Seminário: evasão nas Licenciaturas é fenômeno complexo e precisa ser visto para além do 'eficientismo'

CÂMPUS CRICIÚMA Data de Publicação: 29 nov 2023 11:27 Data de Atualização: 01 dez 2023 11:40

Apenas quatro entre dez estudantes de Licenciatura concluem o curso. O dado é do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), e ilustra um dos desafios da formação de professores e o trabalho a ser feito dentro das instituições federais de ensino superior. Porém, também se trata de uma informação que precisa ser problematizada, colocada em contexto e compreendida dentro do que se quer para a educação pública no Brasil. 

Essa foi uma das discussões realizadas no 6º Seminário Institucional de Iniciação à Docência, evento realizado nos dias 27 e 28 de novembro no Câmpus Criciúma do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), reunindo estudantes e professores dos cursos de Licenciatura do IFSC e de outras instituições. O tema deste ano foi “Evasão e Permanência no Processo de Formação Inicial de Professores: debates, reflexões e proposições”.

O evento, que faz parte do calendário do Fórum das Licenciaturas do IFSC, foi organizado por estudantes e servidores do curso de Licenciatura em Química do Câmpus Criciúma. Foram 300 inscrições e 85 trabalhos apresentados, nos formatos de comunicação oral, barraquinhas e pôster. Além do IFSC, participaram com seus trabalhos estudantes e docentes de UFSC, IFC, Unesc e Universidade de Aveiro (Portugal). O evento foi selecionado no edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) para apoio à realização de eventos científicos, tecnológicos e de inovação (Proeventos).  

 


Cerimônia e palestra de abertura

Para além do eficientismo

Na palestra de abertura, o professor Paulo Roberto Menezes Lima Jr. fez um alerta: os números sobre evasão nos cursos superiores, particularmente no caso dos cursos de Licenciatura, devem ser encarados para além do que chamou de “eficientismo”, lógica que enxerga o estudante como um número e não compreende as razões que levam à decisão pela desistência ou troca de curso. Até mesmo para que a instituição de ensino saiba o que pode e o que não pode fazer para mitigar essa situação.

“Na lógica eficientista, a possibilidade de o indivíduo, em favor próprio, fazer uma escolha que não seja de seguir o curso até o final é apagada. Porque o estudante é pensado como um insumo”, disse Lima. 

Graduado em Física pela UnB (2006) e doutor em Ensino de Física pela UFRGS (2013), o professor apresentou pesquisas que questionam ideias como a influência da vulnerabilidade social na evasão ou mesmo que a desistência de um curso deva ser encarada como um fracasso, já que muitas vezes a decisão ocorre porque o aluno vislumbra uma perspectiva melhor. Neste sentido, questões como hierarquia entre cursos de uma mesma instituição e as perspectivas do mercado de trabalho acabam tendo mais peso na decisão dos estudantes.

“Eu quero que meus estudantes sigam na Licenciatura, mas não tenho ilusão de que vou fazer isso pintando de cor de rosa uma profissão que é cheia de desafios. E o posicionamento no mercado do estudante de Licenciatura é um desafio”, destacou o professor.

Pró-reitor de Ensino do IFSC, Adriano Larentes da Silva informou que a instituição prepara a criação quatro novos cursos de Licenciatura, nas áreas de Educação Quilombola, Educação Especial, Biologia e Português/Inglês. Atualmente, o IFSC possui seis cursos de Licenciatura: Química (Criciúma e São José), Física (Araranguá e Jaraguá do Sul), Matemática (Tubarão) e Pedagogia Bilíngue (Palhoça). Larentes destacou que a instituição vem adotando ações para fortalecer os cursos de Licenciatura, mas também defendeu a importância de políticas públicas que melhorem o cenário profissional para os docentes.

“É importante salientar que tanto a evasão quanto a formação de professores dependem muito da perspectiva de políticas públicas que são implantadas no país”, afirmou. “Cada vez mais, uma série de processos, em vez de atrair para a carreira docente, acabam desestimulando os jovens. Por isso o tema do Seminário é pertinente”, completou o pró-reitor, reforçando a importância dos institutos federais na oferta pública de cursos de Licenciatura em cidades do interior do país.

