Em parceria com o Estado, Câmpus Criciúma conclui primeira oferta de Proeja/FIC no sistema prisional

CÂMPUS CRICIÚMA Data de Publicação: 05 mar 2024 14:11 Data de Atualização: 18 mar 2024 09:36

“Não vou perder o embalo”, diz o homem de 61 anos com um certificado na mão. Ele ainda cumpre pena na Penitenciária Sul, de Criciúma, já intercalando 45 dias no sistema prisional com uma semana junto à família, que mora em Tubarão. Mas já projeta seguir os estudos quando estiver em liberdade. “Parei de estudar muito cedo e fui recomeçar aqui. Sou muito grato por essa oportunidade. Agora vou fazer o ensino médio”.

Ele é um dos seis formandos do curso de qualificação profissional em Pintor de Obras Imobiliárias integrado ao Ensino Fundamental na modalidade Educação de Jovens e Adultos. O curso é resultado de uma parceria entre o Câmpus Criciúma do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e as secretarias estaduais de Educação e de Administração Prisional, e foi dividido entre o Centro de Jovens e Adultos (Ceja), responsável pelo Ensino Fundamental, e o IFSC, pelas aulas práticas e pela organização do curso e do processo de certificação. 

A solenidade de entrega de certificados foi realizada na sexta-feira (1º), em uma sala da Penitenciária Sul. Estiveram presentes o diretor da instituição prisional, Johnny Cascaes Inácio, a coordenadora do Ceja, Miriani Caetano, a coordenadora do projeto Proeja-EPT do IFSC, Mariana Guerino, o coordenador do projeto no Câmpus Criciúma, Bazilício Andrade Filho, o tutor do curso, Dionês Stefanello, e o diretor-geral do câmpus, Daniel Comin da Silva.

“Foi uma enorme satisfação presenciar o momento em que celebramos a finalização de um curso ofertado pelo IFSC em parceria com o Ceja. Foi muito marcante poder compartilhar da alegria dos formandos e de seus familiares. Isso nos conecta com a missão do IFSC que é a de ‘promover a inclusão e formar cidadãos, por meio da educação profissional, científica e tecnológica, gerando, difundindo e aplicando conhecimento e inovação, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico e cultural’”, relata Mariana Guerino.

"A maior gratificação é saber que a gente pôde, por meio da educação, contribuir para a socialização dessas pessoas, algo que está bastante ligado à nossa missão institucional. Essas pessoas, mais cedo ou mais tarde, voltarão ao convívio social. Então, saber que a gente pôde, por meio da educação, contribuir para que elas possam, nesse processo de reingresso na sociedade, construir novas histórias, com certeza isso é o que fez este projeto valer a pena", reforça o diretor do câmpus.

Primeira experiência

Desde 2017, o Câmpus Criciúma do IFSC mantém parceria com as secretarias estaduais de Educação e de Administração Penitenciária para a realização de cursos de qualificação voltados a reeducandos do sistema prisional. Além de cursos de qualificação profissional, já foram realizados projetos de extensão e certificação de saberes junto aos públicos das penitenciárias feminina e masculina. Esta, porém, foi a primeira experiência com um curso da modalidade Proeja/FIC.

Daniel Comin explica que o Câmpus Criciúma prevê, no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), a oferta de cursos técnicos integrados à EJA, mas condicionados à chegada de novos servidores. A parceria com o Estado permite que o câmpus viabilize esta oferta neste momento, com a atual equipe de docentes e técnicos da instituição.

“Mesmo sem a vinda de novos servidores, por meio desta parceria foi possível viabilizar uma oferta de EJA, neste caso dentro do sistema prisional, que já é um setor bastante marginalizado. A Educação de Jovens e Adultos já é marginalizada. Dentro do sistema prisional, as dificuldades são ainda maiores. Mas foi gratificante saber que, com a união de esforços nessa parceria, essas dificuldades foram superadas e a gente conseguiu atender um público no qual, com certeza, a educação faz um papel importante no processo de ressocialização”, afirma o diretor do Câmpus.

Parceria

O curso teve duração de dois anos, tendo se iniciado no primeiro semestre de 2022. A parte técnica do curso ficou a cargo da professora Renata Mansuelo, da área da Construção Civil do IFSC. O núcleo comum, isto é, as disciplinas de Português, Matemática, Inglês, Artes, Educação Física, Ciência, História e Geografia, eram de responsabilidade do Ceja.

