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Uma vida pela defesa do meio ambiente

CÂMPUS GASPAR Data de Publicação: 22 jun 2020 16:14 Data de Atualização: 22 jun 2020 16:25

O Prof. Lauro Eduardo Bacca lecionou na FURB durante 25 anos e foi o líder dos fundadores da Associação Catarinense de Preservação da Natureza e seu primeiro presidente. Há anos o Prof. Bacca realiza um trabalho incansável em prol da proteção ambiental, trabalho que trouxe conquistas imensuráveis para a geração atual e para as futuras gerações. Uma das mais importantes foi sua atuação para criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, uma importante Unidade de Conservação da região, que abrange o território de Gaspar. Para refletirmos sobre o nosso contexto ambiental regional conversamos com o Prof Bacca durante a VIII Semana do meio Ambiente.

Prof. Bacca, como blumenauense, e profundo conhecedor do território da região de Blumenau, incluindo Gaspar, onde temos o Câmpus do IFSC, como avalia o cenário ambiental da região? Quais as principais dificuldades e quais as principais oportunidades?

Quando os primeiros europeus colonizadores aqui chegaram encontraram praticamente só matas virgens e rios de águas "limpas como um diamante" como escreveu um dos pioneiros para o rio Benedito, no que hoje é Indaial, ou, "escuras, porém bem transparentes", como um visitante se referiu ao rio Itajai Açu, em 1858, quando pernoitou na propriedade dos Schramm, em Gaspar, para descansar da longa viagem de canoa entre Itajaí e Blumenau, pois, não existiam caminhos nem estradas. 

Até o tempo em que minha mãe era jovem e mesmo já casada (hoje ela está com 93 anos) ainda se usava água direto do rio Itajaí Açu, para beber, cozinhar e tomar banho. O mesmo certamente acontecia em Gaspar. A fauna aquática e terrestre era tão abundante que, para atravessar um ribeirão, era comum pisar com os pés em cima de alguns dos milhares de cascudos que ali viviam. Piavas  pegava-se com a mão de encher balaios, depois de "tonteá-las com batidas de galhadas sobre elas" nas águas rasas dos espraiados de seixos que elas procuravam na época de reprodução. Animais silvestres eram tantos que, conforme disse um cidadão bem idoso entrevistado por mim: "se hoje tivesse tantos bichos como tinha antigamente, ninguém precisava de criação". Perto de Gaspar Alto, até a década de 1960, era possível avistar-se varas de uns 250 porcos queixadas. 

Nossa região era um verdadeiro Éden de rica fauna, flora e funga e plena de terras férteis. Veio o desmatamento, a caça descontrolada, a poluição, o crescimento urbano muitas vezes descontrolado, as escavações e aterros e o que era paraíso foi  para o espaço. Literalmente, não fomos expulsos do paraíso, expulsamos o paraíso de nós!! Restaram matas devastadas ou bastante empobrecidas em quase toda a sua totalidade.  Espécies da fauna silvestre outrora abundantes hoje estão ou desaparecidas, como a anta, a onça-pintada e a jacutinga. Outras estão raríssimas, como o queixada, o puma, o jacaré-de papo-amarelo, o urubu-rei ou o pavó, uma espécie de ave. 

A situação estava ficando preocupante, então, surgiu a questão ambiental e a necessidade de preservar o que restou, recuperar o que foi perdido (se possível) e controlar a poluição. Então houve grandes avanços. Em muitos lugares, como aí mesmo nas proximidades do IFSC do Bela Vista, cessada a agricultura e pastagem pouco produtivas nas encostas, as matas secundárias voltaram a se desenvolver. A indústria quase não mais polui nem mais as águas nem o ar, graças aos tratamentos de efluentes. Em alguns lugares a fauna silvestre voltou a aparecer, mas, só nas proximidades das cidades. Lá longe, nas matas, infelizmente, ainda se caça impunemente e o resultado é a síndrome das florestas vazias, sem fauna, também chamado de defaunação. Nesses casos a floresta se parece como uma cidade muito bonita, mas, que, sem habitantes, começa a se deteriorar. Com as florestas é quase a mesma coisa: sem fauna, começa a se deteriorar e perder espécies de árvores e muitos outros vegetais, por falta de fauna que disperse as sementes, por exemplo. 

Também há necessidade de recuperar nossos córregos do excesso de retificação e aterros, coisa ainda não feita. Isso se chama RENATURALIZAÇÃO dos rios. Outro problema não bem enfrentado é o excesso de ocupação de nosso litoral. Cães e gatos soltos e livres, apesar de não se ver autoridade nenhuma falando disso, também precisam ser controlados. Um estudo mostrou que, nos EUA, gatos soltos são responsáveis pela morte de mais de 50 milhões de pequenos animais silvestres por ano. Enfim, apesar de muitos e bons avanços, muito ainda há que se fazer. Infelizmente, no atual governo federal, o meio ambiente está em completo abandono, então a luta para melhorar o meio ambiente continua agora, mais necessária que nunca.

O Parque Nacional da Serra do Itajaí já tem 16 anos de existência e representa uma importante unidade de conservação da região. Começou-se a discutir a possibilidade de passar a gestão das unidades de conservação para entidades privadas, como o senhor vê essa questão?

Isso é possível para certas atividades, como controle de entrada de visitantes, guias especializados, vendas de objetos e lembranças, etc. Mas, jamais deve-se aceitar a privatização total, por razões óbvias: em primeiro lugar, só o governo federal, muitos estaduais e alguns municipais pode possuir as grandes áreas necessárias para a proteção significativa dos ecossistemas naturais, como florestas, campos, cerrado, caatinga, áreas pantaneiras, complexos litorâneos, lagunares, fluviais, ambientes marinhos especiais, etc. A fiscalização também deve ser mantida pelos governos. Para isso, não entendo como até hoje ainda não se criou a carreira de guarda-parques, tão admirada e respeitada nos Estados Unidos. Em segundo lugar, grande parte dos parques nacionais e outras Unidades de Conservação não geram maiores recursos. Se for propriedade privada, o dono vai querer ter lucro e, nessa hora, a proteção da biodiversidade, principal função das Unidades de Conservação, vai ser relaxada em função da necessidade de sobrevivência do gestor enquanto empresa.

A pandemia nos trouxe a possibilidade de repensar nossa relação com o meio ambiente que lições podemos ter para nosso contexto?

Vejo na pandemia um alerta de quão frágeis somos enquanto espécie e quão perigoso pode ser um planeta com superpopulação. A humanidade já se aproxima dos 8 bilhões de habitantes. Todos de mãos dadas dariam 200 (duzentas) voltas ao redor do planeta. É gente demais e quase não restam grandes espaços sem ninguém morando. Isso, junto com as facilidades de locomoção por avião e mesmo carros, ônibus e navios, são um prato cheio para eventuais surgimentos de pandemias como a que atualmente estamos vivendo. Cientistas alertam também que, quanto mais avançamos sobre as últimas áreas naturais do planeta, como a Amazônia, aqui no Brasil e países vizinhos, o perigo de algum patógeno que só existe em espécies selvagens (ou nativas) passar para o ser humano é real. Também essa pandemia está nos mostrando que podemos viver muito bem com muito menos consumo e que o atual modelo de sociedade baseado no uso crescente dos recursos naturais, (que são finitos, e não infinitos), ainda mais com a gigantesca e injusta desigualdade social não é mais viável. Grandes transformações então precisam acontecer. E quanto antes soubermos como fazer isso, será melhor e menos traumático para todos.

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