Mesa-redonda discute o papel da gastronomia na promoção da soberania e da segurança alimentar

CÂMPUS FLORIANÓPOLIS-CONTINENTE Data de Publicação: 15 jun 2023 15:28 Data de Atualização: 15 jun 2023 16:10

Valorizar ingredientes locais, sazonais e variados é uma maneira de a gastronomia contribuir para a segurança alimentar e nutricional. Essa foi uma das conclusões surgidas da mesa-redonda “O papel da gastronomia na soberania/segurança alimentar e nutricional”, realizada durante a Semana do Meio Ambiente do Câmpus Florianópolis-Continente.

Uma das participantes, a presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Florianópolis (Comseas-Fpolis), Aline Salami, considera que é preciso mudar a visão do senso comum de que a gastronomia tem relação apenas com banquetes e pratos elaborados. Para ela, a gastronomia tem que introduzir nos cardápios produtos locais e incentivar o uso de plantas alimentícias não convencionais, as pancs. Dirigente de um conselho ligado à prefeitura de Florianópolis, ela considera que o estado tem que incentivar e garantir políticas públicas para a alimentação saudável. 

Visão parecida sobre o papel da gastronomia tem outro participante da mesa-redonda, Mick Lennon Machado, representante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, um grupo que reúne diversas instituições. Para ele, a gastronomia deve valorizar a produção local, incentivando o uso de ingredientes regionais, sazonais (“da época”) e que sejam pouco processados, sendo, assim, “agente central para a soberania e a segurança alimentar dos povos”. 

A professora do câmpus Liz Cristina Camargo Ribas, participante da mesa-redonda, explicou o conceito de soberania alimentar, que é o direito de cada povo de para definir suas próprias políticas de produção de alimentos. Já a segurança alimentar tem relação com a disponibilidade, o acesso e as formas de utilização dos alimentos e com a estabilidade de sua oferta.

Liz também falou sobre a homogeneização da produção de alimentos no mundo, destacando que, embora exista uma enorme variedade de plantas e animais disponíveis - há cerca de 100 mil tipos de arroz e 4 mil de batata, por exemplo - poucos deles são usados como fonte de nutrientes.  Segundo pesquisas trazidas pela professora, apenas 12 espécies de plantas e cinco de animais são usadas na produção de 75% dos alimentos no mundo e 50% das calorias consumidas no planeta vêm de arroz, milho e trigo.

“Hoje se pensa tanto em suplementação alimentar, mas a diversidade pode ajudar nisso. A gastronomia tem esse papel de oferecer alimentos variados com ingredientes variados”, destaca. Outro número citado pela professora que chamou a atenção foi o de que apenas 10 alimentos correspondem a 45% do consumo dos brasileiros e, dentre eles, estão incluídos cerveja, refrigerante e açúcar cristal.

Por fim, falando de uma realidade local de homogeneidade na oferta de alimentos, Liz mencionou uma pesquisa feita por uma estudante do Câmpus Florianópolis-Continente que constatou que 90% dos produtos de confeitaria entregues por aplicativo na capital catarinense tinham sabor leite ou chocolate .

Riscos à segurança e soberania alimentar

A produção em larga escala de poucas espécies e com pouca variedade pode trazer riscos à segurança alimentar, ressalta a professora. “Quanto mais padronizada geneticamente a espécie, mais à beira da extinção”, explica Liz, que tem formação em biologia e em biotecnologia. 

Traçando uma linha do tempo, ela lista quatro motivos para esse cenário: o “imperialismo ecológico europeu”, que levou os alimentos produzidos na Europa para as colônias; a “revolução verde” pós-Segunda Guerra Mundial, que gerou monoculturas em larga escala; a transgenia, que leva à padronização e ao fim das sementes crioulas (“tradicionais”); e a industrialização, a globalização de padrões alimentares modernos e o consumo de alimentos ultraprocessados.

Na mesma linha, Aline Salami criticou o fato de poucas empresas (cinco, de acordo com ela) dominarem o mercado mundial de sementes, o que leva a uma perda de diversidade alimentar.

Mick Machado considera que há uma “sindemia global” (sindemia é a ocorrência simultânea de duas ou mais epidemias que causam mais dano interagindo entre si do que causariam isoladamente) no que diz respeito à alimentação e meio ambiente. As “epidemias” que formam essa sindemia seriam as de: obesidade (que atinge cerca de 25% da população mundial, de acordo com Mick), de fome e desnutrição (só no Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do planeta, são cerca de 33 milhões de pessoas em situação de fome) e das mudanças climáticas, causadoras de desastres naturais que interferem no sistema agroalimentar.  O resultado desse cenário é que, apesar da crescente produção agrícola no mundo, ainda há muitas pessoas em situação de insegurança alimentar.

A organização e a ação social são importantes para combater esses problemas, na visão de Mick Machado. “Ou a gente se organiza coletivamente ou a gente vai ter dificuldade de fazer qualquer enfrentamento”, alerta. Outras ações que podem contribuir para melhorar o cenário atual, na visão dos integrantes da mesa-redonda, são a valorização da agroecologia, da agricultura familiar e dos saberes tradicionais sobre alimentos. 

Além disso, é importante que cada pessoa tenha consciência dos impactos das escolhas que faz ao se alimentar. “O que escolhemos como alimento interfere na produção agrícola", lembrou o professor do câmpus Luiz Otávio Cabral, que atuou como mediador da mesa-redonda.
 

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