Assessora da direção do Ceja, Marlene Koscrevic relata que toda a preparação inicial dos professores do Estado tinha como objetivo fazer com que as disciplinas tivessem relação com a parte técnica do curso. “Quando eles foram estudar, por exemplo, Artes, procuramos trabalhar a influência das cores nos ambientes e na vida das pessoas. O professor de Matemática ensinava como calcular a quantidade de tinta em uma parede. O conteúdo trabalhado era sempre aplicável ao curso”, afirma.

Marlene destaca, ainda, a importância da parceria entre Ceja, IFSC e Penitenciária na elaboração do projeto pedagógico, na organização do curso e no suporte às turmas. “Foi um trabalho muito legal que a gente fez e acredito que fortaleceu os laços do sistema penitenciário conosco e consequentemente com os professores e a comunidade em geral. Foi muito proveitoso, uma parceria que deu bons frutos e que seria importante continuarmos dentro do sistema prisional e também fora, com o IFSC, uma instituição muito séria e que abraça os projetos, quando vai fazer algo realmente se preocupa com o que está acontecendo”, diz.

Desafios

Por ser um curso com estudantes que cumprem pena dentro do sistema prisional, algumas dificuldades decorrentes dessa situação estiveram presentes ao longo dos dois anos. A turma começou com 26 alunos, mas por questões internas da Penitenciária, como a necessidade de transferir apenados para outros locais, apenas seis estudantes concluíram o curso. Cada aluno tinha direito a uma bolsa-auxílio, destinada ao apenado ou à família.

Servidor do IFSC responsável pelo acompanhamento do curso, Dionês Stefanello afirma que, apesar das dificuldades, os estudantes demonstraram muito interesse nas aulas. “Eles demonstraram vontade de concluir o curso, respeito pelos professores e assiduidade. Os professores relataram que o rendimento deles é muito grande em sala de aula, então os professores conseguiram fazer um bom trabalho lá dentro. Também temos que destacar que a direção da Penitenciária sempre teve disponibilidade para nos receber e atender nossas solicitações”, afirma Stefanello. “Esses alunos que se formaram conseguiram aprender uma profissão, e a gente espera que quando eles saiam do sistema penitenciário consigam um trabalho digno para o sustento das famílias”, completa.

Para os professores, lecionar para pessoas privadas de liberdade tem o desafio de atuar em uma penitenciária mas, por outro lado, a possibilidade de trabalhar com estudantes extremamente focados e ansiosos por aproveitar a oportunidade que está sendo oferecida. 

“É perceptível a vontade que eles têm por aprender e por agarrar essa oportunidade. Se você tiver esse olhar de ressocialização e de perceber que são pessoas como qualquer outras, que cometeram um erro mas já resolveram esse erro judicialmente, estamos tá ali justamente para fazer com que elas possam ter outras perspectivas né e você poder mostrar outra perspectiva para uma pessoa eu acho que é justamente o papel fundamental do professor poder propiciar que novas perspectivas sejam vivenciadas, sejam sonhadas e posteriormente realizadas", afirma Renata Mansuelo, professora substituta do IFSC à época, hoje lecionando em uma faculdade particular de Santa Catarina.

Para o diretor da Penitenciária Sul, a oferta educacional dentro do sistema é uma forma de o Estado dar oportunidade para que a pessoa não volte a delinquir. “Sei como é difícil para as pessoas ingressarem no IFSC”, diz Inácio, também estudante do IFSC, no curso técnico subsequente em Edificações. “Portanto, a chance que os apenados têm é uma grande oportunidade. Tentamos investir para que volte para a sociedade. Se isso não der certo, não foi porque o estado não ajudou. Realizar um curso pelo IFSC e sair com um diploma é uma oportunidade única para conseguir um emprego”, afirma.

Esperança

Essa também é a esperança dos familiares, que acompanharam a formatura com emoção. Sandra, moradora de Imbituba, foi abraçar seu irmão. “Faz seis anos que ele está lá e ainda tem um caminho a percorrer lá dentro. Mas nosso sentimento é de alegria, gratidão e orgulho, que não cabem em nosso coração, por ver que ele está aproveitando as boas oportunidades que o sistema está disponibilizando para fazer diferente. Aqui fora ele nunca estudou. Fomos na formatura para incentivá-lo a continuar a fazer boas escolhas”, diz.

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