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Já tive Covid-19. Posso me reinfectar?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 abr 2021 15:16 Data de Atualização: 20 mai 2024 16:23

Quem já teve Covid-19, mesmo que com sintomas leves, não deve relaxar as medidas de prevenção e nem deixar de se vacinar. Casos de reinfecção estão aparecendo em várias partes do mundo. O primeiro caso foi registrado em Hong Kong, em agosto do ano passado. No Brasil, já são 11 casos confirmados pelo Ministério da Saúde, sendo que o primeiro foi registrado no Rio Grande do Norte em dezembro de 2020. Em Santa Catarina, o primeiro caso confirmado foi em Lages, em um paciente que testou positivo em setembro de 2020 e novamente em fevereiro de 2021.

No mês em que o Brasil registra o primeiro caso confirmado de morte de uma pessoa reinfectada por Covid-19, um homem de 39 anos do Rio Grande do Sul, conversamos com o biólogo, pesquisador e professor de Imunologia do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Daniel Santos Mansur sobre a relação entre o vírus Sars-Cov-2 e a imunidade. 

Segundo o pesquisador, já foram realizadas várias descobertas sobre esse coronavírus, porém, um ano de pesquisas ainda é pouco para a ciência ter certezas sobre o comportamento do vírus, como a duração da imunidade ou mesmo alcance das vacinas. O que já se sabe é que, neste momento, pessoas que já tiveram a doença devem manter as medidas protetivas, como uso de máscara e distanciamento social, e se vacinar quando chegar a vez.

Veja o post de hoje para saber:

- Quais as chances de uma pessoa se reinfectar com o vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19?
- Qual a diferença entre a reinfecção e os sintomas persistentes da Covid-19?
- Qual a relação entre reinfecção e as novas variantes de Covid-19?
- Como a reinfecção é detectada?
- A reinfecção pode ser mais grave que a primeira infecção?
- Qual a diferença entre a imunidade adquirida após a vacina e a imunidade por infecção pelo Sars-Cov-2?
- Quem já teve Covid-19 precisa continuar com as medidas de prevenção?
- Quem já teve Covid-19 precisa se vacinar?
- Qual a importância de mantermos a vacinação para outras doenças?

Quais as chances de uma pessoa se reinfectar com o vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19?

Casos de reinfecção por Covid-19 estão sendo registrados em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. No dia 20 de abril, foi registrado o primeiro óbito de um paciente comprovadamente reinfectado pelo vírus, no Rio Grande do Sul. O caso foi relatado em artigo pré-print publicado na revista Research Square (em inglês), e aponta que o paciente, um homem de 39 anos, foi infectado por duas variantes diferentes (P1 e P2) no período de cerca de quatro meses.

Segundo o pesquisador Daniel Santos Mansur, a possibilidade de uma pessoa se reinfectar por Sars-Cov-2 é real. Porém, ainda não se sabe em qual proporção isso acontece. Ele explica que há alguns tipos de coronavírus, conhecidos há mais tempo, que têm um tempo de imunidade de cerca de três meses, sendo que o Sars-Cov-2 parece ter um tempo um pouco maior. Há indícios de que o indivíduo pode ficar até um ano com uma boa imunidade, depois ela vai decaindo, mas como a descoberta do vírus tem pouco mais de um ano, é difícil falar em algo além disso. 

Veja a explicação completa do pesquisador no vídeo:

Qual a diferença entre a reinfecção e os sintomas persistentes da Covid-19?

Daniel Mansur explica que os vírus de RNA, como o Sars-Cov-2, podem apresentar infecções persistentes (saiba mais sobre sintomas persistentes e sequelas). Esses vírus podem ficar de forma inativa em algum órgão, como olho, testículo ou cérebro, e em algum momento podem voltar a replicar e a circular no corpo. Por exemplo, há comprovação de reaparecimento do vírus ebola em um paciente até três anos após a contaminação. “A gente não sabe ainda para o Sars-Cov-2, se ele fica persistente nesse sentido. Tem gente que fica até quatro meses com o vírus no trato respiratório superior. A pessoa está com vírus, não necessariamente doente, e ele está potencialmente transmitindo esse vírus”, alerta.

Ainda de acordo com o pesquisador, há pouco tempo de estudos e poucos casos confirmados para se saber se a reinfecção é uma característica do vírus ou algum problema no organismo da pessoa que faça com que os sintomas reapareçam, como alguma doença que cause imunossupressão, interferência de medicamentos, entre outros. Ele explica que, no caso do ebola, já há evidências de que se trata de uma característica do vírus. Também cita o exemplo do herpes simples, um vírus que acomete a maioria da população e fica alojado no nervo trigêmeo da face. Quando o portador tem um episódio de diminuição da imunidade, o vírus reaparece, causando lesões nos lábios.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu documento em que explica mais detalhadamente por que, com base em outros tipos de coronavírus, a reinfecção pelo Sars-Cov-2 não deve ser descartada.

Qual a relação entre reinfecção e as novas variantes de Covid-19?

O pesquisador Daniel Mansur explica que quanto mais distante uma variante está do vírus inicial, mais fácil seria ela reinfectar uma pessoa. Ou seja, quanto mais o vírus evolui e se modifica, aumentam as chances de o sistema imune “enxergar” o vírus de forma diferente que na primeira infecção e não conseguir se proteger da nova variante. “No entanto, parece que, no caso das vacinas, que foram desenvolvidas para o vírus inicial, ainda se tem uma proteção adequada quanto às novas variantes, ou pelo menos que evite a doença grave”.

Diante disso, o pesquisador acredita que possa haver uma certa imunidade em quem já se infectou inicialmente frente às novas variantes. “Até o momento eu não saberia dizer se essas variantes que temos circulando seriam suficientes para justificar reinfecções, até porque eu esperaria ver muito mais reinfecções atualmente, porque temos praticamente a P1, a variante da Amazônia, circulando em todo o Brasil”, afirma. 

Segundo o Boletim Epidemiológico 59 do Ministério da Saúde, dos 11 casos de reinfecção confirmados no Brasil, cinco são de Variantes de Atenção (Variants to Concern – VOC, em inglês). A principal VOC identificada no Brasil é a P.1.

Veja na tabela abaixo onde estão localizados os casos brasileiros registrados até 14 de abril. O caso registrado no Rio Grande do Sul em 20 de abril não consta nessa tabela:

Tabela com o número de casos de reinfecção por Covid-19 no Brasil por estado  

Como a reinfecção é detectada?

Detectar uma reinfecção é algo que precisa seguir vários passos. O Ministério da Saúde (MS) emitiu uma Nota Técnica em novembro de 2020 com orientações aos serviços de saúde sobre como identificar casos de reinfecção. Segundo o documento, devem ser consideradas algumas situações antes da confirmação de casos:

  • Erros na coleta do material para testagem diagnóstica;
  • Uso de testes com baixa sensibilidade e especificidade;
  • Diferenças na resposta imunológica dos indivíduos ao vírus e uso de medicamentos que podem debilitar o sistema imunológico dos pacientes, fazendo com que uma infecção que aparentemente estivesse curada corresponda à persistência de uma mesma infecção.

São considerados pelo MS como casos suspeitos indivíduos com dois exames RT-PCR positivos em um intervalo igual ou maior a 90 dias. A partir disso, as amostras desses exames são enviadas a laboratórios de referência - Fiocruz (RJ), Instituto Adolfo Lutz (IAL/SP), Instituto Evandro Chagas (IEC/PA) ou Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) dos estados credenciados onde são realizados os testes genômicos.

“Para confirmar uma reinfecção, é preciso mostrar que o genoma que infectou a pessoa a primeira vez é diferente do genoma que a infectou a segunda vez. A chance de a gente demonstrar isso formalmente é muito difícil”, afirma Mansur. Outra forma de provar uma reinfecção é descobrir a variante da primeira infecção e, no caso de uma segunda infecção confirmada, verificar que foi de uma nova variante, ainda não existente na região em que a pessoa vive no momento da primeira infecção.

A reinfecção pode ser mais grave que a primeira infecção?

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que uma segunda reinfecção pelo Sars-Cov-2 pode ser mais grave que a primeira. Segundo os pesquisadores, uma primeira exposição à Covid-19 em casos brandos ou assintomáticos pode não produzir resposta imunológica e que a pessoa pode se reinfectar, inclusive, com a mesma variante, de forma mais grave.

De acordo com Mansur, essa possibilidade de doença mais grave ainda necessita de estudos maiores, porém, verificando o comportamento de outros tipos de vírus, tem probabilidade de acontecer. “Não seria algo improvável do ponto de vista da virologia e da imunologia, mas precisamos de mais dados para confirmar essa gravidade”, completa.

Qual a diferença entre a imunidade adquirida após a vacina e a imunidade por infecção pelo Sars-Cov-2?

A imunidade contra a Covid-19 de uma pessoa vacinada e de outra que já teve a doença é completamente diferente. Segundo Mansur, a infecção pelo vírus pode trazer diversos danos ao organismo e sua influência sobre o sistema imune é imprevisível. Já a vacina é produzida e testada para ter um efeito específico e controlado, estimulando o sistema imune sem causar danos. 

-> Saiba mais sobre imunidade natural X imunidade por vacina

Para explicar melhor, ele cita o exemplo do vírus do sarampo, para o qual existe vacina há mais de 30 anos. Descobriu-se em 2018 que o vírus do sarampo é capaz de destruir as células B, que produzem anticorpos. Ou seja, ele destrói não só as células que poderiam produzir anticorpos contra ele mesmo, como também células “fabricantes” de anticorpos para outras doenças. Assim, a pessoa acaba adquirindo uma imunodeficiência e fica vulnerável a vários tipos de infecção. “Não estou falando que isso vai acontecer com a Covid-19, mas é um exemplo de como um vírus pode manipular seu sistema imune ao ponto de a resposta a ele e a resposta à vacina serem completamente diferentes”, alerta. “A vacina não faz isso, ela só estimula o sistema imune. O vírus é um organismo replicante, que evolui, e evolui rápido, como a gente está vendo no aparecimento das variantes. Não dá para considerar ele uma coisa estática igual à vacina”, completa.

O pesquisador lembra ainda que nenhuma das vacinas disponíveis contra a Covid-19 são do tipo atenuadas, todas são ou inativadas, ou de subunidades, ou de vírus recombinantes, ou seja, elas não interagem com o organismo humano da mesma forma que o vírus. Devido à imprevisibilidade dos efeitos do vírus no organismo, é difícil afirmar precisamente quanto tempo dura a imunidade gerada por ele, pois isso depende de vários fatores, como carga viral recebida pelo indivíduo e o sistema imunológico do paciente. 

-> Saiba mais sobre o funcionamento das vacinas.

"A infecção pelo vírus pode trazer diversos danos ao organismo e sua influência sobre o sistema imune é imprevisível. Já a vacina é produzida e testada para ter um efeito específico e controlado, estimulando o sistema imune sem causar danos" Daniel Santos Mansur, biólogo, professor de Imunologia e pesquisador da UFSC

Quem já teve Covid-19 precisa continuar com as medidas de prevenção?

Sim, como ainda não há consenso sobre quanto tempo a pessoa fica imune após a doença, é preciso manter as medidas de prevenção, como o uso de máscaras, higiene das mãos e o distanciamento social. Além disso, essa é uma forma de evitar a contaminação de outras pessoas, pois, potencialmente, a pessoa pode continuar transmitindo o vírus mesmo após o fim dos sintomas.

-> Saiba a diferença entre pacientes sintomáticos, assintomáticos e pré-sintomáticos.

Aliás, é sempre bom lembrar que ainda não é hora de ninguém relaxar em relação às medidas de prevenção.

-> Já podemos relaxar as medidas de cuidado em relação ao novo coronavírus?

Quem já teve Covid-19 precisa se vacinar?

Sim, quem já teve a Covid-19 deve se vacinar. De acordo com o pesquisador Daniel Mansur, os níveis de anticorpos em quem teve Covid-19 são muito variáveis. “A gente não sabe todo o contexto em que esses anticorpos foram produzidos, a eficácia deles em neutralizar, varia muito de pessoa para pessoa, cada uma pode ser infectada de um jeito”, explica. 

Ao contrário, as vacinas são produzidas para gerar uma resposta imune específica, com o objetivo de bloquear a doença e/ou evitar a sua forma mais grave. Por isso recomenda-se que as pessoas se vacinem quando chegar a sua vez.

Veja no vídeo a explicação mais detalhada do pesquisador:

Qual a importância de mantermos a vacinação para outras doenças?

Mansur destaca a importância de se manter a vacinação em dia para outras doenças. Para ele, “movimentos antivacina são um desserviço à humanidade”. Ele fala da preocupação em haver um surto de sarampo, poliomielite ou outras doenças já controladas, e tudo isso em meio à pandemia de Covid-19, com hospitais lotados. “Para o pessoal refletir, o que é um mundo sem uma vacina para uma doença desse tipo. E essa é uma doença com 1% de letalidade, tem algumas que têm bem mais”, alerta.

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A inteligência artificial está nos deixando mais burros?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 31 out 2025 18:52 Data de Atualização: 14 nov 2025 23:22

Você já parou para pensar que a inteligência artificial (IA) tem resposta para tudo que você perguntar? Pergunte sobre o que quiser, peça para ela falar ou escrever em inglês, mandarim ou qualquer outro idioma, dê o comando para ela produzir uma imagem, criar uma planilha comparativa de preços ou escrever um texto sobre qualquer assunto. Ela fará a entrega que você precisa, rapidamente, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Tentador, não? Principalmente quando o prazo de entrega aperta. Mas como fica o nosso cérebro diante dessa facilidade de obter respostas rápidas e acertar sempre? É possível que a IA esteja nos deixando menos inteligentes cognitivamente? E emocionalmente? Vamos nos tornar seres humanos menos reflexivos, menos tolerantes à frustração? Afinal, a IA gosta de tecer elogios e acertar sempre, né!

Para quem gosta de spoiler ou está imerso intensamente num mundo de dopamina barata, já adianto: diferente da inteligência artificial, eu como jornalista e os entrevistados não têm receio de afirmar “não sei” para todas as perguntas acima. Por outro lado, as plataformas de inteligência artificial, quando questionados sobre o assunto, óbvio que tiveram uma resposta mais assertiva (spoiler: e colocaram a culpa em nós, seres humanos).

Mas, e aí, quem está na vanguarda? Quem sabe criar um bom prompt (comando) para a inteligência artificial ou quem escreve/cria sem o auxílio dela? Em tempos de Inteligência Artificial,vale a máxima da Teoria da Evolução de Charles Darwin, quando ele estudou que não vence o mais forte e nem o mais esperto, mas o mais adaptável? Em outras palavras: quem utiliza IA é mais adaptável ou é mais esperto?

O grande objetivo aqui é reunir informações, refletir, e apontar possibilidades para cada um de nós tomar decisões para a própria vida. Então, prepare-se que - mesmo em tempos de IA - vem textão por aí, com auxílio de professores do IFSC: Bárbara Sabino, de Gestão e Negócios do Câmpus Gaspar; Jesué Graciliano da Silva, de Refrigeração e Ar-Condicionado e especialista em IA do Câmpus São José; e Ivelã Pereira, de Língua Portuguesa do Câmpus Chapecó.

 


O que a inteligência artificial diz sobre ela mesma?

Perguntei a duas plataformas. Em resumo: a responsabilidade é do usuário.

O ChatGPT respondeu: “o perigo não está na inteligência das máquinas, mas na preguiça das pessoas.” Indo além: a IA pode nos deixar mais burros se houver terceirização do pensamento, mas pode nos deixar mais inteligentes se for usada como prótese de pensamento, não substituto.

