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Cloroquina e hidroxicloroquina: esses medicamentos têm eficácia contra a Covid-19?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 09 jun 2020 14:23 Data de Atualização: 18 fev 2021 17:49

Um dos assuntos mais polêmicos ao se falar no combate à Covid-19 é o uso dos medicamentos cloroquina e hidroxicloroquina. No início da pandemia no Brasil, em meados do mês de março, foram anunciadas pesquisas com essas drogas no combate à doença, o que gerou uma corrida às farmácias por pessoas que queriam estocar o medicamento em casa, obrigando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a emitir resolução para que a venda dessas drogas fosse feita apenas com receituário médico especial.

Nos meses subsequentes, houve um esforço mundial para a realização de pesquisas com a substância. Como resultado, revistas científicas importantes, bem como a comunidade médica e científica, passaram a desaconselhar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19 por não apresentarem resultados clínicos relevantes e terem muitos efeitos colaterais.

No Brasil e nos Estados Unidos, principalmente, o uso da droga virou questão política. O governo brasileiro chegou a emitir portaria recomendando o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, desde que o paciente assine termo de responsabilidade. Laboratórios do Exército Brasileiro também passaram a produzir esses medicamentos.

Já no início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Solidarity, um esforço conjunto mundial de pesquisa que busca acelerar a identificação de alguma droga que possa ajudar no tratamento da Covid-19, entre eles a cloroquina e a hidroxicoloroquina. No início de junho, a OMS afirmou que novas pesquisas serão feitas com a cloroquina e a hidroxicloroquina, inclusive a revisão de um artigo importante publicado na revista científica The Lancet. Porém, não há recomendação do seu uso no momento.

Para esclarecer esse assunto, conversamos com o médico Diego Vinícius de Magalhães, do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) do IFSC. Ele é reumatologista e tem experiência em receitar esses medicamentos, muito utilizados no tratamento de doenças imunomediadas, como artrite reumatoide e lúpus, e também no tratamento da malária. 

Diego reafirma a posição da comunidade médica, de que essas drogas não apresentam efeitos comprovados contra a Covid-19, e ainda alerta para o perigo da automedicação com substâncias que podem ter efeitos colaterais graves.

Veja em vídeo os principais trechos da entrevista.

Qual a diferença entre cloroquina e hidroxicloroquina?

Esses dois medicamentos foram desenvolvidos para o tratamento e prevenção da malária. A diferença entre eles está na química orgânica, sendo a cloroquina o medicamento mais antigo. As duas substâncias têm ação no sistema imunológico e por isso também são utilizadas no tratamento de doenças imunomediadas, ou seja, quando o sistema imunológico ataca o próprio organismo, como lúpus, artrite reumatoide, Síndrome de Sjögren, entre outras.

Outra diferença entre as duas drogas está na sua farmacodinâmica, como o tempo de excreção renal. A cloroquina tem mais chance de se depositar na mácula (estrutura do fundo do olho), principalmente para pessoas com problemas nos rins ou fígado e no uso prolongado do medicamento. 

Como essas drogas começaram a ser testadas para combater a Covid-19?

Os coronavírus, como uma “família” de vírus, são conhecidos desde a década de 1950. Em dezembro de 2019, foi descoberto na China o vírus Sars-Cov-2, que causa a doença Covid-19. Esse vírus, em pessoas que têm predisposição a desenvolver a forma mais grave, causa uma “tempestade de citocinas”, ou seja, uma resposta inflamatória do organismo, que resulta em disfunção de vários órgãos, como pulmão, rins e intestino. Em muitos pacientes, a doença evolui para uma pneumonia, e o paciente precisa ficar entubado.

Como a cloroquina e a hidroxicloroquina têm ação sobre o sistema imunológico, começaram a ser realizadas pesquisas com o vírus Sars-Cov-2. Observou-se em experimentos in vitro (em laboratório) que esses medicamentos diminuíram a capacidade do vírus de entrar em células humanas, dificultando a ação do vírus nessas células. Porém, quando foram realizados testes em pessoas doentes, não houve bons resultados.

Por que não podemos dizer que a cloroquina e a hidroxicloroquina são a cura para esse novo coronavírus? Como foram realizados os estudos com esses medicamentos?

Para afirmarmos que um medicamento tem uma ação comprovada no tratamento de uma doença precisamos realizar estudos controlados, randomizados, duplo-cego, com grupo controle, com uma metodologia bem trabalhada e com resultados positivos. Para cada tipo de medicamento existe um padrão de pesquisa e um tempo variado para o desenvolvimento. No caso da cloroquina e hidroxicloroquina, são medicamentos que já existem. O que se tentou foi observar se havia efeito sobre o Sars-Cov-2. No caso, os estudos que apontaram algum resultado foram estudos observacionais apenas, não houve um estudo de peso estatístico. 

