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Servidora desenvolve site para atender surdos e acaba beneficiando ouvintes na pandemia

CÂMPUS JARAGUÁ DO SUL-CENTRO Data de Publicação: 16 dez 2020 17:50 Data de Atualização: 16 dez 2020 18:43

Como aprender uma nova técnica ou desenvolver uma habilidade numa escola em que professores e materiais didáticos não falam a mesma língua que o estudante? Essa poderia ser a dificuldade de alguém que viaja para o exterior sem falar o idioma do novo país, mas também é a descrição da realidade que muitos estudantes surdos vivenciam ao ingressar numa escola frequentada por pessoas ouvintes no Brasil. Mesmo com o auxílio de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras), ainda há barreiras que precisam ser superadas, desde o planejamento das aulas até a escolha e a disponibilização de materiais de apoio adequados à comunidade surda.

O convívio com os desafios enfrentados pelas pessoas surdas faz parte do cotidiano da intérprete de Libras Cristiane Albano Marquetti, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro. Com 15 anos de experiência em tradução e interpretação, ela percebeu na medida em que acompanhava estudantes surdos em sala de aula que a atuação do intérprete é fundamental, mas não resolve todos os problemas dos alunos surdos.

Segundo Cristiane, existem lacunas que precisam ser preenchidas para garantir a mesma qualidade na formação que é oferecida aos estudantes ouvintes. “A gente já evoluiu muito e vem melhorando cada vez mais aqui no IFSC, mas eu ainda queria que o estudante surdo chegasse na escola e tivesse um material didático adequado para ele exercer sua autonomia, que pudesse ir pra casa e realizasse com independência as atividades que ficou de entregar na próxima aula, que não precisasse vir numa aula extra no câmpus porque o material não está acessível”, conta. 

Percebendo que as dificuldades se repetiam entre muitos estudantes, Cristiane decidiu criar durante o Mestrado Profissional em Educação Profissional em Rede Nacional (ProfEPT) o site “A moulage cartesiana em videoaulas”, com o objetivo de auxiliar estudantes surdos dentro do curso de ensino médio técnico em Modelagem do Vestuário em Jaraguá do Sul. “O programa de mestrado exigia a elaboração de um produto educacional, então optei pelo desenvolvimento dessa plataforma, que foi desenvolvida pensando especificamente no conteúdo de moulage cartesiana”, explica.

A moulage é uma técnica usada para “esculpir” um molde do corpo a partir de um manequim ou do próprio corpo humano para que, a partir desse molde, ocorra o processo de desenvolvimento de roupas. No caso da plataforma elaborada no ProfEPT, a intérprete criou materiais didáticos ligados à moulage cartesiana, que é uma metodologia de moulage desenvolvida pela professora Mara Rubia Theis – também do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro – que usa os eixos X e Y como norteadores: o meio do corpo é o eixo Y e as diversas partes do corpo como busto, cintura e quadril são consideradas como eixo X.

Para a elaboração do conteúdo, foi fundamental o trabalho em conjunto entre a intérprete e a docente responsável pelo conteúdo ensinado em sala de aula. Mesmo assistindo a todas as aulas das unidades curriculares de Ergonomia e Modelagem ministradas pela professora, a intérprete contou com Mara Rubia para também validar questões conceituais e auxiliar na produção dos vídeos. “Quem abrir o site vai ver o passo a passo de cada etapa. Para chegar nesse resultado, eu filmei e editei cada vídeo, mas foi a professora Mara quem ‘emprestou’ as mãos que aparecem em cada filmagem”, revela.

A parceria entre a intérprete e a docente revela uma das barreiras que precisam ser superadas para oferecer aos surdos um material adequado: os professores precisam estar abertos a reverem suas metodologias e transformarem a maneira tradicional de ensinar. “A primeira vez que eu tive uma estudante surda em sala eu não entendi muito bem que era eu quem tinha que dar um jeito de explicar o que eu estava fazendo de uma maneira que a pessoa surda entendesse. Eu achava que era tudo função da intérprete. Isso foi há uns seis anos. Mas aquela situação foi tão tocante e intensa pra mim, e outros estudantes surdos vieram depois, que hoje eu celebro a criação de um site como este, sobre moulage e acessível em Libras”, diz Mara Rubia.

Os benefícios da publicação do site, no entanto, não ficaram restritos apenas à comunidade surda. Devido à pandemia e à suspensão das aulas presenciais, uma das maiores dificuldades encontradas durante a oferta das Atividades Não Presenciais (ANPs) foi a substituição das aulas práticas. E o site – que foi pensado inicialmente para auxiliar apenas os estudantes surdos – está permitindo a continuidade das aulas ligadas à modelagem. “É essa ferramenta que está possibilitando que eu mantenha as unidades curriculares de Ergonomia e Modelagem no curso técnico integrado, bem como algumas aulas no curso superior de tecnologia em Design de Moda. Esse produto está nos atendendo e hoje os estudantes estão desenvolvendo seus manequins personalizados em casa pra gente poder fazer as aulas, num trabalho maravilhoso”, destaca a professora.