O grande problema, apontado pela própria IA, ocorre quando as pessoas deixam de questionar, de aprender e de se frustrar. Neste caso, o cérebro atrofia. “O intelecto é como músculo: sem resistência, amolece. Mas com treino — inclusive com ajuda da própria IA — ele se expande.”

O Gemini respondeu: “a dependência excessiva da IA pode reduzir o pensamento crítico e julgamento, diminuir a memória ativa e o engajamento neural e ainda comprometer a criatividade. Por outro lado, ela pode liberar o tempo dos humanos para se concentrarem em tarefas mais complexas, estratégicas, criativas ou que exigem maior inteligência emocional.”

Por que (e para que) queremos economizar tempo com IA?

Este é um dos grandes pontos trazidos pelo professor do Câmpus São José do IFSC, Jesué Graciliano da Silva: “A IA está dentro de um contexto de uso excessivo de telas. Então, a IA é mais uma ‘distração’, em um momento de instantaneidade, em que as pessoas querem respostas rápidas”, reflete.

Ivelã Pereira, professora de Língua Portuguesa do Câmpus Chapecó do IFSC, iniciou a condução de um projeto de pesquisa sobre o efeito das telas na vida dos adolescentes, com a participação de três estudantes. A inspiração e curiosidade da professora Ivelã surge diante das percepções em sala de aula.

Ela explica: “Os alunos atuais estão acostumados a uma realidade imediatista e a não quererem ‘gastar tempo’ na formulação/construção de ideias, ignorando que esse processo de construir, errar, refazer por conta própria é estritamente necessário para o aprimoramento cognitivo de qualquer ser humano, sobretudo na adolescência. E isso vai além do âmbito intelectual, perpassando o psicológico também, pois é no processo de pesquisa e erro que aprendemos a lidar com nossas limitações”, reflete.

Outro ponto é a questão do imediatismo e da ansiedade. “Há 30 anos, sabíamos lidar melhor com demoras nas respostas, sem ter crises de ansiedade, as quais são comuns hoje e se devem muito ao acesso imediato a informações. Isso é algo muito interessante de se perceber: as máquinas e a IA estão nos deixando mais ansiosos e imediatistas”, afirma a professora Ivelã.


Já existem uma série de pesquisas relacionando IA e educação. Algumas muito críticas, afirmando que “o uso indevido de IAs representa uma erosão que vai além do plágio: atinge a própria capacidade de aprender que estudantes e profissionais têm” (Shaw, 2025). Outros (Abbas, Jam & Khan, 2024), destacam que estudantes com alta carga de trabalho e forte pressão de tempo tendem a usar ChatGPT para suas tarefas — mas esse uso maior está ligado à procrastinação, relatos de perda de memória e desempenho acadêmico inferior.

Surge então uma das grandes questões desta discussão: utilizamos a inteligência artificial para poupar tempo — mas por quê e para quê?

  • Queremos desempenhar tarefas mais complexas e estratégicas como seres humanos (para desenvolvermos mais a cognição)?
  • Queremos economizar tempo para desacelerar (para desenvolver a saúde mental)? 
  • Queremos utilizar a IA para termos respostas rápidas e acertar?
  • Ou queremos, com o tempo que sobra, acelerar ainda mais a vida imergindo em dopamina barata (vídeos curtos, redes sociais etc)?

Como a IA pode auxiliar no processo de ensino-aprendizagem?

A professora Bárbara Sabino, da área de Gestão e Negócios do Câmpus Gaspar do IFSC, integrou a inteligência artificial em suas aulas como ferramenta para ampliar as possibilidades de ensino-aprendizagem. “Os próprios estudantes relatam que é mais fácil estudar por meio de games, de agente de IA e outras ferramentas”, relata ela, apontando alguns exemplos:

  • Game interativo com IA para revisão do conteúdo da aula (exemplo: kahoot) e games com IA aplicados de modo individual para revisão de conteúdo para as avaliações (exemplo: Genially para revisão sobre legislação trabalhista);
  • Agente de inteligência artificial em cada conteúdo para que os alunos em casa, realizando as atividades (tarefas ou aulas EaDs), possam tirar suas dúvidas, como neste exemplo.
  • Hall de ferramentas de IA que auxilia os estudos e a realização de atividades acadêmicas como: mapas conceituais; resumos de textos e vídeos; conversar com um PDF; converter PDF; apresentações; apresentações para vídeos; tradutor; gerar a partir de sua foto qualquer uma foto profissional; entre outros.

O professor Jesué oferece um curso de extensão EaD “Letramento em IA”, pela plataforma Moodle do IFSC.  A expectativa é atender cerca de 10 mil professores estaduais de Santa Catarina em 2026 e 2027 com o curso, por meio de uma parceria entre IFSC e Governo do Estado.

“Não é para endeusar, é para mostrar como foi criada, que é um artefato humano, e como fazer bom uso da IA como professor”, afirma.

Qual o impacto para as futuras gerações?

O professor Jesué inspira um certo otimismo em relação às mudanças da cognição humana: “Considerando toda a evolução da humanidade, isso que estamos vivendo é apenas um fragmento. As mudanças no cérebro foram moldadas ao longo de um milhão de anos. Então, é muita pretensão nossa achar que uma mudança que está ocorrendo há três anos - porque é este o tempo que o grande público tem acesso a IA - pode impactar tão rapidamente em como o cérebro funciona”, afirma.

Na mesma linha segue Bárbara Sabino, da área de Gestão e Negócios do Câmpus Gaspar do IFSC, que atua como professora há 25 anos. “A calculadora nos deixou menos inteligentes? O computador nos deixou menos capazes? A Internet nos fez parar de pensar? Na minha percepção, a IA nada mais é que a nova ferramenta de produtividade, com inúmeras possibilidades, como a calculadora, o computador e a Internet o foram. É algo novo, desconhecido da grande massa, talvez, por isso, a preocupação com situações inimagináveis a pouco tempo”, afirma.

A professora Bárbara exemplifica com o registro de atividades dos trabalhadores nas empresas. Primeiro, era feito com um cartão de papel (com todo controle e cálculo da folha de pagamento manual pela equipe de Recursos Humanos); depois o registro passou a ser por meio de um cartão magnético (com processos informatizados pelo RH); após surgiu um cartão em que o funcionário registra seu ponto pelo celular ou computador de qualquer lugar, inclusive no home office; e na sequência há o reconhecimento facial (ou outro) em que o ponto pode ser registrado a partir da entrada do funcionário por qualquer um dos acessos da empresa e sem que o funcionário perceba.

A professora Ivelã reconhece que a busca por informações em IA requer um tipo específico de inteligência, que, aliás, “muitos de nós (pessoas acima de 30 anos) não desenvolvemos tão bem quanto adolescentes de hoje. Em certa medida, eu reconheço que preciso desenvolver em mim esse tipo de inteligência (de busca de informações em IA)”, admite ela.

E o professor Jesué reflete que o cérebro humano pode se adaptar devido à neuroplasticidade e isso pode ser o novo normal. “Nesse novo normal talvez as habilidades antigas não sejam mais necessárias. É tudo muito recente”, conclui.

 

Como iniciou a inteligência artificial?

As discussões sobre Inteligência Artificial iniciaram em 1950, quando o matemático Alan Turing (dica: assista o filme O Jogo da Imitação) publicou um artigo que passou a ser considerado como o marco fundador da IA. No estudo, Turing questionou: “Máquinas podem pensar?”. E o problema não era questionar se o computador poderia ser “inteligente”, mas sim se poderia se passar por um ser inteligente (SOBREIRA, 2025). 

Em 1956, o norte-americano John McCarthy cunhou “artificial intelligence”: “artificial” no sentido de artefato (do latim artificium), uma construção técnica, não biológica.

O professor e neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis critica a expressão “inteligência artificial”, afirmando que não se trata propriamente de inteligência, já que as máquinas apenas reproduzem e reorganizam dados produzidos por seres humanos (veja aqui).

Mesmo a discussão tendo iniciado há cerca de 70 anos, a IA ficou acessível ao grande público apenas há cerca de três anos, quando plataformas como ChatGPT e Gemini ficaram disponíveis. Ou seja: “as pesquisas ainda são incipientes, é tudo muito recente, estamos no meio e não no final desse processo de descoberta”, reflete o professor Jesué.

O que é ser inteligente?

Até 40 anos atrás, ser inteligente significava ter um Quociente de Inteligência (QI) alto. O QI foi uma medida criada - pelo psicólogo francês Alfred Binet, em 1905 - para tentar quantificar a capacidade intelectual de uma pessoa, especialmente em termos de raciocínio lógico, memória, compreensão verbal e habilidade matemática. 

Nos anos 1980, no Brasil, Luiz Machado discutiu a integração cognição–emoção em aprendizagem (O cérebro do cérebro, 1984), defendendo que bases emocionais influenciam o desempenho intelectual. Machado disse que a inteligência depende das bases emocionais do ser humano. Ou seja, quanto melhor eu estou emocionalmente, mais inteligente eu fico. 

Essa relação ganhou projeção internacional com conceitos de “inteligência múltipla” (Howard Gardner, 1980), em que o cérebro humano é diversamente talentoso, ou seja, há muitos modos de ser inteligente; e com o conceito de inteligência emocional (Daniel Goleman, 1990), em que emoções e relacionamentos são parte fundamental da cognição, a partir de pesquisas de Peter Salovey e John Mayer.

No programa “Conversa com Bial”, de 29 de outubro de 2025, ao debater sobre IA, o linguista e professor aposentado de Língua Portuguesa (UFPR), Carlos Faraco, e o jornalista e escritor de “Escrever é humano” (2025), Sérgio Rodrigues, afirmam: “A poção mágica é a leitura”, fazendo uma referência aos quadrinhos de Asterix (1959), no qual uma aldeia de Gália, no ano 50 antes de Cristo, resiste à invasão romana com auxílio de uma poção mágica que dá força sobre-humana a quem a bebe. Na interpretação atual, Panoramix (que prepara a poção) representa o saber e a poção é a linguagem criativa e libertadora.

O professor Jesué também reflete nesta linha: “Para assimilar, é preciso ver, ouvir e explicar. Com seis cliques, a rede social traça o seu perfil e te insere em uma ‘bolha’. Ou seja, não consigo mais enxergar nada além da minha bolha. Vamos criando muros intransponíveis, mas se a gente conversar mais, perceberemos que nem eu estou tão correto e nem meu amigo está tão errado”, reflete.

Afinal, estamos ficando mais burros?

Depende de uma série de fatores:

  • De como cada um utiliza a Inteligência Artificial;
  • De como cada um utiliza o tempo economizado com as tarefas que a IA realiza;
  • As pesquisas ainda são bastante incipientes (em razão do pouco tempo de uso da IA pelo grande público);
  • A IA está embutida em um contexto de instantaneidade e imediatismo, em razão das redes sociais e vídeos curtos;
  • O cérebro humano pode se adaptar e isso pode ser o novo normal.

“Precisamos ter autocontrole, ética, usar com inteligência, precisamos questionar a resposta, forçar o cérebro a criar um raciocínio, ter uma expectativa da resposta para conseguir questionar, comparar uma resposta de uma IA com a outra”, sugere o professor Jesué.

Um dos maiores físicos de todos os tempos, Stephen Hawking (1942-2018), acreditava que a inteligência artificial (IA) poderia se tornar a maior bênção ou a maior ameaça para a humanidade. Ele afirmou, em um discurso feito em 2016, que os avanços da IA trariam benefícios em áreas como medicina, educação e exploração espacial, mas alertava para o risco de perda de controle.

Uma série de filmes ecoam esta perda de controle por parte da IA, como Blade Runner (1982, Ridley Scott), Matrix (1999, Wachowski), Her (2013, Spike Jonze), O Exterminador do Futuro (1984–2019).

E, em todos eles, a pergunta permanece: será possível em algum momento desligar a tomada da inteligência artificial?

 

 

Referências

Livros

  • “Rápido e Devagar”, Daniel kahneman (2012)
  • Inteligência Artificial, Kai-Fu Lee (2019)
  • Superinteligência: perigos, caminhos e estratégias para um novo mundo, Nick Bostrom (2018)
  • O cérebro do cérebro (Luiz Machado, 1997)
  • Geração Ansiosa (Jonathan Haidt, 2024)
  • Inteligência emocional: A teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente (Daniel Goleman, 1997)

Filmes:

  • Blade Runner - O caçador de Androides (1982)
  • O Jogo da Imitação (2014)
  • Matrix (1999)
  • Her (2013)
  • O Exterminador do Futuro (1984)

Entrevistas:

Artigos científicos

Reportagens e outros:

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As mudanças do clima vão alterar a forma como Santa Catarina produz frutas?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 set 2025 11:00 Data de Atualização: 01 out 2025 10:39

As mudanças climáticas já não são mais uma projeção distante, mas uma realidade que molda o presente da agricultura. No Brasil, seus impactos estão cada vez mais visíveis. O verão de 2025 foi marcado por fortes instabilidades: chuvas excessivas no Centro-Oeste e Sudeste, estiagens prolongadas no Sul e ondas de calor fora do padrão em diversos estados. No ano anterior, o país enfrentou a pior seca em 70 anos e recordes de queimadas na Amazônia e no Cerrado, enquanto o Rio Grande do Sul sofreu com chuvas extremas e enchentes que resultaram no maior desastre socioambiental da história do estado. Esses fenômenos tornaram-se mais frequentes, duradouros e intensos, representando uma grave ameaça à agricultura global. 

Santa Catarina também tem testemunhado alterações significativas no clima, com aumento gradual das temperaturas médias anuais, mudanças nos padrões de precipitação e maior ocorrência de eventos extremos. O estado, reconhecido pela diversidade agrícola e, em especial, pela fruticultura, vivencia desafios que afetam a produtividade, a qualidade dos frutos e a segurança alimentar. Cultivos como maçã, uva, banana e pêssego já evidenciam as consequências dessas variações climáticas. Esse cenário exige respostas rápidas e estratégicas de produtores, governo e instituições de pesquisa para garantir a resiliência do setor.

O regime de chuvas na região passou a ser mais imprevisível, alternando longos períodos de estiagem com episódios de precipitações intensas. Nos últimos 30 anos, a incidência de chuvas extremas em Santa Catarina cresceu cerca de 20%, segundo dados do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia (Ciram) da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Estado (Epagri). Segundo especialistas, manifestações como El Niño e La Niña têm intensificado essas oscilações, provocando excesso de chuvas no Sul e secas prolongadas na região central do Brasil.

Esta edição do IFSC Verifica analisa de que forma os eventos climáticos estão transformando a produção de frutas no estado. Para isso, consultamos quatro especialistas: 

Adinor José Capellesso, professor do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC, na área de produção vegetal agroecológica;
Bruno Dalazen Machado, professor do Câmpus Lages do IFSC, na área de manejo e fisiologia de plantas; 
Luiz Antonio Palladini, pesquisador e coordenador do programa de fruticultura da Epagri; e
Michel Nobre Muza, professor do Câmpus Florianópolis do IFSC, na área de meteorologia.

Quais fenômenos meteorológicos afetam mais a fruticultura catarinense?

Conforme explica Bruno Machado, a fruticultura pode ser classificada em três tipos, de acordo com as condições de cultivo: de clima tropical (regiões mais quentes), de clima temperado (regiões frias) e de clima subtropical (intermediário entre ambas). "Desta forma, eventos climáticos extremos podem ter impactos severos na produção de frutas no estado, independentemente do tipo de clima, especialmente porque muitas dessas culturas dependem de condições climáticas específicas para florescer, frutificar e amadurecer adequadamente", observa.

Um dos pontos críticos apontados por Machado é a insuficiência das horas de frio. Nas regiões subtropicais e temperadas, a chegada do outono dá início a um processo essencial para a fruticultura: a dormência. É nessa fase, que vai de maio a setembro, que espécies como maçã, pêssego, uva e ameixa se preparam para enfrentar as baixas temperaturas e começar um novo ciclo produtivo.