Então, cientificamente, não existe um estudo sério, organizado e sem viés confirmando dados positivos tanto da hidroxicloroquina quanto da cloroquina. Observou-se, em estudos mais completos, (como o publicado no The New England Journal of Medicine) efeitos colaterais graves com o uso da hidroxicloroquina em altas doses, como arritmia cardíaca. Porém, não se observou diferença significativa na melhora dos pacientes. Então, no momento, não se tem evidência científica de que a hidroxicloroquina e a cloroquina curam ou tratam Covid-19. Há mais uma questão política que científica sobre o medicamento. Quando o Ministério da Saúde lançou um protocolo para uso da hidroxicloroquina, as sociedades médicas emitiram documentos dizendo que não há evidência científica. 

E assim como não há comprovação da eficácia do uso desses medicamentos no tratamento da Covid-19, também não se encontrou, até o momento, nenhum outro medicamento que possa ser utilizado. Entre todos os medicamentos que foram testados, um medicamento chamado Remdesivir, liberado nos Estados Unidos, foi o que apresentou melhor resposta, porém não conseguiu controlar as formas graves da doença.

Qual o perigo da automedicação com a cloroquina e a hidroxicloroquina?

Nós nunca devemos tomar um medicamento por conta própria. O medicamento deve ser prescrito após uma avaliação médica, porque um medicamento que faz bem para mim pode não fazer bem para outra pessoa. 

Assim como a definição da dosagem, os efeitos colaterais dependem da dose do medicamento e do peso da pessoa. Quando usado em dose alta ou associado a algum antibiótico, pode causar arritmia cardíaca grave. Os efeitos mais a longo prazo podem ser deposição na mácula do olho e diminuição da capacidade visual. Quem tem disfunção renal, mesmo tomando uma dose pequena, tem mais risco de ter uma arritmia. Quando esses medicamentos são utilizados por quem precisa, em uma dose correta, os efeitos colaterais são raros. 

Além disso, pode haver reações alérgicas ao medicamento, como fechamento da glote e lesão de pele, que é uma reação a um medicamento que a pessoa não está acostumada a tomar. Não só para Covid-19, mas para qualquer doença, a automedicação não é recomendada.

Quando surgiu a notícia de que a cloroquina e a hidroxicloroquina poderiam ter algum efeito positivo em relação à Covid-19, houve uma corrida às farmácias, com excesso de prescrição, já que esses medicamentos não exigiam receituário de controle para ser adquirido. Essa busca exagerada casou outro problema grave, já que muitas pessoas que utilizavam esse medicamento para outras doenças (como lúpus e artrite) acabaram ficando sem medicação.

Como é o tratamento contra a Covid-19, em casos leves e graves?

Em relação à Covid-19, 85% dos infectados não vão ter sintomas, ou vão ter sintomas leves, como tosse seca, coriza, falta de ar leve, indisposição, febre, dor no corpo, parecido com uma gripe. Porém, assim como a gripe, não há medicamento que combata o vírus, ao contrário das infecções bacterianas, tratadas com antibiótico.

Nos sintomas leves, é orientado que a pessoa faça repouso, se mantenha em isolamento por 14 dias, faça hidratação e tome remédio para febre. Nos casos mais graves, que exige hospitalização e até mesmo ventilação mecânica, há cuidados intensivos de UTI, mas não há um medicamento eficaz para ser utilizado nesse caso.

Existe algum alimento ou bebida que possa ser usado na prevenção da Covid-19? Há boatos que a água tônica, um refrigerante à base de quinino, possa ter esse efeito.

Não há nenhum estudo que diga que tomar água tônica ou qualquer outro alimento com quinino em sua composição vá prevenir ou curar a Covid-19. O que se orienta, e que há comprovação de eficácia, é a prevenção: isso inclui a etiqueta de tosse e espirro, utilizar máscara quando sair à rua, lavar as mãos corretamente com água e sabão ou utilizar o álcool em gel e, é claro, manter o distanciamento social sempre que possível.

Outra medida que você pode tomar é ter uma alimentação saudável, com alimentos mais naturais, fortalecendo o organismo como um todo. Porém, não existe um único alimento que vá prevenir ou curar a Covid-19. É importante sempre que buscar informações, procure fontes confiáveis, como seu médico ou canais oficiais de órgãos de saúde.

Tem alguma dúvida sobre a Covid-19? Quer comentar algo sobre este post? Escreva pra gente: verifica@ifsc.edu.br.

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