam para trás casa, família, amigos e hábitos culturais apenas porque tem vontade. A maioria migra porque precisa.

O Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) mantém as portas abertas para estrangeiros de várias nacionalidades. São oportunidades não só de estudo, via intercâmbio, mas também de trabalho. Estão ou já passaram pelo IFSC vários alunos estrangeiros, em diferentes campus, de países como Costa do Marfim, Haiti, Argentina, Peru, Senegal, Alemanha e França. Alguns campus também já ofertaram cursos de língua portuguesa para estrangeiros, como o Câmpus Criciúma que, em 2016, ofertou o curso em parceria com a prefeitura de Cocal do Sul. O Câmpus Criciúma ainda vai além, oferecendo oportunidade de trabalho para funcionários e estagiários de outras nacionalidades.

Aberessi Roubyanou tem 21 anos e chegou em São Paulo no dia 19 de setembro de 2016, uma segunda-feira, vindo de Lomé, capital do Togo, país localizado no oeste do continente africano. Veio sozinho, como centenas de outros imigrantes. Como já tinha um amigo vivendo em Criciúma, a capital paulista foi apenas um ponto de passagem. O propósito era chegar mesmo na cidade carbonífera, onde encontraria alguma segurança por meio do amigo.

Viveu três meses numa casa de passagem, no bairro Pinheirinho, até conseguir os documentos iniciais: CPF e carteira de trabalho. No início de 2017, obteve o visto permanente por meio de portaria do Ministério das Relações Exteriores que, por meio de um mutirão, analisou todos os pedidos de documentação definitiva de pessoas em situação de refúgio no Brasil naquele período. O processo, no caso dele, foi rápido. Há refugiados que aguardam anos para conseguir a permanência definitiva no Brasil. Com a carteira de trabalho, Aberessi conseguiu um emprego de auxiliar de serviços gerais na Aironserv Serviços Integrados, empresa do Paraná que presta serviços terceirizados para o IFSC nas áreas de limpeza e conservação. “O trabalho aqui no campus é tranquilo. Gosto do que faço e, com esse emprego, consigo mandar dinheiro para minha família no Togo”, conta.

Aberessi tem o Ensino Médio completo e é o único filho homem em meio a três irmãs. Mora no Santa Bárbara, dividindo uma casa com amigos do Togo. Muçulmano, frequenta a Mesquita Palestina no Bairro São Luiz, onde faz suas orações e pede a Alá proteção para tudo o que já alcançou no Brasil. Das dificuldades, ele não gosta de falar. “A comida é muito diferente e demorei para acostumar. Até agora, na verdade, ainda acho difícil. Cozinho em casa, porque aí faço o que gosto. A língua eu aprendi rápido, não tive maiores dificuldades. Aprendi ouvindo e prestando atenção no que os brasileiros falam”, explica. Trabalhando em uma instituição de ensino, Aberessi tem vontade de voltar a estudar, mas isso ainda não aconteceu. “Tenho vontade sim, mas antes preciso me organizar”, afirma.

Com a facilidade em aprender o português, ele auxilia a colega de trabalho, Abra Dzigbodi Adzewoda, 34 anos, também de Lomé, no Togo. O idioma oficial do Togo é o francês, mas é costume os nativos de lá falarem a língua de sua região de origem. No caso de Aberessi e Abra, a língua é o ewe. Talvez pela diversidade linguística, grande parte dos africanos domina várias línguas, incluindo o inglês, o que facilita, em parte, o deslocamento para outras partes do mundo.


Com dois meses de Brasil, Abra está aprendendo o português com a ajuda de Aberessi, no trabalho, e do marido, em casa. O esposo chegou há dois anos e trabalha na JBS. Vaidosa, Abra trabalha sempre maquiada e não abre mão de tranças e turbantes, herança africana que carrega com orgulho. Ela diz que sente muita saudade do Togo, principalmente dos dois filhos que deixou na casa da mãe, em Lomé. “Tenho dois meninos, Said de 10 anos e Farid de quatro”, conta. Trazer os meninos para o Brasil ainda é um sonho distante. Ela e o marido são muçulmanos e também frequentam a Mesquita Palestina no São Luiz, nos fins de semana.

A religião é o suporte de boa parte dos imigrantes, em qualquer parte do mundo. Além do suporte emocional, muitas vezes ela dá também o suporte material ou, pelo menos, o começo de uma jornada em busca de uma vida mais digna. E é na fé que Veziel Barthelemy, 40 anos, buscou e busca coragem para persistir em sua caminhada, todos os dias. Missionário na Congregação das Testemunhas de Jeová, ele é membro ativo de sua comunidade em Criciúma. Não só participa das reuniões, como ainda prega as boas novas do Reino, falando sobre sua fé e animando seus irmãos. “Após o terremoto no Haiti, foram as testemunhas de Jeová que nos deram apoio. A congregação é fundamental na minha vida”, afirma.