Após a colheita, com a queda gradual das temperaturas, da luminosidade diária e da pluviosidade, as plantas passam a adotar mecanismos de adaptação. As folhas caem, e a fruteira entra em repouso vegetativo. Durante esse período, acumula as chamadas "horas de frio" – temperaturas abaixo de 7,2ºC – e "unidades de frio", que determinam a qualidade desse resfriamento. Esse acúmulo é fundamental para que, ao fim do inverno, a planta desperte da dormência, volte a brotar e inicie uma nova safra. Cada espécie ou cultivar tem sua exigência específica de frio. Uma vez satisfeita essa necessidade, o aumento das temperaturas atua como gatilho para a brotação. É um delicado equilíbrio regulado por hormônios vegetais e pelas próprias condições ambientais.

O problema, porém, não se limita a temperatura. A agricultura, em geral, depende diretamente de outros fatores, como regime de chuvas, radiação solar e umidade do solo. Para Michel Muza, as inundações bruscas ou graduais, desencadeadas por chuvas persistentes e intensas, estão entre os fenômenos mais recorrentes em Santa Catarina e podem causar danos significativos para a população e para as atividades produtivas, incluindo a fruticultura. "No contexto de eventos de chuva excessiva ou estiagem – isto é, nos extremos climáticos – os estágios de crescimento são comprometidos, reduzindo a produtividade dos cultivos, sobretudo daqueles mais sensíveis e importantes para a segurança alimentar e a produção local e regional", afirma.  

De acordo com o professor, o aquecimento global tende a potencializar fenômenos já característicos da região, como ciclones extratropicais, frentes frias e tempestades convectivas – estas últimas associadas a trovões, relâmpagos, chuva forte, granizo, ventos fortes e mudanças bruscas de temperatura. Além disso, os períodos de estiagem devem ser tornar mais frequentes e prolongados. 

Para Adinor Capellesso, a fruticultura é uma das atividades mais susceptíveis às oscilações ambientais. Ele observa que as árvores, originalmente espécies de floresta, ficam mais vulneráveis quando plantadas em monocultivos. “À medida que aumentarem a frequência e a intensidade dos eventos climáticos, será ainda mais necessário adotar técnicas de mitigação como quebra-ventos, telas antigranizo e coberturas plásticas”, alerta Capellesso. Sem esses recursos, frustrações de safra recorrentes podem inviabilizar economicamente a atividade.

O futuro da fruticultura em Santa Catarina pode demandar uma reconfiguração profunda. Capellesso destaca que o aumento médio de temperatura entre 1,5°C e 2°C até o fim do século poderá comprometer cultivares de clima temperado, requerendo o uso de técnicas de quebra de dormência ou a substituição por variedades menos exigentes. “Algumas espécies podem se tornar inviáveis, mas, por outro lado, é possível que se abra espaço para cultivos de espécies tropicais ou intermediárias, dependendo das condições locais. No entanto, ainda há muitas incertezas: existem vários cenários traçados, otimistas e pessimistas, e dependeremos de qual deles irá se confirmar”, ressalta.

Por que maçãs, bananas e uvas estão entre as mais prejudicadas?

Santa Catarina é o maior produtor de maçã do Brasil. Entretanto, a safra 2023/2024 registrou o menor volume em 10 anos: 423 mil toneladas, uma queda de 24% em relação à anterior. O principal motivo foi o excesso de chuvas durante a floração, no segundo semestre de 2023, que diminuiu a produtividade e favoreceu problemas fitossanitários. A cultivar Gala – que junto com a Fuji responde por cerca de 98% da produção catarinense – teve uma redução de 27,35% na produtividade. 

Embora as condições tenham melhorado neste ano, historicamente a cultura da maçã enfrenta secas severas, chuvas em excesso ou frio intenso. O aumento das temperaturas tem levado a menor incidência de sarna, doença típica de clima frio, mas estimulou a disseminação da entomosporiose, associada a ambientes mais quentes e já presente em altitudes antes livres de pragas. Outro desafio é a necessidade de cerca de 700 horas de frio por ano para o bom desenvolvimento da fruta. Em regiões produtoras como Caçador, contudo, esse número tem ficado em pouco mais de 500 horas, obrigando o uso de indutores de brotação, que prejudicam a qualidade do fruto.

Por sua vez, a baninicultura catarinense ocupa hoje a terceira posição no ranking nacional. Apesar da relevância, a cultura é altamente sensível a extremos climáticos como temporais, estiagens e vendavais. Temperaturas acima de 35°C podem causar queimaduras nas folhas, maturação precoce e menor qualidade comercial dos frutos. Tanto o calor excessivo quanto as chuvas intensas contribuem para o aparecimento da sigatoka, doença que ataca as folhas, enfraquece a planta e pode até levar ao tombamento do tronco. 

No cenário global, a banana – fruta mais consumida no mundo – está sob séria ameaça. Um estudo da ONG Christian Aid indica que até dois terços das áreas de cultivo na América Latina e Caribe podem se tornar inaptas até 2080 devido ao aumento das temperaturas, das condições extremas e da disseminação de pragas, como o fungo preto, especialmente em climas úmidos.

A viticultura também é fortemente afetada pelas variações no regime de chuvas, pois tanto a escassez quanto o excesso alteram o padrão das uvas e comprometem sua aceitação em mercados internacionais que exigem alta qualidade. Em Santa Catarina, a expectativa é de redução na produtividade. Uma pesquisa da Epagri aponta que, até 2050-2070, áreas potenciais para variedades que demandam mais horas de frio para brotação poderão encolher entre 70% e 89%.

Outras frutas igualmente sofrem os efeitos do clima. Segundo Machado, a produtividade do pêssego na safra de 2024 foi significativamente reduzida, podendo chegar a uma diminuição de 60% em relação à média normal de 15 toneladas por hectare no Sul do estado. Essa redução pode ser atribuída a fatores climáticos, como a falta de frio, que afeta a floração e a frutificação da cultura. Em 2023, produtores de pêssegos no Meio-Oeste catarinense também já haviam registrado perdas de até 50% na colheita, resultado do grande volume de chuva e da ocorrência de granizo.

Para Luiz Palladini, as variações climáticas exercem papel decisivo na dinâmica das lavouras, criando condições que possibilitam o surgimento e a proliferação de pragas e doenças. “A natureza é muito sábia, e com qualquer adversidade para a cultura cria-se facilidade para a ocorrência das pragas e doenças. Isso ocorre, principalmente, quando o clima foge do normal”, afirma.

Ele acrescente que situações de instabilidade ambiental têm estimulado o aparecimento de novas ocorrências no campo. Para minimizar os danos, o monitoramento constante é essencial, pois permite intervenções rápidas que impedem a instalação de organismos nocivos. “Em condições adversas, determinadas pragas podem se estabelecer e ganhar força, aumentando significativamente sua incidência em comparação a anos anteriores. Em alguns casos, ocorre o predomínio de determinados fungos ou insetos que encontram ambiente propício para se multiplicar em larga escala”, conclui.

Que impactos recaem sobre produtores e consumidores?

As mudanças climáticas afetam não apenas a produtividade, mas também a economia dos agricultores e os preços dos alimentos. A queda na qualidade e no volume colhido diminui a receita das propriedades, enquanto eventos severos geram prejuízos diretos às safras. A instabilidade da oferta provoca flutuações nos preços, com altas decorrentes da escassez, impactando o consumidor e a segurança alimentar global. Um estudo publicado em 2024 na revista Nature, por exemplo, estimou que o calor poderá elevar os preços dos alimentos em até 3,23% ao ano até 2035.

Os custos operacionais também crescem, impulsionados pela necessidade de reparar infraestruturas danificadas, investir em insumos mais caros – como sementes resistentes e pesticidas – e até oferecer salários maiores, uma vez que as condições de trabalho se tornam mais difíceis. Problemas logísticos, como estradas danificadas por enchentes, aumentam as despesas com transporte e distribuição. A longo prazo, a instabilidade climática pode reduzir as áreas cultiváveis e atravancar a vocação agrícola de regiões inteiras, forçando a realocação de cultivos e ocasionando incertezas quanto à adaptação das plantas a novos ambientes.

No aspecto social, Adinor Capellesso chama a atenção para a vulnerabilidade dos pequenos agricultores, que costumam estar mais expostos aos eventos extremos devido à menor capacidade de investimento. Em muitos casos, quando uma intempérie atinge a lavoura, atinge toda a produção e, como resultado, coloca em risco a sobrevivência da propriedade.

“Você perde toda a safra, a renda oscila, e isso pode inviabilizar a continuidade da propriedade. Não consegue manter a produção. Então, acredito que a frequência maior destes tipos de evento, quando o agricultor não consegue se proteger ou quando eles ultrapassam a capacidade de proteção existente, vai ocasionar grandes danos aos sistemas de produção e, consequentemente, à vida das famílias”, pontua Capellesso.

Sobre políticas de apoio, o professor ressalta que cada fenômeno climático pede uma resposta específica: irrigação para enfrentar secas, medidas ativas contra geadas, telas antigranizo para proteger pomares e escolha de áreas mais seguras contra enchentes. No entanto, adverte para os limites dessas soluções. “No caso da escassez hídrica, se não houver disponibilidade de água, nenhuma técnica será suficiente”, observa.

Diante disso, Capellesso destaca a importância de políticas públicas que apoiem os agricultores na adoção de tecnologias de proteção, irrigação e manejo adaptado. Ele defende a ampliação do crédito rural associado ao seguro agrícola obrigatório – que atualmente não cobre o setor de fruticultura – para mitigar riscos financeiros diante de perdas totais causadas por episódios extremos. 

“Quando o banco concede um financiamento, precisa de garantias. Se a ocorrência desses eventos aumentar, talvez se torne mais inseguro produzir. Isso pode gerar uma série de incertezas e dificultar a operação da política de crédito. Teremos que pensar em ajustes que permitam vincular o seguro à política de crédito. Porém, isso tende a encarecer os financiamentos para o agricultor”, prevê.

Quais estratégias podem reduzir os riscos no campo?

Neste cenário desafiador, a busca por estratégias de adaptação e mitigação é urgente. Conforme ressalta Machado, “para se preparar para o futuro, é fundamental que se adotem estratégias que aumentem a resiliência dos sistemas produtivos, combinando práticas agroecológicas, manejo sustentável, tecnologia e gestão de risco”. Por isso, produtores, pesquisadores e governos em Santa Catarina e no Brasil têm investido em soluções e alternativas voltadas a um desenvolvimento sustentável em meio a um ambiente de incertezas.

• Melhoramento genético e cultivares resilientes: o desenvolvimento de variedades mais resistentes ao calor, à seca e a doenças é uma das medidas mais eficazes. No caso da maçã, por exemplo, a Epagri trabalha na criação de cultivares tolerantes à sarna e à mancha de Glomerella (também chamada de mancha foliar da Gala), reduzindo a necessidade de tratamentos químicos. “O melhoramento tem realizado inserções e tem obtido sucesso em várias variedades”, explica Luiz Palladini. Ele lembra, entretanto, que a resistência a determinados fungos pode favorecer a incidência de outros, antes considerados secundários.

Palladini reforça que a pesquisa e a inovação são essenciais para a sustentabilidade da fruticultura catarinense: “É necessário investir continuamente em pesquisa para desenvolver cultivares adaptadas às nossas regiões e ao nosso clima, resistentes às principais pragas e doenças das culturas — pêssego, banana, maçã, uva, todas elas. E precisamos sempre inovar: melhorar nos sistemas de produção, no controle fitossanitário e, principalmente, no desenvolvimento das cultivares adaptadas ao nosso clima”. 

• Manejo do solo e uso eficiente da água: práticas de agricultura de conservação, como a cobertura vegetal, rotação de culturas e o plantio direto, são fundamentais para reduzir a erosão, melhorar a retenção de umidade e aumentar o teor de matéria orgânica no solo. O manejo eficiente da água inclui investimentos em irrigação de alta eficiência (gotejamento, pivôs centrais e sensores de umidade) e técnicas de captação da chuva.

Além disso, salienta Machado, um solo bem nutrido – com boa estrutura e alta atividade biológica – funciona como um "amortecedor natural" contra extremos climáticos: em períodos de seca, garante maior reserva de água e raízes profundas; e, em situações de chuvas intensas, favorece rápida infiltração e drenagem, evitando encharcamento. "Investir em fertilidade e manejo adequado do solo é tão importante quanto sistemas de irrigação ou drenagem, pois cria uma base sustentável para a resiliência dos pomares a longo prazo", destaca.

• Adoção de tecnologias agrícolas e agricultura digital: A agricultura de precisão utiliza sensores, drones e outras ferramentas para monitorar e gerenciar culturas de forma mais eficaz. Sistemas de previsão climática e de alerta precoce permitem que os agricultores se preparem para eventos extremos. Já inteligência artificial e big data ajudam a analisar grandes volumes de dados, prever fenômenos climáticos e otimizar o uso de defensivos.

Neste contexto, o professor Michel Muza enfatiza a importância de incorporar previsões meteorológicas ao planejamento agrícola. No curto prazo, a previsão diária é essencial para o manejo das fases de plantio, desenvolvimento e colheita. Já os prognósticos mensais e sazonais – vitais para a preparação de médio e longo prazo – podem orientar estratégias para cada safra e para culturas perenes.

Ele lembra que esses modelos já estão disponíveis e são utilizados por instituições de meteorologia no Brasil. “Os dados e informações climáticas recorrentemente disponibilizados por centros e instituições de meteorologia no país são os mesmos praticados (e compartilhados) no mundo todo. São modelos climáticos globais, dinâmicos (físico-matemáticos) e estatísticos, que produzem diagnósticos para as diferentes regiões e países”.

• Coberturas de proteção: em Santa Catarina, o uso de telas em pomares e parreirais tem se mostrado uma estratégia eficaz contra o granizo. Palladini relata que, até cinco anos atrás, produtores sofriam muitos prejuízos com este tipo de evento, mas as coberturas mudaram o cenário. “É uma tecnologia acessível, que tem tido sucesso e tem oferecido uma segurança para o agricultor, garantindo produção de qualidade e em quantidade para quem a utiliza”, conta.

• Diversificação de culturas e Sistemas Agroflorestais (SAFs): a diversificação, introduzindo variedades mais resistentes a condições adversas, e a integração de atividades como a pecuária e a piscicultura ampliam a resiliência econômica. Os SAFs, ao combinar árvores com culturas agrícolas ou pecuária, proporcionam proteção contra ventos fortes e altas temperaturas, melhoram a qualidade do solo e atraem polinizadores e inimigos naturais de pragas, promovendo o equilíbrio ecológico.

Produzir frutas em consórcio com outras espécies pode atenuar os impactos de eventos menos intensos, além de diminuir riscos em sistemas de menor investimento, explica Capellesso. Ainda assim, ele reconhece que esses modelos “são intensivos em mão de obra, o que representa um gargalo para sua expansão”. Embora os sistemas agroflorestais tenham maior resiliência diante de variações moderadas, o docente avalia que eles ainda não dão conta de superar situações extremas como secas prolongadas ou granizos intensos. 


• Desenvolvimento territorial sustentável: em vez de focar apenas nas lavouras, essa abordagem integra a gestão de paisagens, a diversificação produtiva e a cooperação entre comunidades, pesquisadores e governos. A revitalização de ecossistemas, o uso de práticas adaptáveis e o fortalecimento de infraestruturas podem valorizar a produção local, associando-a a turismo e identidade regional — como já ocorre com o enoturismo na Serra Catarinense.