Os benefícios para os alunos ouvintes foram percebidos ainda antes da pandemia, durante a produção das videoaulas disponíveis na plataforma. Segundo a intérprete, muitas vezes os estudantes que frequentavam as aulas junto com a intérprete recorreram a ela para pedir acesso aos vídeos gravados para o site. “Eles vinham e me perguntavam ‘Cris, você tem o vídeo explicando tal coisa?’, e eu tinha, então eles pegavam o arquivo pra poder estudar, mesmo tendo assistido às aulas”, lembra.

O site “A moulage cartesiana em videoaulas” demorou um ano para ser elaborado e não teve nenhum custo de produção. Todo o trabalho de captação de imagens, edição de videoaulas, design da plataforma e demais ajustes foram realizados pela própria servidora. “Não é nada profissional, é uma edição simples, sem nada milagroso, mas ficou funcional. E a gente precisa de material funcional”, aponta.

Validação da comunidade surda

Além de ser aprovada na banca do mestrado, a ideia da intérprete Cristiane também precisava receber a aprovação da principal interessada: a comunidade surda. Para isso, a então mestranda contou com duas etapas de validação junto a três voluntários surdos: um graduado em Design de Moda, uma ex-aluna do câmpus formada no curso técnico em Produção e Design de Moda e uma estudante do curso de Letras Libras da UFSC – esta última sem qualquer conhecimento da parte técnica ligada à modelagem.

Quando havia uma certa quantidade de videoaulas prontas, ocorreu a primeira validação. “Foi muito bacana, pois me deram feedback positivo e sugeriram algumas modificações, o que me fez incluir elementos gráficos nos vídeos e não apenas contar com a filmagem do processo”, relembra.

A segunda validação ocorreu ao final da construção da plataforma, já com todos os vídeos e demais conteúdos publicados. Nesta etapa, porém, o desafio foi maior: Cristiane queria descobrir se os três voluntários seriam capazes de realmente aprender o que estava na videoaula e, para isso, pediu que os três realizassem uma etapa da moulage. O resultado foi, mais uma vez, positivo, conforme relatado a seguir pela própria intérprete. 

Continuidade do site

De acordo com a autora da plataforma, o projeto não se encerrou com a finalização do mestrado. Tanto ela quanto a professora Mara Rubia pretendem continuar a produção de conteúdo e ampliar a variedade de videoaulas disponíveis. “Queremos complementar com outras variações de roupa que existem, pois hoje temos no site apenas blusa e saia reta. Faltam, por exemplo, gola, decote, saia godê, variações de vestido... Está tudo engatilhado, só esperando a pandemia passar para voltarmos e gravarmos o conteúdo”, conta.

A equipe também pretende inserir na plataforma novas ferramentas de acessibilidade e outros materiais adaptados aos surdos, com o propósito de centralizar num único espaço o conteúdo destinado a auxiliar os estudantes surdos.

Clique aqui e acesse a dissertação apresentada pela intérprete Cristiane Albano Marquetti à banca do ProfEPT. O site “A moulage cartesiana em videoaulas” deve permanecer disponível por tempo indeterminado.

Falta de integração de soluções para os surdos

A plataforma desenvolvida pela servidora Cristiane soma-se, no IFSC, a outras iniciativas já desenvolvidas para beneficiar a comunidade surda. Porém, com poucas exceções, essas iniciativas acabam pulverizadas dentro dos diversos canais de comunicação institucionais e nem sempre são encontradas pelo usuário ao qual se destinam. Um exemplo disso ocorre no próprio Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, num projeto finalizado em 2018 que disponibilizou um glossário em Libras de termos ligados à modelagem e à história da moda. “Atualmente os glossários estão disponíveis apenas em listas de reprodução no canal de Youtube do câmpus, mas poderiam ser integrados em outros espaços, junto inclusive com outras iniciativas já realizadas por nossos servidores e estudantes”, destaca a intérprete.

Entre os exemplos de projetos que tiveram o objetivo de beneficiar a comunidade surda estão um glossário de termos de informática desenvolvido em 2016 por formandos do ensino médio técnico no Câmpus Chapecó e um glossário de termos de química criado neste ano pela servidora Karina Zaia Machado Raizer do Câmpus Palhoça-Bilíngue também durante o mestrado profissional em em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT).

Sobre o ProfEPT

Criado em 2016, o Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) é oferecido em vários institutos do Brasil, inclusive no IFSC. Este programa de mestrado profissional tem como diferencial a obrigatoriedade de o aluno desenvolver um Produto Educacional (PE), o qual serve de apoio ao processo ensino e aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológica. No caso da pesquisa da intérprete Cristiane Albano Marquetti, a plataforma “A moulage cartesiana em videoaulas” foi o Produto Educacional desenvolvido.

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