Aluno do curso técnico subsequente em Eletrotécnica (pós-Médio) no período noturno no Câmpus Criciúma, Veziel viu sua vida, literalmente, desmoronar no terremoto de 2010 no Haiti, país localizado na América Central. “Eu estava na escola. Machuquei meus braços, mas graças a Deus não caiu nada em cima de mim. Vi gente morrer ao meu lado. Perdi um primo no terremoto, amigos e um dos meus professores. Tudo ficou muito difícil, desde então”, diz Veziel.

Estudante de um curso técnico em Contabilidade na época, em Porto Príncipe, capital do Haiti, Veziel trabalhava como vendedor. Nascido em Gonaïves, a quarta maior cidade do país, ele migrou para a capital para continuar seus estudos. Em Porto Príncipe, casou e teve um filho, Jamesley. Em abril de 2013, a família se reuniu, vendeu um terreno, e Veziel partiu. O destino era São Paulo, onde dois de seus irmãos já moravam. Mas, em 2015, um deles migrou para a Guiana Francesa e o outro retornou ao Haiti.

O trajeto foi difícil e demorado. “Saí de ônibus do Haiti para a República Dominicana, que é vizinha ao meu país. De lá, peguei um avião para a Cidade do Panamá. De lá, outro avião até a Colômbia e, depois, para o Equador. Do Equador, vim de ônibus até o Peru e entrei no Brasil pelo Acre. Foram duas semanas viajando. Usei essa rota porque a documentação para viajar direto ao Brasil é muito complicada. Gastei mais dinheiro assim, ainda fiquei 15 dias no Acre até uma empresa contratar uma turma de haitianos para vir trabalhar em Criciúma. Foi assim que cheguei aqui”, conta.

Veziel trabalhava em uma empresa de eletricidade, na montagem de fios. Os deslocamentos a trabalho eram constantes. “Cheguei a ficar três meses trabalhando no Paraná. O emprego era bom, mas eu sempre gostei de estudar. As viagens acabavam impossibilitando isso, então eu achei melhor sair”, diz. Antes de voltar a estudar, ele ainda tentou trabalhar em uma empresa de equipamentos agrícolas, onde montava peças. Mas a dedicação aos estudos falou mais alto. “Também fiz cursos de auxiliar administrativo e Excel avançado. Foram três tentativas até ingressar no IFSC. Uma para a licenciatura em Química e duas para Eletrotécnica. Na Química não consegui entrar por causa da documentação. Precisava fazer a tradução juramentada. Na terceira tentativa de ingresso, fui aprovado de novo e aí consegui traduzir meus certificados”, conta.

Veziel não estava sozinho. Um ano após chegar ao Brasil, ele trouxe a esposa, Lourdes, 30 anos, e o filho. Camareira em um hotel no centro de Criciúma, é ela quem segura as pontas em casa enquanto Veziel dedica tempo ao seu maior sonho: conseguir um diploma. Ele complementa as despesas da casa onde vivem, na Próspera, cortando cabelo de outros haitianos. Nessa entrevista, Veziel afirmou que estava batalhando por um estágio na área técnica, o que também já conseguiu. No início dessa semana, ele começou o estágio na Agaserv Eletro, empresa que cuida da instalação, manutenção e assistência técnica de equipamentos eletrodomésticos. A vaga foi obtida por meio do IFSC. “Meu estágio é no período da tarde, das 13h30min às 18h. Estou na área eletrônica, depois vou para a parte elétrica. Está tudo muito bem!”, conta ele, entusiasmado com a conquista.

O haitiano é o único estrangeiro da turma de Eletrotécnica. “A língua é a maior dificuldade, mas aprendi a me comunicar sozinho. Consigo conversar e estudo usando dicionário. Tenho que estudar não só o conteúdo das aulas, mas também a língua. O português tem palavras muito interessantes, mas a dificuldade maior é que, às vezes, uma palavra apenas pode atrapalhar toda a compreensão de uma frase”, afirma. Nesse ponto, o filho, Jamesley, se sai melhor. Prestes a fazer cinco anos, o menino fala mais português que o pai, segundo Veziel. “Ele já frequenta a escolinha, onde também tem coleguinhas haitianos. Jamesley entende o créole, nossa língua nativa, mas não fala”, explica, se referindo ao idioma nativo do Haiti (o francês é a língua oficial, mas o créole é comumente falado pela maioria da população haitiana).

Bem adaptado – ele adora um churrasco – Veziel diz que preconceito existe em todo lugar e que com os haitianos não seria diferente. “No meu país também tem preconceito. Mas o que eu acho interessante aqui é que o Brasil lida com isso. Se fala muito na televisão sobre o combate ao preconceito, o que é importante para que ele não aconteça”, afirma.