“No caso do vinho, por exemplo, as pessoas vão para conhecer o território, vivenciar um momento e aí consomem o produto do local. Se não fosse com a valorização associada ao turismo, talvez fosse inviável competir com vinhos de outras regiões que são mais favoráveis. Vejo que a articulação de aspectos econômicos, sociais e ambientais da região produtora pode, sim, criar condições para valorizar e dar preferência a esses produtos”, explica Capellesso. 

Ele ressalta, no entanto, que o modelo não se aplica igualmente a todas as cadeias, como a da maçã, que envolve grandes volumes de produção. “Depende muito do contexto de cada local e dos atores saberem trabalhar isso – mercado, reputação e articulação com os consumidores. O desenvolvimento territorial sustentável valoriza produtos, mas essa valorização depende do interesse e da disposição dos consumidores em pagar por eles”, frisa. 

“Se a pressão climática e as adversidades se intensificarem, isso pode comprometer sistemas baseados nesse modelo, e teremos que pensar em medidas para sustentar essas produções. Caso contrário, vamos nos tornar dependentes de regiões menos impactadas”, completa.

As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios para a produção de frutas em Santa Catarina. A adoção de boas práticas agrícolas, o investimento contínuo em tecnologias inovadoras e a implementação de políticas públicas eficazes são pilares para um futuro mais resiliente. O setor dependerá da capacidade de antecipar, adaptar e gerenciar riscos de forma inteligente. 

A colaboração entre governos, agricultores, empresas e a sociedade civil será essencial para consolidar essas soluções e garantir a sustentabilidade a longo prazo. Afinal, a agricultura, como um sistema complexo, deve se adaptar continuamente – como um rio que, diante de obstáculos, encontra novos caminhos para seguir. 

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É possível prever o futuro?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 fev 2024 16:52 Data de Atualização: 08 set 2025 10:04

Como será o mundo daqui a 10, 20 ou 50 anos? Onde estaremos em uma ou duas décadas? A tentativa de obter respostas para prever o futuro aguça a curiosidade humana há bastante tempo. É só lembrar dos profetas, oráculos, feiticeiros, ciganos, cartomantes e tantas outras iniciativas ao longo dos milênios e que percorrem a história da humanidade até os dias atuais.

Os esforços de previsão também conquistaram as telas. Desenhos clássicos como Os Jetsons (1962 e 1985) mostraram esteiras rolantes, relógios inteligentes, robôs fazendo faxina, e que iríamos nos locomover em veículos voadores. Esta última previsão foi parecida na trilogia De volta para o futuro (1985, 1989 e 1990), mas pelo menos até agora não se popularizou um carro voador. Por outro lado, os filmes conseguiram prever que o futuro teria imagens em 3D, drones e roupas inteligentes.



Cena com imagem de tubarão em 3D no filme De volta para o futuro (1985)

Como a ciência estuda o futuro?

Ao migrar das vertentes que tentam prever o futuro por meio da adivinhação, do divino, do imaginário popular, e ao adentrar na ciência, o tema também conquistou seu espaço como área do conhecimento. No período pós-guerra, os estudos do futuro adentraram em instituições militares, de ensino e empresas, e foram motivo para a união de esforços pelo mundo, por meio da criação de inúmeras organizações, entre elas Federação Mundial de Estudos do Futuro (WFSF World Futures Studies Federation), Fundação de Estudos de Aceleração (Acceleration Studies Foundation) e Conselho Consultivo Global de Foresight (Global Foresight Advisor Council). Saiba mais sobre a história ao final do texto.

Os termos “foresight” ou “future studies” (em inglês) são os mais conhecidos mundialmente. Aqui no Brasil, também se utiliza “estudos do futuro”, “futurismo” - este último nada tem a ver com o movimento artístico italiano do início do século XX -, e ainda são encontrados expressões como “prospecção” e “prospectiva”.

“Foresight é uma ciência transdisciplinar que procura antecipar, criar, gerenciar mudanças em uma variedade de domínios (científico, tecnológico, ambiental, político e societal), em diferentes escalas, usando uma variedade de especialidades, teorias e métodos.” Acceleration Studies Foundation

As teorias e métodos dos estudos do futuro são utilizados por “futuristas” de diversos níveis (praticante, influenciador, professor e conselheiro), a depender dos estudos de cada um. Aqui no Brasil são mais comuns certificações em futurismo/foresight. Lá fora, a Universidade de Houston, nos Estados Unidos, é uma das pioneiras em ensinar sobre o tema e oferece até um Mestrado de "Ciência em Foresight" (Science in Foresight).

Com pós-doutorado em Inovação e Tecnologia, Graciela Pelegrini, professora do Câmpus Chapecó do IFSC, finalizou recentemente uma certificação em “foresight” e resume o que é o futurismo:

“O futurismo provisiona o futuro através de uma metodologia. Existem estudiosos se dedicando muito para isso, que desenvolveram métodos que utilizam o cenário atual e através deste método provisionam como será o futuro, daqui a pelo menos 10 anos. Recentemente a ONU e outras instituições começaram a analisar, a tentar ‘prever’ o futuro", afirma. Assista a mais detalhes no vídeo: 

Por que estudar o futurismo?

A Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco) enxerga como essencial o que chama de “Futures Literacy” (Alfabetização em Futuros - tradução livre), destacando que “a alfabetização em futuros ajuda as pessoas a entender por que e como usamos o futuro para preparar, planejar e interagir com a complexidade e a novidade de nossas sociedades”.

Mas, por que, tem se falado mais sobre futurismo ou foresight? A professora Graciela Pelegrini explica que três pontos respondem a esta pergunta:

  • a maior expectativa de vida das pessoas;
  • a hiperconectividade;
  • a competitividade.

Alguns estudos, segundo Graciela, já mostram que as pessoas que vão viver 130 anos já nasceram e estão entre nós. “Como as pessoas estão vivendo mais, surge esse interesse de prever, ou melhor, de criar o futuro que elas desejam”.

Outro ponto importante é a hiperconectividade, já que atualmente o que ocorre em qualquer lugar do mundo tem importância para nós aqui no Brasil. Além disso, a hiperconectividade também acelerou muito as pessoas, e aumentou a concorrência e a competitividade das empresas. “Cada vez mais as empresas querem sair na frente, então nada melhor do que um método que consiga ‘prever’ o que vai acontecer lá na frente”, destaca Graciela.

Essa necessidade faz com que diversas empresas contratem futuristas, entre elas a startup de dados DrumWave que destinou uma cadeira para este profissional em seu conselho consultivo, e inúmeras outras brasileiras ou com filial no Brasil, como John Deere, Coca-Cola, Tokio Marine Seguradora, bancos privados etc.

“O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quando o destino” - Antoine de Saint-Exupéry – 1900 - 1944
 

Os tipos de futuro

Estudos de futuro não devem fingir prever o futuro, ou não deveriam, mas sim estudar ideias sobre o futuro, segundo o futurista norte-americano Jim Dator. Sendo assim, nos últimos cinquenta anos, os estudos do futuro mudaram de “prever o futuro para mapear futuros alternativos e moldar futuros desejados”, resume o futurista paquistanês-australiano Sohail Inayatullah.

Essas mudanças ao longo dos anos foram essenciais para a abordagem de “futuros plurais”. A metodologia aborda quatro principais futuros, resumidos pela futurista Graciela Pelegrini:

  • futuro provável: é provável que já está em andamento, interferindo ou não, ele vai acontecer;
  • futuro possível: pode ocorrer de forma repentina, ninguém estava esperando que ele viria e você terá que lidar;
  • futuro plausível: acreditamos ser possível, mas improvável - digno de aplausos, “foram felizes para sempre”, acabou a desigualdade no mundo;
  • futuro preferível: o que gostaríamos que acontecesse - percebe-se que vai acontecer, e a gente consegue tomar ações para moldar.

Como o futurista prospecta os futuros?

O futurista é um profissional que não trabalha sozinho, precisa estar alinhado com a equipe da universidade, da empresa, do espaço em que ele está prospectando e utilizar uma metodologia. “Nada acontece do nada. Tudo que da noite do dia se transforma, vem dando sinais ao longo dos anos”, destaca a professora Graciela, ao explicar algumas etapas utilizadas na prospecção do futuro:

  • Definir pergunta norteadora, cenário, espaço temporal
  • Captar sinais (notícias, fatos, informações atuais que podem impactar o futuro)
  • Análise de como cada “sinal” (notícia) irá impactar o espaço estudado
  • Qual a oportunidade que este sinal oferece
  • Criar possíveis cenários (são quatro possíveis: crescimento, disciplina, colapso e transformacional)
  • Planejamento, ações para aplicar o cenário transformacional

Confira no vídeo um exemplo de aplicação da metodologia acima:

Um pouco da história

Oficialmente, a ciência apoderou-se dos estudos do futuro há pelo menos 70 anos, quando foi fundada a Rand Corporation com o foco de estudar os caminhos do mundo, no pós-guerra, para as Forças Armadas dos Estados Unidos. Desta organização saiu o futurista germano-americano Olaf Helmer (1926-2011), que, em 1968, foi o cofundador do reconhecido Instituto para o Futuro (Institute for the Future).

Pouco depois, em 1973, surge a Federação Mundial de Estudos do Futuro (WFSF World Futures Studies Federation), que reúne estudos de mais de 60 países, e tornou-se parceira consultiva da Organização das Nações Unidas para a Educação (ONU e Unesco). Destaca-se também a Fundação de Estudos de Aceleração (Acceleration Studies Foundation), responsável por auxiliar comunidades, empresas e indivíduos a “melhorar a sua capacidade de previsão no que diz respeito à força mais poderosa do planeta hoje - a aceleração da mudança tecnológica”.

Instituições de ensino também se tornaram referência no tema, entre elas a Universidade de Houston (EUA); o Centro de Estudos do Futuro da Finlândia (Finland Futures Research Centre), dentro da Universidade de Turku; a Universidade de Tamkang, e o Metafuture, na Ásia, trabalham com robustas metodologias e estudos avançados em formato acadêmico.

Para validar os profissionais que tem estudado "foresight", foi criado o Conselho Consultivo Global de Foresight (Global Foresight Advisor Council). Os requisitos para a certificação são horas de estudo comprovadas e estudo continuado, trabalhos aprovados, com aplicação de provas para os diferentes níveis de graduação: praticante, influenciador, professor e conselheiro.

Cabe citar que o francês Bertrand de Jouvenel (1903-1987) é considerado um dos pais da disciplina no âmbito da ciência. O norte-americano Jim Dator (1933-), e o paquistanês-australiano Sohail Inayatullah (1958-), entre tantos outros, também ajudaram a popularizar os estudos nos dias atuais. Aqui no Brasil, as futuristas Rosa Alegria e Jaqueline Weigel são dois exemplos de quem têm difundido os “estudos do futuro”.

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Estamos próximos de uma nova guerra mundial?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 ago 2025 06:53 Data de Atualização: 05 set 2025 16:05

Há 80 anos terminava a Segunda Guerra Mundial - oficialmente no dia 2 de setembro de 1945. Ao longo das décadas seguintes esperou-se que a diplomacia entre os países superasse os conflitos militares. Mas 2025 revela que a situação no mundo é dramática, com muitas guerras e conflitos armados ocorrendo neste momento, com milhares de mortos, refugiados, comunidades destruídas e culturas sendo dizimadas.

Instituições internacionais e especialistas em História e Geopolítica alertam para uma escalada dos conflitos nos últimos anos. Diante disso vem a preocupação: “Estamos próximos de uma nova guerra mundial?”

Para responder a essa pergunta, trazer um panorama das guerras e falar sobre o risco de ataques nucleares, conversamos com:

Paulo Henrique de Amorim, professor de Geografia do Câmpus São José do IFSC, Viegas Fernandes da Costa, professor de História do Câmpus Florianópolis do IFSC, Daiane Cristini Barbosa de Souza, professora da área de Radiologia do Câmpus Florianópolis do IFSC e Sidnei José Munhoz, professor do Programa de Pós-graduação em História da UFSC

Antes de respondermos à pergunta deste post, o professor Viegas traz o questionamento:

O que define uma guerra mundial?

Por trás das tragédias da fome, da violência e da destruição de uma guerra é uma disputa por territórios. Essa é uma questão fundamental para definir o que é uma guerra: um Estado invadindo outro. Os interesses nestes territórios são diversos, desde a ganância por minerais ou o controle de recursos naturais até questões religiosas e minorias, como a divisão de povos com a demarcação artificial de fronteiras. 

 

Mas o que leva uma guerra para se tornar mundial? O professor Paulo traz uma referência do que conhecemos como guerras mundiais, que foram disputas territoriais entre as principais potências do momento e que aconteceram simultaneamente em diferentes “teatros de guerras”. "Na Segunda Guerra Mundial havia conflitos acontecendo na Europa, na África, na Ásia, os Estados Unidos lutando também nessa frente asiática. Além disso, estes conflitos relacionados, têm um interesse comum." 

Com base nestes critérios, narradas duas guerras mundiais - a primeira, de 1914 a 1918, e a segunda, de 1939 a 1945. O professor Viegas destacou que elas só foram chamadas de guerras mundiais depois que aconteceram, ou seja, não são definidas como mundiais durante o processo e dependentes também de quem está contando a história.

Nesse sentido, ele questionou: "O que foi a ocupação dos continentes americano, asiático e africano pelos europeus? Foi a destruição de toda uma humanidade. Então, o que define uma guerra mundial? Me parece que o centro dessa discussão é: esta guerra envolve uma população branca de origens europeias? Então se envolve a Europa, se envolve os Estados Unidos então temos uma guerra mundial, caso contrário, não.">

Ele traz outro exemplo recentemente lembrado: a invasão do Congo pela Bélgica no final do século 19. "Foram assassinados 10 milhões de seres humanos. Isso oficialmente e desconsiderando todos aqueles que foram mutilados. Isso é muito mais do que os números oficiais do genocídio perpetrado pelo governo alemão contra judeus, homossexuais e outras minorias durante a Segunda Guerra Mundial.">

Onde estão ocorrendo guerras hoje?

Na Ucrânia e na Faixa de Gaza, provavelmente será a resposta da maioria. Mas há guerras que acontecem há mais tempo, como no Iêmen, Sudão do Sul e Armênia, e não aparecem nos noticiários. Mesmo quando o vídeo de um míssil cruzando o céu de Israel chegar até você, você pode ter certeza de que a guerra já está há muito tempo destruindo vidas. E desde o início do século 21, o cenário tem se agravado.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas de Paz de Oslo (PRIO , na sigla em inglês) revela que em 2024 foram 61 guerras em 36 países – o maior número desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Nesta análise, são contabilizados os conflitos que envolvem pelo menos um Estado.

Outra pesquisa, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), mostra que mais de 200 mil pessoas foram mortas entre 2023 e 2024 em 134 guerras e conflitos armados pelo mundo. E revela que este número é 37% maior que um ano antes.

O historiador Sidnei Munhoz traz um panorama do crescimento: "No pós 11 de setembro de 2001, começamos a ter a expansão de uma série de conflitos: Afeganistão, Iraque, Síria. Houve a expansão de alguns desses conflitos em termos regionais, e, por fim, o conflito que auxiliamos na Ucrânia". 

Segundo ele, fala-se em mais de 100 mil mortos desde que a guerra no Leste Europeu começou, em fevereiro de 2022, mas alerta: "Vou repetir uma coisa que muita gente já disse ao longo da História: na guerra, a primeira vítima é a verdade. Cada regime quer passar uma ideia de que está vencendo, de que a situação do inimigo é muito pior."

Os refugiados pelo mundo

Segundo estudo da Acnur, uma agência da ONU para refugiados, até o final de 2024, uma em cada 67 pessoas em todo o mundo foi ou estava sendo obrigada a se deslocar devido a perseguições, conflitos ou violência, o que representa 123,2 milhões de pessoas.