Representando os estudantes, Kellen Búrigo, aluna de Licenciatura em Química do Câmpus Criciúma, reforçou a necessidade de políticas públicas que valorizem a docência e a educação pública, alvo de desvalorização e sucessivos cortes de orçamento nos últimos anos. "O descaso em que enfrentamos do sistema não irá nos vencer, a educação crítica e transformadora é a resposta para os problemas da nossa sociedade. Juntos, mostramos que temos força diante de um sistema que não nos valoriza. Sistema esse que cria programas como 'meritocracia' ao invés de  aumentar o piso salarial do professor. Uma profissão que exige labor dia e noite, com professores trabalhando antes, durante e depois do horário e em condições não favoráveis.  Por outro lado, gratificante,  pois dá a oportunidade de ver os sujeitos tomando par do conhecimento de forma crítica, evoluindo a partir do processo de ensino-aprendizagem", afirmou a estudante.

Professora do Câmpus Criciúma e integrante da coordenação do Seminário, Giselia Antunes Pereira avalia que o evento foi uma oportunidade para que a instituição compreenda as diferentes visões sobre o fenômeno da evasão. A pesquisa acadêmica, ressalta a professora, já evidencia a complexidade da questão, que não pode ser considerada uma mera “falha” da universidade ou instituto federal.

“Os debates e reflexões geradas no evento, sobretudo pela palestra do professor Paulo Lima, mostraram-nos ainda como entender o tema sem culpabilizar os estudantes das escolhas que virem a realizar, pois há muitas rotas que nos permitem questionar os sentidos de evasão. Entre muitas possibilidades, um licenciando pode ter suas razões seja para sair do curso, trocar de área mas permanecer na instituição, sair da instituição e transitar entre instituições, entre outras possibilidades e, ainda sim, esta escolha lhe trazer bem estar. Uma análise superficial de indicadores de permanência e evasão não dá conta da complexidade do tema e pode desprestigiar o trabalho das instituições”, diz.

A professora acredita que momentos como o Seminário permitem aos cursos de Licenciatura do IFSC avaliarem e reforçarem as ações de permanência e êxito com a complexidade que o fenômeno da evasão exige. “É preciso problematizar a realidade de um modo crítico e interventivo. Como educadores e instituição formadora de professores, uma vez que o foco do evento foi o âmbito da licenciatura, precisamos reelaborar iniciativas mais inclusivas de acolhimento para apoiar quem decide evadir e, sobretudo, criar oportunidades de acolhimento que visem fortalecer o sentido de pertencimento dos que decidem permanecer”, conclui.

Experiências exitosas

O papel dos cursos de Licenciatura no combate à evasão também foi apresentado durante o Seminário, nos momentos de trocas de experiências realizadas por professores e estudantes em seus câmpus. “Eu destacaria a importância  das atividades desenvolvidas  no contexto dos programas de iniciação à Docência, como a Residência Pedagógica e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), como instrumentos de fortalecimento do vínculo dos estudantes bolsistas com os cursos de formação de professores, atividades que foram socializadas no evento”, aponta o professor do Câmpus Criciúma, Victor Rodrigues.

Além dos momentos de apresentações de trabalhos e trocas de experiências, o Seminário de Iniciação à Docência ainda contou com nove minicursos e três debates relevantes para a formação de professores. Os professores Jeferson Silveira Dantas (UFSC) e Evandro Accadrolli (Sinte-SC) falaram sobre o Novo Ensino Médio e os impactos na formação dos professores. Os 20 anos da lei que estabeleceu o ensino de história e cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio foram discutidos pelos professores e membros de o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) em suas instituições: Douglas Vaz Franco (Unesc), Edinéia Tavares (UFS) e Maria Helena Tomaz (Udesc). Na palestra de encerramento, a professora Nilza da Costa, da Universidade de Aveiro (Portugal), falou sobre sua trajetória de trabalhos e pesquisas com formação de professores em países de língua portuguesa.

Assista abaixo às mesas redondas e à palestra de encerramento:


Palestra O Novo Ensino Médio e os impactos para a formação de professores


20 anos da Lei 10.639/03 e os impactos para a formação de professores

Palestra "Formação Inicial de Professores, reflexões com base num percurso profissional" e encerramento
 
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