A saudade do Haiti é imensa, segundo Veziel. Ele ainda não conseguiu visitar os parentes, desde que chegou ao Brasil. O pai faleceu um ano após sua chegada, lembrança que ainda o deixa triste. “Conversei no telefone com ele no sábado e no domingo ele faleceu”, conta. O retorno ao Haiti é planejado somente como visita. A intenção de Veziel é permanecer aqui. “Por isso estou estudando. Quero visitar minha família no Haiti, mas viver é aqui no Brasil”.

O preconceito é justamente o que mais incomodou o estudante Emanuel João Sebastião, 21 anos, no Brasil. Nascido em Luanda, capital de Angola, país da costa ocidental da África que tem como língua oficial o português, ele é estagiário no setor de Assistência Estudantil do Câmpus Criciúma do IFSC desde o primeiro semestre deste ano. Mas foi no dia 27 de agosto de 2014 que ele chegou em Criciúma. “Vim com uma bolsa de estudos de uma empresa de Angola. Fiz um teste, passei e consegui a bolsa para vir estudar no Brasil. Ainda tive que dar cinco mil dólares, segundo eles, para custear necessidades médicas e tal. Com três meses no Brasil, a tal empresa simplesmente sumiu e nos abandonou. Éramos 70 alunos angolanos em Criciúma. Alguns retornaram porque não conseguiram se manter”, afirma.

No Brasil, Emanuel conheceu o preconceito de perto. “Isso incomoda até hoje. No ônibus, é comum viajar com o banco vazio ao lado, mesmo com o veículo lotado. Algumas pessoas se negam a sentar conosco. Já cheguei a ouvir que negros cheiram mal, esse tipo de coisa. Também já aconteceu de estar caminhando na rua atrás de uma senhora e perceber que ela segurou a bolsa e atravessou para o outro lado quando me viu. Sentimos muito o preconceito quando chegamos aqui, por causa da situação dos refugiados. Isso foi o que mais me afetou e me deixou muito triste”, conta o estudante de 21 anos.

Logo que chegou ao Brasil, Emanuel estudou Administração de Empresas em uma instituição privada de ensino superior em Criciúma. Depois, pediu transferência para o curso de Administração e Comércio Exterior em outra instituição particular. No IFSC, ele vai executar seis meses de estágio. Foi aprovado para a vaga por meio de uma seleção, ofertada na faculdade onde estuda. Antes disso, estagiava no INSS. Ainda faltam dois anos para terminar a graduação. A demora se deve às dificuldades financeiras. “Há dois anos eu me viro sozinho aqui. No começo, minha irmã mais velha me ajudava, mas foi ficando difícil. Até que disse para ela que eu ia arranjar um emprego e me sustentar. Sou órfão de mãe e meu pai já é idoso”, conta Emanuel.

Em Luanda, ele morava com a irmã mais velha. Quando sofreu o golpe pela empresa, a família ainda tentou juntar dinheiro para buscar Emanuel, mas não teve sucesso. “Decidimos, então, que eu ficaria aqui e tentaria estudar. Um estrangeiro no Brasil sem instrução é complicado. Me senti na obrigação de fazer por mim mesmo. O que ganho no estágio ajuda a me manter, mas não é fácil. Me sinto muito sozinho. Meu pai diz que 'só resolve teus problemas quem conhece o teu sofrimento'. No começo, eu não me sentia eu mesmo, não sabia o que fazer. Tive muito medo porque aqui não tenho ninguém para pedir ajuda. Hoje eu vejo que esses obstáculos serviram para me tornar uma pessoa melhor. Ainda é difícil viver sem poder planejar muita coisa, mas vivo um dia de cada vez. Tem vezes que priorizo as contas da casa, noutro mês priorizo o pagamento da faculdade”, afirma o estudante, que divide uma casa no Pinheirinho com outros cinco angolanos que estudam na Unesc.

Assim como Veziel, é na igreja que Emanuel encontra forças para não desistir. Ele participa de um grupo de jovens da Igreja Batista em Criciúma. “Fiquei mais assíduo quando vim para o Brasil. Gosto de lá porque é um lugar no qual posso esquecer as minhas dificuldades. Vivo na fé e pela fé”, explica. Questionado se ainda pensa em retornar para Angola, Emanuel diz que essa é a pergunta que mais ouve dos brasileiros. “O Brasil não foi uma escolha. Foi a oportunidade que surgiu para eu estudar. Para nós, angolanos, ter uma formação no exterior é algo muito valorizado. Foi isso que me fez sair do meu país. Mas sei que um dia vou conseguir me organizar, ter um emprego e me estabilizar financeiramente”, finaliza.

Por Cristina Oliveira | Jornalismo IFSC

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