Uma pesquisa revela que, nos últimos 10 anos, o número de pessoas forçadas a sair de suas casas praticamente dobrou, com o Sudão se tornando o país com maior número de refugiados e deslocados internos: 14,3 milhões de pessoas. O país vive instabilidade política há mais de 50 anos. O último grande conflito começou em 2023 na disputa pelo poder entre gerações rivais.


Fonte: Acnur

Síria (com 13,5 milhões), Afeganistão (com 10,3 milhões) e Ucrânia (com 8,8 milhões) são outros países com maior número de deslocados.>

Nas estatísticas, também há pessoas que fogem, por exemplo, do tráfico, seja na Colômbia, ou mesmo no Brasil. E como vimos com o Sudão, parte dos conflitos armados não envolve mais de um país, diretamente, mas lutas internas. Os professores lembram, no entanto, que muitas delas surgem a partir de interferência de outros países.

As guerras têm uma origem comum?

As origens de um conflito podem remeter há séculos, mas os professores destacam que boa parte das guerras atuais, inclusive na Ucrânia e no Oriente Médio, são consequências da Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria.

"Tanto a guerra da Ucrânia quanto o que acontece hoje no Oriente Médio, envolvendo Israel, Síria, Líbano, e recentemente o Irã, são, na minha percepção, consequências de uma reconfiguração da geopolítica internacional. Por exemplo, a Rússia atacando a Ucrânia sob a justificativa de que a Ucrânia estava se envolvendo com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, que é um resquício da Guerra Fria", explica Viegas.

Para contextualizar o cenário atual, os professores retomam com frequência este período, que se inicia com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e se estende até 1989, com a queda do muro de Berlim. O período da Guerra Fria é caracterizado pela existência de duas superpotências militares, os Estados Unidos e a União Soviética, com conflitos indiretos e disputas.

No áudio a seguir, o professor Viegas explica mais sobre a Guerra Fria e como EUA e URSS passaram a ser as duas grandes potências com a Segunda Guerra Mundial:

Guerra na Ucrânia é por causa de Otan?

Uma das principais alegações da Rússia para invadir a Ucrânia é o interesse deste país em aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma organização militar que surgiu no século 20 com o objetivo de conter o avanço da União Soviética.

Mesmo depois do fim da Guerra Fria, a Otan continua como uma aliança entre a Europa Oriental e os Estados Unidos e agora a Rússia alega que ela é uma ameaça à sua integridade territorial. Por conta dessa “ameaça”, a guerra até está sendo chamada de “preventiva”.

Os professores destacam outro argumento para o conflito que também teve origem naquele período: diversos países que existem hoje fizeram parte da União Soviética e as populações se deslocaram dentro dela. Com o fim da URSS, as fronteiras foram criadas, mas com povos de diferentes origens dentro de um mesmo país.

"Antes da Ucrânia, a Rússia já tinha invadido a Crimeia, que também era território um ucraniano. Também teve invasões na Geórgia, teve outras disputas no Cáucaso, e que estão relacionadas a um elemento étnico", explica Paulo. O governo russo traz esse argumento novamente agora, alegando que precisa apoiar e proteger a população de origem russa.

O professor Viegas lembra que mais uma vez são potências demonstrando força, tentando se manter no poder: “Nós temos potências que eram hegemônicas e que hoje estão perdendo sua hegemonia.

Qual a origem da guerra no Oriente Médio?

Os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 a Israel, promovidos pelo grupo palestino Hamas, são uma justificativa do Estado de Israel para uma série de invasões a Gaza, Cisjordânia, Síria, Líbano e Irã. Naquele único dia, mais de 1 mil civis israelenses foram mortos e cerca de 200 pessoas foram levadas como reféns para a Faixa de Gaza.

Mas os conflitos na região são muito anteriores. Novamente, decisões tomadas com o fim da Segunda Guerra ampliaram as propostas entre judeus e o povo islâmico.

Um dos fatos é a criação do Estado de Israel em 1948, como explica o professor Sidnei Munhoz: "No final da Segunda Guerra Mundial, após o Holocausto, buscou-se uma saída no âmbito das Nações Unidas com a criação de dois estados na região. Mas o sionismo, movimento criado no final do século 19 que tinha por objetivo buscar um território para os povos judeus, trabalhou muito para conseguir a constituição de um território pátrio para os judeus, alegando que o local escolhido era uma terra sem povo, mas aquela terra era habitada, predominantemente por palestinos.

Vale lembrar que, com o Holocausto, a região recebeu muitos judeus que fugiram da perseguição na Europa.

O professor Sidnei explica que com a criação do Estado de Israel, houve uma tentativa de ocorrência dos povos palestinos. “A resposta das forças militares de Israel é chamada pelos palestinos de Nakba - a grande tragédia, que implicou na expulsão (da região onde hoje é Israel), supõe-se, de algo entre 800 mil e um milhão de palestinos, das suas casas, dos seus lares, perderam tudo e se espalharam pela região.”

>Foram várias tentativas ao longo das décadas seguintes para reverter a situação. "Só que Israel, melhor armado e com o apoio dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, de maneira geral impôs grandes derrotas a essas reações. Então, Israel se consolidou como uma nação moderna, industrializada, que investiu muito em ciência, tecnologia e se tornou central na estratégia dos Estados Unidos para a região", completa Sidnei.

>No áudio a seguir, o professor da UFSC traz outras questões relacionadas à situação dos palestinos:>

O professor Paulo também traz um elemento apontado por analistas, que é a questão política interna de Israel: "O governo de Benjamin Netanyahu tem uma série de acusações de corrupção contra ele, então a guerra seria uma forma de se sustentar politicamente também. A guerra como uma forma de se legitimar no poder e quando um país está em guerra com outro, a gente sabe que tem uma série de excepcionalidades que são aplicadas na política."

Outra questão apontada pelos professores para a situação no Oriente Médio é a desproporção dos ataques de Israel. "O povo palestino não tem um exército. Então você tem um Estado nacional fortemente armado, talvez hoje um dos mais armados que é Israel, produzindo um massacre contra uma população civil", afirma Viegas.

Xenofobia e genocídio

Paulo explica que os ataques terroristas a Israel em 2023 também abriram espaço para uma visão de que a ultradireita israelense está propagando sobre o que são os palestinos. "O Estado de Israel legitimou uma visão xenófoba contra os palestinos. Hoje uma parcela da população israelense entende que os palestinos devem ser erradicados ou expulsos."

Por conta desses fatores - poder militar desproporcional e visão xenófoba, os professores apontam que o que está acontecendo em Gaza é genocídio - termo utilizado para definir extermínio de um povo, parcial ou total, baseado em diferenças étnicas, raciais ou religiosas.


 

Ele completa que o projeto de expansão e de criação de um grande estado de Israel atinge também a Cisjordânia e partes do território sírio, por exemplo. Irã e Síria são vistos por Israel como países que mantêm laços com o Hamas.

A ONU não teria o papel de mediar esses conflitos?

Para o professor Paulo, o que se tem visto nos últimos anos é o enfraquecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945 com o propósito de manter a paz e a segurança internacional e desenvolver relações amistosas entre as nações.

"Isso não aconteceu. Desde os anos 1990 houve conflitos militares acontecendo ao redor do mundo. Pouco a pouco a ONU teve o seu papel minado. E hoje o que a gente assiste é realmente um agravamento dessa situação, tanto por parte do conflito da Ucrânia, onde as Nações Unidas não exigem exercer um papel mediador, e particularmente no caso de Israel, porque a existência do Estado de Israel, por exemplo, tem tudo a ver com a existência das Nações Unidas."

Para os professores, o enfraquecimento do diálogo leva mais países a buscarem uma via militar para resolver seus conflitos, um exemplo do que fazem as grandes potências. Seria uma legitimação das posturas violentas, ampliando o risco de escalada global de conflitos.

A preocupação com ataque nuclear é real?

Este mês de agosto marcou os 80 anos que o mundo presencia o efeito devastador das bombas atômicas - a primeira, "Little Boy", foi lançada em Hiroshima no dia 6 de agosto, seguida pela bomba "Fat Man" em Nagasaki no dia 9 de agosto. Estima-se que morreu nas duas cidades entre 15 mil e 250 mil pessoas. Com a Guerra Fria, havia o temor de que os países travassem uma guerra nuclear.

No artigo Hiroshima e Nagasaki: crime de guerra ou necessidade militar? Um dilema ético 80 anos depois, o professor Sidnei Munhoz abordou o assunto com mais detalhamento.

Viegas lembra que, historicamente, se faz uso político do medo ao apontar que Irã e Coreia do Norte, por exemplo, podem ter armas nucleares.


 

Além dos Estados Unidos e da Rússia, outros sete países detêm armas nucleares: China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte. "É importante ressaltar que Israel nunca assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e, por isso, nunca teve suas instalações vistoriadas pela Agência Atômica Internacional. Nunca reconheceu oficialmente o desenvolvimento do seu projeto nuclear e o mundo trata isso como algo normal", critica Viegas.

No vídeo a seguir, a doutora em Tecnologia Nuclear, Daiane Cristini Barbosa de Souza, professora do Câmpus Florianópolis, conversa com o jornalista Rafael Xavier sobre o medo gerado pelas bombas e o papel da energia nuclear no mundo atual.

Além das armas nucleares, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio revelam uma nova forma de combate, com drones super leves que levam explosivos capazes de destruir tanques de guerra.

Segundo Paulo, a grande preocupação neste momento são os mísseis de longo alcance, também chamados de mísseis hiper balísticos. Rússia e Estados Unidos têm mísseis intercontinentais já há algum tempo, permitindo que possam atingir territórios muito distantes de seus países. 

“Mas os chamados mísseis balísticos são armamentos com os quais não se tem defesa hoje, o que ficou visível no caso dos ataques que Irã promoveu a Israel, um país conhecido por ter um sistema chamado Cortina de Ferro, o Iron Dome, que seria capaz de detectar e destruir qualquer míssil antes de atingir o solo. Só que os ataques do Irã mostraram que não. O território de Israel acabou sendo atingido, o que mostrou que, talvez nesse caso, nenhum lugar está plenamente a salvo.”

Com um risco maior de ataques, Viegas alerta que países entendem que desenvolver armamentos é condição de segurança dos seus territórios. Isso, somado aos exemplos da falta de diálogo, pode levar a ampliação de conflitos militares.

E a China nisso tudo?

Falamos de vários países mas até agora não citamos a China, que desponta há algum tempo como uma superpotência, mas não está diretamente envolvida nos conflitos.

Vale lembrar que durante a maior parte do século 20, a China era considerada um país pobre, atrasado, fechado com relação ao mundo e após os anos 1980, começa a se abrir economicamente e a crescer. Para Viegas, o século 21 está sendo marcado por uma reconfiguração da geopolítica mundial, com o surgimento de uma nova potência, pelo menos econômica, que é a China, e que desestabiliza o tabuleiro do xadrez geopolítico, não só na Ásia, mas em diferentes lugares do mundo.

Paulo complementa que, a partir dos anos 2000, a China tenta fortalecer o seu peso diplomático, com uma postura pragmática e de valorização dos Brics - um grupo de cooperação econômica e política formado principalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Mas por outro lado, a China também investe em tecnologias para uso militar, como desenvolvimento de aviões militares e tecnologias que seriam vitais num possível conflito, como a 5G. “Isso é visto sim pelos Estados Unidos como também um foco de tensão. Com certeza hoje as projeções são de que se houver uma guerra mundial, seria um conflito com a China e não com a Rússia, por exemplo.”

Viegas lembra que as taxas comerciais que os Estados Unidos impõem atualmente, “de alguma forma, visam atingir os interesses chineses em diferentes lugares do mundo”. Ele destaca que no continente africano a presença econômica chinesa é quase hegemônica. “A China tem investimentos em obras de infraestrutura, ferrovias, hidrelétricas, enfim, grandes projetos, no mundo inteiro. É o principal parceiro comercial, por exemplo, do Brasil. Lá atrás eram os Estados Unidos, é hoje a China. É claro que, na medida em que a China percebe que seus interesses econômicos e seus interesses geopolíticos passam a estar sob risco, ela também vai interferir.”

Estamos mais “seguros” na América?

Antes de responder a esta pergunta, vale lembrar que o mapa dos conflitos mundiais traz a Colômbia com uma das maiores populações de deslocamentos internos do mundo, com aproximadamente 7 milhões de pessoas, segundo a Acnur, Agência da ONU para refugiados.

A situação da Venezuela é outra que causa preocupação - o número de imigrantes que vêm para o Brasil é um sinal de desta entrega e este mês a situação se agravou com o governo Trump enviando navios de guerra para a região.

As taxas impostas pelos EUA ao Brasil também acenderam um sinal amarelo, além da dificuldade em controlar as fronteiras e do já conhecido interesse do mundo pelas riquezas brasileiras. “É um país que detém muitos recursos naturais importantes para o desenvolvimento de novas tecnologias, como terras raras, por exemplo, e possui grandes reservas de água potável do mundo que serão ainda mais valiosas no futuro. Então, é um país que certamente será alvo de investimentos econômicos, de investimentos políticos, talvez até militares. A gente não sabe, não tem como prever o futuro, mas que militarmente dependeria muito do apoio de outros países”, explica Viegas.

Para o professor Paulo, não é a distância geográfica do Brasil em relação aos principais países em guerra que garantirá segurança no caso de ampliação dos conflitos: “O que pode realmente representar segurança para o Brasil é a capacidade diplomática, enquanto mantiver uma via de diálogo ativa e aberta, as chances do Brasil se envolver em disputas territoriais e sendo acabar alvo de ataques é menor.”

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IFSC VERIFICA

Posso converter meu carro comum em elétrico?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 jul 2025 09:51 Data de Atualização: 29 jul 2025 09:56

A mobilidade elétrica já é uma realidade em diversos países, e o Brasil começa a trilhar essa rota. Com modelos zero quilômetro, incentivos à indústria nacional e projetos inovadores em instituições de ensino, ganha força uma alternativa promissora: transformar um carro movido a combustíveis fósseis em um veículo 100% elétrico. Essa possibilidade começa a se concretizar para os brasileiros, e um projeto do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) se destaca nesse cenário.

Esta reportagem do IFSC Verifica explora os desafios, benefícios e perspectivas dessa transição, aliando inovação tecnológica e sustentabilidade. Será que essa transformação vale a pena econômica e ambientalmente? Para nos ajudar a responder esse questionamento, consultamos dois especialistas:

Adriano Bresolin, do Câmpus Florianópolis do IFSC, professor do Departamento de Eletrotécnica, coordenador do projeto ConverTE e do Laboratório de Eletromobilidade (Emol);

Juliano Gomes, do Câmpus Garopaba do IFSC, professor do Programa de Mestrado Profissional em Clima e Ambiente e do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental, e supervisor do Laboratório de Tecnologias Ambientais (Lata).

O que muda em relação aos modelos a combustão?

Para entender o potencial da conversão, é essencial conhecer as diferenças entre os veículos elétricos (VEs) e os com motor a combustão interna (VCIs). A principal delas está no tipo de propulsão: enquanto os elétricos utilizam motores movidos à eletricidade – geralmente armazenada em baterias –, os convencionais funcionam, em sua maioria, por meio da queima de combustíveis fósseis. O professor Adriano Bresolin ressalta também o rendimento energético. “O motor a combustão tem um rendimento de cerca de 25%, ou seja, de cada R$10 gastos em gasolina, apenas R$2,50 se convertem em energia nas rodas. Já nos elétricos, 95% da energia é convertida em movimento”, explica. 

Isso significa que os VEs são quase quatro vezes mais eficientes em termos energéticos. Além disso, são “menos complexos”, uma vez que têm menos peças, dispensam óleo lubrificante e demandam manutenção menos frequente e mais barata.  Do ponto de vista ambiental, os elétricos não emitem gases durante a operação. Em comparação, um carro a gasolina libera em média 120g de CO₂ por quilômetro, além de outros poluentes, como óxido de nitrogênio (NOₓ) e material particulado (MP). 


Quanto à fabricação, segundo Bresolin, o custo ambiental é semelhante entre os dois tipos de veículo. “O impacto para produzir um carro a combustão ou um elétrico é equiparável. Assim, essa diferença se anula na comparação. A grande vantagem do elétrico é durante o uso, considerando que um automóvel pode ser usado por 10, 20, 30 anos”, destaca.

O professor Juliano Gomes reforça que a matriz energética brasileira – ou seja, a forma como a energia é gerada – é predominantemente hídrica, baseada em usinas hidrelétricas, que são consideradas fontes de energia “limpa” e renovável. Por utilizarem eletricidade para recarga, os veículos elétricos no Brasil tendem a causar menos danos ao meio ambiente em comparação com os movidos a combustíveis fósseis. Estes, por sua vez, têm como base o petróleo, uma fonte que gera impactos adversos à saúde humana e ao meio ambiente desde a extração (como vazamentos nos mares) até a queima, responsável pela emissão de gases de efeito estufa. O professor também aponta como vantagem dos elétricos o menor nível de ruído, reduzindo a poluição sonora nas cidades.

No bolso do motorista, a economia também é significativa. Estimativas apontam que o custo por quilômetro com os elétricos pode ser até 70% menor. Na internet, há vários testes comparativos entre os modelos. Uma reportagem do Autoesporte, publicada em janeiro deste ano, comparou o desempenho das versões a combustão e a variante elétrica de uma mesma marca.  O dono de um elétrico gastou cerca de R$ 120 para rodar pouco mais de 1.100 km. Já o modelo a gasolina, para percorrer a mesma distância, precisou desembolsar R$ 468. 

Contudo, Bresolin ressalta que o preço da recarga dos VEs pode sofrer variação, pois depende diretamente do valor cobrado pela concessionária de energia. Ainda assim, essa opção surge com uma vantagem: o abastecimento residencial. “O preço varia bastante, de cerca de R$ 1,80/kWh a 2,90/kWh. Por isso, é importante gerenciar o consumo. Lembrando que, se você abastecer em casa, o custo do kWh é de R$ 0,80 – que é o preço da Celesc [Centrais Elétricas de Santa Catarina]. E se você tiver energia solar, esse valor pode chegar a zero. Essa é a grande vantagem do veículo elétrico: poder rodar sem custo”, afirma.

Por outro lado, a infraestrutura limitada para recarga representa um desafio. Embora os eletropostos estejam se multiplicando, especialmente em rodovias e em grandes centros urbanos, ainda não é possível bater de frente com a facilidade que é abastecer em um posto. “Enquanto o carregamento elétrico não está presente em todos os municípios, há postos de combustíveis em praticamente todos os lugares. E, embora o carregamento residencial já seja uma realidade, ainda não é para todos os veículos”, pondera Gomes.


Para além dessa questão, a reportagem do Autoesporte citada acima expôs outra grande desvantagem dos VEs: foram necessárias seis paradas para recarregar o veículo no percurso testado. Para cumprir o mesmo trajeto, a versão a gasolina necessitou de somente duas paradas para abastecimento. Isso sem contar o tempo exigido para a recarga completa ou para se encher o tanque. 

Durante muito tempo, o alto custo dos VEs também foi um dos principais entraves à sua adoção. Chegavam a custar mais que o dobro do carro similar com motor a combustão. Embora ainda sejam mais caros, essa diferença caiu para cerca de 20% a 30%. E a tendência é que, com a popularização dos VEs, essa margem continue diminuindo. “Hoje, não há mais obstáculos para a adoção dos veículos elétricos. A única restrição era a questão do preço, mas com a chegada de marcas como BYD e GWM, após 2023, os preços caíram consideravelmente e já é possível encontrar modelos por menos de R$ 100 mil – praticamente o mesmo patamar dos carros a combustão”, afirma Bresolin. 

O crescimento acelerado do mercado

Não há como falar da popularização dos carros elétricos sem mencionar a Tesla. Fundada em 2003 nos Estados Unidos, a empresa foi decisiva na consolidação dos VEs como alternativa viável no setor automotivo. Lançamentos como o Roadster, Model S e Model 3 provaram que carros elétricos podem oferecer alto desempenho e boa autonomia, incentivando outras montadoras a desenvolverem seus próprios projetos de eletrificação.

Para Bresolin, o papel da Tesla foi fundamental. Ele recorda que, depois de algumas iniciativas nos anos 1990 – como veículos híbridos da Toyota e o EV1 da General Motors –, foi a Tesla que realmente impulsionou uma revolução. “Ela iniciou o processo, investiu, teve sucesso e forçou o restante da indústria a correr atrás. A revolução começou com a grande influência da Tesla. As tecnologias mais promissoras atualmente estão relacionadas às baterias, área em que a empresa se destaca. Há uma grande possibilidade de termos baterias de estado sólido, principalmente de sódio, que podem tirar o lítio da jogada e reduzir ainda mais o custo”, diz.

A empresa estadunidense ainda lidera o ranking global de vendas de veículos eletrificados com o Model Y, mas enfrenta uma desaceleração nos últimos anos – emplacou somente dois modelos entre os 20 mais vendidos. Enquanto isso, a chinesa BYD é quem domina o mercado: são nove veículos do seu portfólio na mesma lista. No mundo, o segmento tem sido alavancado pela China; e no Brasil não é diferente. 

Segundo levantamento da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o país fechou 2024 com um novo recorde: 177.358 veículos eletrificados leves emplacados de janeiro a dezembro – um aumento de 89% em relação ao ano anterior. Esse número colocou o Brasil como líder em volume de vendas de VEs na América Latina. 

Um fator-chave para essa expansão no território nacional foi a chegada em massa de modelos chineses com preços mais acessíveis. Aproximadamente 85% dos veículos vendidos vieram da China, com destaque para BYD, GWM, Chery e JAC. Algumas dessas marcas disponibilizaram automóveis por menos de R$150 mil, estreitando ainda mais a diferença de preços em relação aos carros a combustão. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), em 2023, o custo médio de um veículo elétrico era mais que o dobro de um convencional, mas esse diferença caiu para cerca de 25% desde o último ano, dando sinais de que a paridade de preços está próxima.

“Acreditamos que, com a chegada de novas marcas e empresas, essa equiparação de preços deve ocorrer já em 2026. O grande fator que está impulsionando isso, obviamente, são as indústrias chinesas, que estão se expandindo globalmente, especialmente na América Latina, onde já temos mais de 10 marcas instaladas no Brasil. E, com certeza, quanto mais oferta você tem no mercado, teoricamente e na prática também, os preços reduzem e, com isso, quem ganha é a população”, considera Bresolin.

A série histórica de vendas da categoria no país começou a ser registrada em 2012, com 117 veículos emplacados. Até 2015, o número não ultrapassava mil unidades por ano. A partir de 2022, no entanto, os registros praticamente dobram a cada 12 meses.


Para a ABVE, o ano de 2024 foi marcado pelo avanço da eletromobilidade no mercado brasileiro, ganhando força no interior e se mantendo em franca expansão nas principais capitais do país. São Paulo manteve a liderança, com 32% das vendas totais do período (56.819 unidades), seguido pelo Distrito Federal, com 9% (16.061). Na sequência, aparecem Rio de Janeiro, com 7,2% (12.841), e Paraná, com 6,8% (12.056). Santa Catarina completa o top 5 com 11.500 veículos emplacados, representando 6,5% do total nacional.

Nos últimos 13 anos, o município catarinense que registrou o maior número de vendas foi Florianópolis, com 5.372 unidades. Logo atrás, estão Balneário Camboriú (2.625), Joinville (2.174), Blumenau (1.954) e Itajaí (1.808). A capital de Santa Catarina ocupa o 12º lugar no ranking nacional de vendas, que é liderado pela cidade de São Paulo, com 61.180 veículos emplacados. 

Tudo indica que essa transição acelerará nos próximos anos. Um estudo da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e do Boston Consulting Group (BCG) projeta que, até 2040, mais de 90% dos carros novos vendidos no país podem ser híbridos ou totalmente elétricos. Essa mudança deverá vir acompanhada de uma queda progressiva nos preços – impulsionada pela redução do custo das baterias, pelo aumento da concorrência e pela produção local de modelos.

O projeto ConverTE: do laboratório à estrada

Uma alternativa interessante para acelerar a eletrificação da frota é a conversão de carros antigos. No IFSC, o Laboratório de Mobilidade Elétrica (Emol), criado em 2016, iniciou essa jornada com o EV-IFSC, o primeiro carro elétrico desenvolvido por estudantes e professores. “Ele foi feito aqui no laboratório do Departamento de Eletrotécnica, em parceria com o Departamento de Metal Mecânica, o DAMM. E esse foi o nosso primeiro passo, o EV-IFSC. Depois disso, veio um projeto da Aneel, a Agência Nacional de Energia Elétrica, com a Celesc. O projeto, denominado ConverTE, realizou quatro conversões de veículos a combustão em elétricos”, diz Bresolin, que é o coordenador da iniciativa. 

Lançado em 2020, o projeto ConverTE – cujo nome faz referência à conversão para tração elétrica – desenvolveu kits de conversão de veículos leves. Em parceria também com a Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc), o time do IFSC criou protótipos bem-sucedidos: uma Fiorino elétrica, uma Strada elétrica, um Kwid híbrido (motor flex combinado com dois motores elétricos nas rodas) e um Kwid 100% elétrico. Em todos os casos, os motores a combustão originais foram substituídos por motores elétricos (importados ou nacionais, como os da WEG), inversores e um banco de baterias de 40 kWh, construído no próprio laboratório. 

O processo de conversão envolve retirar motor, tanques e acessórios do carro a combustão, acomodar o motor elétrico, o inversor e a bateria, além de adaptar controles. Esse trabalho exige planejamento, engenharia e personalização, além de requerer conhecimentos em mecânica, eletrônica de potência e software. “Cada veículo é único. É necessário estudar o sistema mecânico, elétrico, espaço interno, estrutura... Não é só trocar o motor, mas repensar a forma como a energia circula no carro”, explica o coordenador.


Participam do projeto estudantes dos cursos de engenharia elétrica, mecatrônica, eletrotécnica, automobilística e eletrônica, com auxílio das áreas de química, refrigeração e design. Em 2023, a iniciativa foi apresentada na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP-28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, consolidando o reconhecimento internacional. 

No momento, o projeto está em sua segunda fase, que vai até 2027. Veículos operacionais da Celesc estão sendo convertidos em elétricos, já que ainda não há modelos com motorização totalmente elétrica disponíveis no mercado nacional para essa aplicação, ressalta Bresolin. A expectativa é de um investimento de R$ 5,5 milhões em três anos. Bancadas didáticas de alta tecnologia foram instaladas no Emol para treinar profissionais e alunos em componentes elétricos de veículos, ampliando o impacto do projeto na educação. Em breve, espera-se que a tecnologia possa ser compartilhada e escalada, abrindo caminho até para futuras montadoras locais.


Além de atuar na conversão dos veículos, o IFSC já possui dois eletropostos no Câmpus Florianópolis, além de um terceiro, instalado na Reitoria, em manutenção. “Isso é muito importante porque incentiva a comunidade acadêmica a também aderir à mobilidade elétrica.  Santa Catarina destaca-se como polo tecnológico, com diversas fábricas de eletropostos, motores e outros componentes. A infraestrutura catarinense está crescendo, principalmente porque aumentou a frota”, afirma o professor. Segundo ele, a Celesc pretende instalar mais de 100 eletropostos em todo o estado, com um a cada 50 quilômetros, criando uma rede segura com pontos de apoio para carregamento em todo o território. 

Bresolin acredita que os VEs têm grande potencial para contribuir com a qualidade de vida nas cidades brasileiras e reduzir os custos com transporte. “A aposta é que os VEs sejam cada vez mais integrados ao transporte público, como ônibus elétricos, trólebus e metrôs de superfície. Falta um pouco de política por parte do governo, mas isso com o tempo vai sendo investido; e a previsão da transição energética brasileira é que, nos próximos 10 anos, a gente consiga chegar até 50% da frota de veículos elétricos em todo o país”, conta.

Baterias: heroínas ou vilãs da sustentabilidade?

Os carros elétricos são frequentemente apresentados como a solução para a mobilidade urbana sustentável – e com razão. A matriz energética brasileira, predominantemente hídrica, favorece ainda mais a pegada ambiental positiva dos VEs. Apesar disso, a fabricação de baterias levanta preocupações legítimas. Seu processo envolve extração de minerais, consumo elevado de energia e água, e emissão de resíduos. Ainda assim, especialistas apontam que os impactos são comparáveis – ou até menores – aos da indústria de petróleo, que causa danos contínuos por meio da extração, refino e queima de combustíveis fósseis. 

“Falar de impactos ambientais nunca é simples. No caso do Brasil, se compararmos os aspectos e impactos da produção da energia elétrica – por meio de hidrelétricas – com os do processo de extração e produção dos combustíveis fósseis (levando também em consideração as consequências dos gases gerados no uso destes), podemos considerar que os impactos são mais positivos do que negativos”, afirma Gomes.

Bresolin corrobora essa linha de pensamento e considera a produção de baterias tão poluente quanto a produção dos motores a combustão e a extração de petróleo. Para ele, o cenário em que a bateria do VE aparece como vilã é alimentado por interesses econômicos. “A mineração de lítio e dos outros minerais causa danos ambientais, assim como se causa para minerar o cobre, o alumínio, o ferro e todos os demais componentes usadas em todas as indústrias, inclusive na do carro a combustão. Esses danos ambientais sempre ocorrem, o que se procura sempre é mitigá-los”, salienta. 


Um ponto crítico nessa discussão é a matéria-prima das baterias. A mineração de metais – como lítio, cobalto e níquel – demanda grande consumo de água e energia. Segundo uma reportagem da Revista Pesquisa Fapesp, são necessários 100 kg de minério de lítio para extrair apenas 1,6 kg de lítio puro, com as rochas sendo aquecidas a mais de 1.000°C. Além disso, alerta Gomes, alguns desses metais são não renováveis, e as baterias descartadas ou acondicionadas de forma inadequada podem ser fontes de contaminação dos solos, das águas, comprometendo a saúde pública. “Há também o risco de ocorrência de doenças graves e até morte da população por bioacumulação de metais tóxicos, como mercúrio, chumbo, cádmio, níquel”, completa.

A boa notícia é que as baterias não precisam ir para o lixo após a aposentadoria do veículo. Algumas iniciativas já desenvolvem processos de hidrometalurgia para reaproveitar metais pesados das baterias, extraindo níquel, cobre, alumínio e cobalto com reagentes menos tóxicos. A “reciclagem” destes componentes tem se mostrado muito mais eficiente: de cada 100 kg de baterias descartadas, é possível recuperar até 7 kg de óxido de lítio puro, reduzindo a necessidade de extração de minério novo. 

Conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), as baterias devem “retornar aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes por meio da logística reversa”, o que pressupõe que elas serão recicladas ou que será dado um destino final ambientalmente adequado. “Na verdade, as baterias de lítio são uma solução ambiental, pois elas oferecem a vantagem da ‘segunda vida’, em que você pode usar essas baterias em sistemas de iluminação, economizando energia à noite, por exemplo. Ou seja, além de serem totalmente recicláveis, as baterias já podem ser usadas para uma segunda aplicação fora do veículo elétrico, deste modo elas têm uma utilidade muito maior”, diz Bresolin.   


O futuro (e o presente) da mobilidade

Apesar dos avanços, o acesso aos VEs ainda é limitado. O professor Juliano Gomes defende que a solução está na nacionalização da produção e na criação de incentivos fiscais. “Precisamos incentivar a pesquisa para desenvolver tecnologias que permitam a produção de veículos nacionais e a redução e/ou isenção dos impostos que encarecem a sua aquisição”, sugere. 

Em países com alta carga tributária sobre veículos novos, a conversão de veículos é também uma alternativa vantajosa. Porém, por exigir soluções sob medida, esse mercado ainda depende de iniciativas como a do IFSC. Projetos como o ConverTE, aliados com pesquisas em gestão ambiental e energia, contribuem para formar profissionais qualificados e gerar dados para futuras políticas públicas, mostrando que é possível liderar essa transformação a partir da sala de aula e da garagem.

Para viabilizar a mobilidade do futuro, será necessário mais do que tecnologia. Será preciso investimento público, políticas ambientais robustas, infraestrutura de recarga acessível e formação técnica. A verdadeira questão não é apenas “posso transformar meu carro em elétrico?”, mas sim: “quero transformar minha forma de me mover pelo mundo?”. A resposta começa hoje, nas decisões que tomamos como sociedade.

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Como a gripe aviária pode afetar seu prato e sua saúde?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 11 jun 2025 10:20 Data de Atualização: 12 jun 2025 11:14

Santa Catarina é o segundo maior exportador de carne de frango do Brasil, responsável por um quarto da produção nacional. Com qualidade mundialmente reconhecida, o setor teve o melhor desempenho de sua história no primeiro quadrimestre deste ano. No entanto, a confirmação de um foco de gripe aviária em uma granja no vizinho Rio Grande do Sul acendeu um sinal de alerta. O temor de que o vírus H5N1 se espalhe compromete não apenas a saúde das aves, mas toda a cadeia produtiva – da granja ao consumidor final. 

Milhares de pessoas trabalham no segmento avícola, que abrange desde o campo até o processamento. Nos últimos anos, Santa Catarina investiu em tecnologia e biosseguridade, tornando-se uma referência. Ainda assim, o que antes parecia uma preocupação distante hoje se traduz em embargos internacionais, instabilidade no mercado e receio da população quanto à segurança dos alimentos. 

Esta reportagem do IFSC Verifica investiga de que forma a gripe aviária pode afetar a sua saúde, o que você consome, quanto você paga e o ritmo da economia do estado. Para analisar esses diferentes aspectos, ouvimos três especialistas:

Sandra Tavares, professora do Câmpus Canoinhas do IFSC, mestra em Ciências dos Alimentos e doutora em Nutrição e Produção Animal;

Celso Bergmaier, professor do Câmpus São Carlos do IFSC, bacharel em Administração com ênfase em Agronegócios, mestre e doutor em Administração;

Vanessa Tuono, professora do Câmpus Florianópolis do IFSC, epidemiologista, mestra em Saúde Pública e doutora em Enfermagem. 

Um vírus antigo, uma ameaça atual 

A influenza aviária, ou gripe aviária, é uma zoonose viral altamente contagiosa que afeta várias espécies de aves domésticas e silvestres. Ocasionalmente, como explica a professora Sandra Tavares, do Câmpus Canoinhas, pode infectar mamíferos como ratos, gatos, cães, cavalos, suínos – e até seres humanos. A doença é de notificação obrigatória à Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA). Embora esteja atualmente em evidência no noticiário, a gripe aviária não é um fenômeno recente. Foi registrada pela primeira vez na Itália, em 1878, sob o nome de ‘Praga Aviária’. Somente em 1955 passou a ser oficialmente reconhecida como Influenza A aviária. Já o primeiro caso documentado de infecção humana pela cepa H5N1 ocorreu em Hong Kong, em 1997.

Desde então, a enfermidade ganhou contornos de ameaça global. O vírus demonstrou alta capacidade de transmissão e letalidade em aves, além de provocar casos esporádicos em humanos – o que levou ao aumento da vigilância por parte das autoridades sanitárias internacionais. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a OMSA hoje tratam a gripe aviária como prioridade de vigilância e resposta.

No Brasil, o primeiro caso foi detectado em 2023, em aves silvestres, e rapidamente contido. Em 15 de maio deste ano, pela primeira vez, o vírus foi encontrado em uma granja comercial, no município gaúcho de Montenegro. A repercussão foi imediata, uma vez que, dependendo da duração e da disseminação dos focos, os prejuízos podem chegar à casa dos bilhões de reais. 

Casos semelhantes em outros países ajudam a dimensionar o risco. Em 2014, os Estados Unidos enfrentaram um dos maiores surtos de gripe aviária da história, que levou ao sacrifício de mais de 50 milhões de aves e gerou prejuízos superiores a US$ 3 bilhões. Foram necessários anos para recuperar a produção e reconquistar os mercados. Situação semelhante ocorreu na China e em países da Europa, que hoje mantêm rígidos protocolos de biossegurança, monitoramento e contenção.

O Brasil participa de redes globais de vigilância animal. Em situações como a do Rio Grande do Sul, as autoridades brasileiras seguem protocolos estabelecidos, notificando imediatamente a OMSA e os países parceiros. A credibilidade do país como exportador, especialmente para mercados mais exigentes, depende dessa transparência. Sendo assim, qualquer foco interno logo se torna notícia internacional e exige respostas ágeis e coordenadas.

Historicamente, Santa Catarina se destaca na gestão de crises sanitárias no agronegócio. O controle da febre aftosa é um exemplo: o estado foi o primeiro a erradicar a doença no Brasil. Embora a vacinação dos bovinos tenha sido mantida até o ano 2000, o último caso registrado data de 1993. Assim, espera-se que essa experiência ajude a conter com agilidade um eventual surto de gripe aviária. 

Para Celso Bergmaier, professor do Câmpus São Carlos, uma ocorrência sanitária “é fator-chave para possíveis suspensões de exportação do produto de origem animal, podendo também retrair o consumo interno por desconfiança dos consumidores e afetar a cadeia produtiva. Isso reflete na geração de empregos, no movimento econômico e na arrecadação de tributos”. 

Como a gripe chegou ao galinheiro?

A gripe aviária é causada pelo vírus influenza A, com diferentes subtipos (como o H5N1) que circulam entre aves domésticas e silvestres. O contato entre essas aves é um dos determinantes para ocorrência de surtos na avicultura comercial ou doméstica. Além disso, a introdução e a disseminação do vírus também estão associadas a outras condições, como o trânsito de aves vivas, a criação de múltiplas espécies no mesmo ambiente e a exposição a habitats frequentados por espécies transmissoras.

As aves silvestres migratórias, especialmente as aquáticas, são hospedeiras naturais e reservatórios do vírus da gripe aviária. Em seus tratos respiratório e intestinal, elas podem carregar diferentes versões do agente infeccioso – chamadas de cepas –, que variam em capacidade de causar a doença dependendo do subtipo e da espécie atingida. Como conseguem conviver com o vírus sem apresentar sintomas, essas aves acabam espalhando-o ao longo de suas rotas migratórias, cruzando fronteiras e percorrendo grandes distâncias.

Os subtipos do influenza são mais frequentemente detectados em aves da ordem Anseriformes, como patos, cisnes, gansos e marrecos. A ordem Charadriiformes – que reúne mais de 350 espécies com ampla distribuição geográfica, muitas delas costeiras ou litorâneas – também hospeda o vírus, embora com menor frequência. Entre os representantes desse grupo estão gaivotas, maçaricos, vira-pedras, trinta-réis, batuíras e jaçanãs. Essas aves podem eliminar o vírus pelas fezes sem apresentar sintomas, contribuindo silenciosamente para sua propagação.

Por outro lado, aves domésticas terrestres, como galinhas e perus, não atuam como reservatórios naturais, mas são altamente suscetíveis à infecção por cepas transmitidas por aves silvestres. Patos domésticos e codornas também desempenham papel importante na cadeia de transmissão, atuando como elos intermediários entre aves silvestres e domésticas. 

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), os subtipos dos vírus influenza A podem ser classificados em duas categorias: influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP), que podem causar graves sinais clínicos e altas taxas de mortalidade nas aves; e influenza aviária de baixa patogenicidade (IABP), que geralmente causam poucos ou nenhum sinal clínico. Segundo Sandra Tavares, a rápida propagação em granjas comerciais traz sérios prejuízos econômicos e representa risco para a cadeia alimentar. 

Qual o risco para a sua saúde?

Antes de mais nada, vale entender o seguinte: o vírus da gripe aviária não é transmitido pelo consumo de carne de frango ou ovos. A principal ameaça está no impacto sobre a produção e no risco de descontrole sanitário, não na segurança alimentar propriamente dita. “O vírus não é transmitido por carne ou ovos cozidos. Para garantir a segurança alimentar, é essencial manter os cuidados habituais: consumir alimentos bem cozidos, evitar produtos crus ou mal cozidos, e manter boa higiene ao manipular alimentos, lavando bem as mãos e os utensílios antes e após o preparo”, orienta Sandra.

No entanto, apesar de rara, a transmissão para humanos é possível. Conforme explica a professora Vanessa Tuono, do Câmpus Florianópolis, sempre que os vírus da influenza aviária circulam entre aves, existe o risco de surgirem casos humanos isolados. “O vírus pode sobreviver em produtos avícolas, como ovos e sangue. Contudo, não foi documentada infecção humana por via alimentar considerando o consumo de ovos e carne corretamente cozidos, ainda que de aves infectadas. No caso do H5N1, há potencial de transmissão por ingestão de produtos não cozidos – incluindo sangue cru – de aves domésticas infectadas”, reforça a docente.

Até o momento, os casos documentados de infecção verificaram-se, majoritariamente, entre trabalhadores com exposição direta a aves contaminadas. Outro ponto relevante é que não há evidências de transmissão entre humanos. Segundo a OMS, não existe registro no mundo de que o contágio tenha ocorrido de uma pessoa para outra. 

“Existe a probabilidade desse evento caso os vírus continuem a circular e sofram mutações que os tornem mais resistentes. No entanto, as evidências disponíveis indicam que estes que atualmente estão em circulação não adquiriram a capacidade de se transmitir de forma eficiente entre seres humanos. Por isso, no momento, considera-se improvável a ocorrência de transmissão sustentada entre pessoas”, explica Vanessa.

Os grupos mais vulneráveis são aqueles que atuam na cadeia avícola, incluindo produtores rurais, manipuladores de alimentos e médicos-veterinários, expostos direta ou indiretamente a aves infectadas (doentes ou mortas) ou a ambientes contaminados. A professora Sandra destaca que esse cenário demanda medidas sanitárias mais rígidas e controles de segurança rigorosos junto aos trabalhadores desses locais, como na utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs). “Além de uma atenção por parte dos produtores e funcionários aos sinais clínicos em aves, os órgãos oficiais devem ser notificados após suspeita. Embora a transmissão da gripe aviária para humanos seja rara, a exposição a aves infectadas ou inalação de partículas contaminadas pode causar a doença, sendo que os trabalhadores de granjas e incubatórios têm um risco maior”, alerta Sandra.

Nos humanos, a gripe aviária pode se manifestar desde quadros leves, como febre e tosse, até formas graves, como pneumonia e, em casos mais extremos, morte. Sintomas gastrointestinais – como náuseas, vômitos e diarreia – também são frequentes. No estágio inicial, é comum o aparecimento de febre alta (igual ou superior a 38°C) e tosse, seguida de desconforto respiratório. Dor de garganta ou coriza são menos frequentes. Alguns pacientes ainda relatam dores abdominais, encefalite e sangramentos do nariz ou das gengivas. Nos casos mais severos, podem ocorrer complicações como insuficiência respiratória, falência de múltiplos órgãos, choque séptico e infecções bacterianas ou fúngicas secundárias. 

Para identificar o tipo de vírus, é necessário realizar diagnóstico laboratorial, aliado ao histórico de exposição do indivíduo infectado. De acordo com professora Vanessa Tuono, a vigilância epidemiológica e a notificação de casos suspeitos são obrigatórias e têm sido aplicadas desde o primeiro caso diagnosticado. “A partir dos anos 2000, a gripe aviária passou a ser considerada como uma emergência global e monitorada pelos principais órgãos de controle e prevenção de doenças no mundo. Todos os casos suspeitos devem ser submetidos à coleta de amostra de secreção nasofaríngea o mais rápido possível, seguindo a mesma forma da coleta para diagnóstico dos demais vírus influenza”, aponta.

Em caso de surtos entre aves, as secretarias de Saúde e o Ministério da Saúde acionam protocolos específicos: pacientes com sintomas respiratórios graves que tiveram contato com aves são testados para H5N1, assegurando controle imediato. Nesses casos, os hospitais solicitam exames especializados a laboratórios de referência credenciados pela OMS, que têm capacidade de diferenciar os vírus de influenza aviária e humana. O país conta atualmente com três desses centros: o laboratório de referência nacional Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizado no Rio de Janeiro; e dois laboratórios de referência regional, o Instituto Adolfo Lutz (IAL), em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará. Essa estrutura permite uma resposta rápida e, em caso de suspeita confirmada, são tomadas medidas de isolamento do paciente e rastreamento de contatos, evitando a propagação local.

Existe vacina contra a gripe aviária para humanos?

Atualmente não há vacina disponível no Brasil para uso humano contra a gripe aviária. Contudo, países como os Estados Unidos e membros da União Europeia estão mais avançados na criação de estoques para caso o vírus provoque uma pandemia humana. “Existem algumas vacinas antigas aprovadas para uso em caso de emergência e outras em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, a FDA [Food and Drug Administration] já aprovou, desde 2007, três imunizantes destinados à cepa H5N1 da gripe aviária”, informa Vanessa. 

Enquanto isso, recomenda-se a vacinação sazonal contra a influenza comum. Ainda que não ofereça proteção específica contra o H5N1, ela reduz o risco de coinfecções e complicações. O Guia de Vigilância para Influenza Aviária em Humanos orienta que a população deve evitar se aproximar, tocar, recolher ou ter qualquer contato com aves doentes ou mortas, além de relatar a identificação da ocorrência às autoridades locais de agricultura e saúde. Para trabalhadores expostos a aves ou ambientes contaminados, são recomendadas precauções adicionais: evitar tocar boca, olhos e nariz após interação com animais ou superfícies contaminadas; lavar bem as mãos com água e sabão; trocar de roupas ao final do expediente; entre outras medidas de biossegurança.

Sandra Tavares reforça que, apesar de o risco à saúde humana ainda ser considerado baixo, as consequências para as aves são graves. “A gripe aviária representa uma ameaça significativa tanto para a saúde pública quanto para a economia. Mas o impacto sanitário sofrido pelas aves é mais expressivo devido ao alto índice de mortalidade. A doença é altamente contagiosa e letal para as aves, levando a mortes em grande escala e à necessidade de abate profilático [preventivo] de aves saudáveis em áreas afetadas”, destaca a docente. 

Em outras palavras, a detecção de um único foco ativo pode levar ao sacrifício não apenas das aves infectadas, mas de todo o plantel de uma granja e até de aviários próximos. Isso amplia o prejuízo: além das perdas diretas, há impacto na produção futura, com a redução do fornecimento de ovos para incubação e de pintinhos de um dia – essenciais para reiniciar o ciclo produtivo do frango.

Como a gripe aviária afeta os preços?

Embora o impacto sanitário nos humanos seja limitado, as consequências econômicas de um surto são potencialmente devastadoras. O alerta sanitário é ainda mais sensível em Santa Catarina, segundo maior exportador de carne de frango do país, atrás apenas do Paraná. No primeiro quadrimestre deste ano, o estado foi responsável por 22,9% do volume e 24,8% da receita das exportações brasileiras do setor.

Em abril, Santa Catarina exportou 108,3 mil toneladas de carne de frango, com um faturamento de US$ 229,7 milhões. Os números representam crescimentos de 2,1% em volume e 4,6% em receita em relação a março. No acumulado dos quatro primeiros meses do ano, o estado atingiu um recorde histórico, com 415,3 mil toneladas embarcadas e receita de US$ 846,7 milhões – altas de 8,9% e 17,3%, respectivamente, em comparação com o mesmo período de 2024.

Os principais destinos da carne de frango catarinense no período foram Arábia Saudita, Países Baixos, China e Japão, responsáveis por quase metade das exportações. A China, principal compradora, aumentou suas importações em mais de 30% em volume e 43% na receita, em relação ao ano anterior. 

Atualmente, o modelo predominante na avicultura catarinense é intensivo, com alta concentração produtiva e cadeias integradas. Todavia, essa organização cria ambientes propícios para a rápida disseminação de doenças se a biosseguridade for insuficiente. Enquanto os grandes produtores contam com sistemas rigorosos de controle, as criações familiares e de menor escala, muitas vezes, apresentam menor capacidade de prevenção, o que amplia a vulnerabilidade do setor como um todo.

“Em geral, os setores do agronegócio mais afetados são aqueles com alta dependência de mão de obra e menor capacidade de adaptação a mudanças, como a agricultura familiar. Esse segmento geralmente opera com menor escala e recursos, pode ser mais vulnerável às crises, como mudanças climáticas e sanitárias, além de ter dificuldades de acesso a mercados e financiamentos. As cooperativas e os grandes frigoríficos, por sua vez, podem enfrentar desafios, mas tendem a ter maior resiliência devido à sua estrutura e capacidade de investimento”, afirma a professora Sandra.

Assim, a confirmação de um surto sanitário pode abalar fortemente os mercados interno e externo. Segundo o professor Celso Bergmaier, uma crise de gripe aviária afeta toda a cadeia produtiva: produtores de ovos galados, produtores rurais, empresas frigoríficas, de tecnologia e de nutrição animal. Ele destaca que restrições na produção reverberam em outros setores. “Como agronegócio é um vetor econômico importante em Santa Catarina, todos demais segmentos acabam sendo atingidos. Por exemplo: o setor de transportes, máquinas e equipamentos, e o comércio em si”, complementa. 

Mesmo distante das granjas, o consumidor final sente os efeitos no bolso. “Um surto pode ter impactos significativos no que chega ao prato do consumidor em termos de preço pago pela carne de frango e ovos”, salienta Sandra. O aumento dos preços e a alteração no abastecimento são realidades possíveis diante da situação. Se a doença reduzir a oferta de frango e ovos, a tendência é que subam os valores nas prateleiras. Por outro lado, o excedente de produto redirecionado ao mercado interno pode provocar uma queda temporária de preços, até que um novo equilíbrio seja alcançado. 

O professor Celso Bergmaier considera que existe uma tendência de elevação de preços, mas a dimensão desse impacto depende da gravidade e da extensão dos focos da doença. “Se a crise sanitária for muito aguda, poderá haver uma interrupção de oferta pela morte acentuada de animais ou pelo vazio sanitário que precisa ser feito nas granjas para retomada da produção. Neste caso, uma oferta menor de carne de frango vai elevar os preços aos consumidores”, observa.

Depois da confirmação do caso no Rio Grande do Sul, dezenas de países – entre eles União Europeia, China, Coreia do Sul, México, Canadá e Arábia Saudita – impuseram embargos temporários à carne de frango brasileira. Ainda que a maioria das restrições atinja exclusivamente o estado gaúcho, os reflexos em Santa Catarina são inevitáveis, devido à interdependência da cadeia produtiva e à percepção de risco nos mercados internacionais.

A boa notícia é que o Brasil poderá voltar a ser considerado livre da gripe aviária a partir de 18 de junho, o que permitirá o restabelecimento das exportações para os países que suspenderam a compra do produto. A data marca o fim do chamado ‘vazio sanitário’ – período de 28 dias correspondente ao ciclo do vírus H5N1 – iniciado em 21 de maio, após a conclusão da desinfecção da granja em Montenegro. Esse intervalo é essencial para garantir que não restem vestígios do vírus no ambiente antes da retomada das atividades no local.

De acordo com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, esse único caso registrado em uma granja comercial foi totalmente controlado. Com a ausência de novos focos em estabelecimentos similares, o país terá cumprido o prazo exigido pelas normas sanitárias. Apesar disso, o encerramento do período não significa que todos os mercados internacionais serão reabertos de imediato.

O que o poder público está fazendo para conter a doença?

Dada a importância estratégica da avicultura em Santa Catarina, especialistas apontam que a vigilância constante é essencial. No entanto, conter a gripe aviária requer mais do que monitoramento: é necessário investir em educação sanitária e promover uma integração efetiva entre instituições de pesquisa, setor produtivo e governo. O Mapa tem desenvolvido regulamentações para reforçar a segurança sanitária e atuado em parceria com os órgãos de fiscalização estaduais. Para o professor Celso, “a principal ferramenta para auxiliar neste processo é informar produtores sobre as medidas sanitárias preventivas e intensificar a fiscalização, em especial em regiões de fronteiras, de grandes fluxos e nas divisas de estados”.

Santa Catarina já demonstrou capacidade técnica em situações anteriores, como no enfrentamento da febre aftosa. Agora, o desafio exige ações coordenadas em diferentes frentes. “É fundamental investir em pesquisa, desenvolvimento de testes rápidos e acessíveis, fortalecer a vigilância ativa em áreas rurais em torno das granjas ou incubatórios comerciais, reforçar a biossegurança, promover a educação e informação a respeito do tema gripe aviária, e fortalecer a coordenação e transparência das informações entre diferentes órgãos”, argumenta Sandra.

Para a docente, as políticas públicas brasileiras de mitigação de riscos sanitários são, em geral, adequadas para lidar com um surto de gripe aviária. Ainda assim, ela considera crucial que os esforços sejam aprimorados em áreas como coordenação, comunicação, vigilância, biossegurança e pesquisa. “É essencial uma articulação mais estreita entre o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Ministério da Saúde e outras entidades envolvidas, como as secretarias estaduais e municipais de Saúde, para garantir uma resposta integrada e eficaz, especialmente quando há possibilidade de transmissão para humanos”, avalia.

Em momentos como este, o papel do poder público é não apenas no controle da doença, mas também no combate à desinformação. A transparência na divulgação de dados e o diálogo aberto entre governo, setor produtivo e sociedade são vitais para manter a credibilidade do setor avícola e a confiança do consumidor. Essas práticas são decisivas para evitar pânicos desnecessários e preservar a estabilidade econômica do agronegócio durante crises sanitárias. 

“Comportamentos inesperados, aumento súbito de casos, alteração na gravidade dos sintomas são alertas epidemiológicos que indicam a necessidade de reforço na vigilância. Esses alertas não são catastróficos ou sentenças de uma nova pandemia. É papel da vigilância também orientar a população em geral e desmentir fake news, que muitas vezes usam os dados para criar pânico, com intenções duvidosas”, alerta a professora Vanessa. “As pessoas encontrarão nos principais meios de comunicação os esclarecimentos e as informações a respeito da gripe. Se tiver dúvidas sobre esse assunto, procure os sites oficiais”, complementa Sandra.

Em um cenário de alta interdependência entre segurança sanitária, economia e abastecimento, a gripe aviária revela-se muito mais do que uma preocupação veterinária, pois tem potencial para afetar o prato do consumidor, a saúde pública e a sustentabilidade de um mercado. Diante de incertezas, a confiança na ciência e na transparência do poder público torna-se fundamental. Ao consumidor, cabe buscar a informação qualificada; ao poder público, garantir que essa confiança seja justificada por ações consistentes. Afinal, o que está em jogo vai além do frango no prato: é a segurança alimentar e o futuro da fonte de renda de milhares de famílias em todo o país.

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Precisamos de carne?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 mai 2025 15:38 Data de Atualização: 29 mai 2025 11:56

O debate sobre o consumo de carnes tem ganhado força nos últimos anos diante do crescimento de pessoas que não comem carne (vegetarianas) ou não usam qualquer produto que tenha origem animal ou seja testado em animais (veganas). A busca por uma alimentação mais saudável e preocupações com o bem-estar animal e com o meio ambiente estão entre os motivos que levam à adoção dessas práticas.

Em pesquisa encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em 2018, um total de 14% dos entrevistados disse ser vegetariano. Esse percentual é 75% maior que o registrado em outra pesquisa do mesmo instituto em 2012. 

Ao mesmo tempo, a produção mundial de carnes segue crescente. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) apontam que essa produção quintuplicou entre 1961 e 2023 (de 71 milhões de toneladas para 362 milhões em 2023). Além do aumento da população do planeta (que passou de cerca de 3 bilhões em 1960 para aproximadamente 8 bilhões em 2022), a maior demanda pelas carnes decorre principalmente do aumento do poder aquisitivo das populações - em geral, quanto mais rico o país, maior o consumo de carne per capita.

As carnes fizeram parte da dieta de nossos antepassados há cerca de 5 milhões de anos e continuaram sendo consumidas pelas diferentes espécies de seres humanos - incluindo a nossa, a Homo sapiens. Elas são uma rica fonte de proteína, nutriente que atua na construção dos nossos músculos, tecidos e ossos. A produção de carnes também é relevante para as economias brasileira e catarinense, ao mesmo tempo que tem impactos ambientais, como a perda da biodiversidade e a emissão de gases do efeito estufa. . 

Para abordar os diferentes aspectos sobre o consumo de carne, conversamos com cinco especialistas:

- Andrea Rita Marrero, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestra e doutora em Genética e Biologia Molecular. Ministra a disciplina “Evolução Humana” no curso de graduação em Biologia;

- Eduardo Silveira, professor de Biologia do Câmpus Florianópolis do IFSC. Mestre e doutor em Educação;

- Luciano Heusser Malfatti, professor do Câmpus Canoinhas do IFSC. Graduado em Química Industrial dos Alimentos, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos;

- Milene Marquezi, professora do Câmpus Xanxerê do IFSC. Mestra e doutora em Ciência e Tecnologia dos Alimentos;

- Roberta Garcia Barbosa, professora de Produção Alimentícia do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC. Mestra e doutora em Ciência de Alimentos. Tem experiência profissional com pesquisa e desenvolvimento em um frigorífico produtor de carne suína. 
 

O ser humano precisa comer carne?

O consumo de carne é comum a todos os primatas - grupo de mamíferos no qual o ser humano está inserido, além de macacos e lêmures, por exemplo - e está presente desde os nossos ancestrais que viveram há aproximadamente 5 milhões de anos. Isso não quer dizer que somos carnívoros, mas sim “onívoros”, pois consumimos alimentos de origem animal e vegetal.

A professora Andrea Rita Marrero, da UFSC, explica que nosso corpo adaptou-se a uma dieta onívora. Os dentes e o sistema digestório dos seres humanos são adaptados para a onivoria. “Sempre tivemos esse hábito onívoro, no qual comer alguma carne que traz bastante proteína era uma excelente opção para chegar aos melhores níveis nutricionais”, conta. 

Embora algumas hipóteses, como o de que o cérebro humano desenvolveu-se por causa do consumo de carne, não tenham comprovação científica, Andrea destaca que o consumo de carne teve impacto na forma como o ser humano passou a se organizar em grupos e depois em sociedades mais complexas para caçar e proteger de outros predadores os alimentos obtidos.

Além disso, saciar mais rapidamente as necessidades de proteína permitiu ao ser humano mais tempo livre, pois não precisava mais passar muito tempo coletando alimentos, o que colaborou com o desenvolvimento do pensamento e das artes, entre outros.

O principal nutriente que as carnes nos fornecem é a proteína. Elas possuem uma concentração maior de proteína que alimentos de origem vegetal. Além disso, a proteína de origem animal possui aminoácidos que não são encontrados nos vegetais.

Outro nutriente que se encontra nos produtos de origem animal - incluídos aí leite e ovos - é a vitamina B12, que atua na produção de energia das células e na manutenção e do reparo de componentes do sistema nervoso. Por fim, os peixes fornecem a ômega-3, um tipo de gordura considerada “boa”.

“Ela [ômega-3] está relacionada também com o sistema nervoso central. Então, ela também é boa para a saúde cardiovascular e a saúde do nosso coração, do nosso cérebro, porque ela facilita que a gente fique mais concentrado, melhorando o aprendizado, a saúde ocular…”, explica Milene Marquezi, professora do Câmpus Xanxerê do IFSC. Ela lembra que oleaginosas, como as nozes, também são fonte de ômega-3.

No vídeo, os professores detalham como a proteína e a vitamina B12 agem no organismo e o que é preciso ficar atento se você deixar de consumir produtos de origem animal:
 

 

Uma dieta sem carne é mais ou menos saudável?

Há vários exemplos de esportistas veganos e vegetarianos, como o jogador de futebol Lionel Messi e o piloto Lewis Hamilton, da Fórmula 1, o que indica que é possível manter mesmo uma vida de atleta sem consumir carne ou outros produtos de origem animal. No entanto, como visto no vídeo, a suplementação de nutrientes provavelmente será necessária. Outro cuidado que deve ser tomado inclui observar a quantidade de carboidratos ingeridos.

O professor Luciano Heusser Malfatti, do Câmpus Canoinhas do IFSC, alerta que os grãos possuem muito amido, que é um carboidrato. “Se eu escolher uma nutrição excludente de proteínas animais, eu vou ter que comer uma quantidade de grãos ou de cereais muito grande. Então eu estaria consumindo muito mais calorias numa dieta vegana para poder ter a quantidade de proteínas necessárias do que uma dieta não vegana”, afirma. O consumo excessivo de carboidratos pode piorar o índice glicêmico (“açúcar no sangue”), causar aumento de peso corporal e trazer problemas de saúde como obesidade e diabetes.

A professora Roberta Garcia Barbosa, do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC, destaca ainda a questão do ferro: “apesar de os vegetais possuírem esse composto químico na sua composição, o ferro da carne e dos outros produtos de origem animal é um ferro que vai ser muito mais absorvido pelo nosso corpo. Então, apesar de ele estar em menor quantidade na carne, a sua absorção e a sua ação no corpo, ela é muito mais efetiva.”

Roberta  ressalta a importância de um acompanhamento com nutricionista e médico ao optar por uma alimentação que exclui carne e derivados. 

Por outro lado, quem consome carne e derivados deve ficar atento ao teor de gordura, principalmente de alguns cortes da carne bovina e dos embutidos, nos quais são adicionadas gorduras no processamento.

“Vamos fazer uma picanha num churrasco, a gordura que vai dar o sabor para a carne, mas não é adequado a gente consumir aquela quantidade de gordura. Porque tem o risco de doenças cardiovasculares que estão envolvidas com o consumo de gordura saturada. Então, o consumo de carne é benéfico, mas sempre preferir aquelas carnes que sejam mais magras, que não tenham tanta gordura saturada na sua composição", explica a professora Milene Marquezi, do Câmpus Xanxerê do IFSC.

 

Derivados de carne têm a mesma qualidade nutricional da carne in natura?

Não. O processo de industrialização e conservação pode levar à perda de nutrientes presentes na carne in natura, além de adicionar substâncias que fazem mal ao organismo, como gordura saturada e sódio.

Confira no quadro abaixo as principais diferenças entre carne in natura e as processadas.

 

O quanto a carne significa para a economia brasileira?

O setor de carnes - bovina, suína e de frango - representa cerca de 31% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro, sendo que o Brasil é o segundo país do mundo que mais produz carnes bovina e de frango e o que mais exporta.

A professora Roberta Garcia destaca o quanto o setor representa para algumas regiões, como o Oeste de Santa Catarina: “além dos frigoríficos, tem uma grande cadeia de pessoas que necessitam deste setor para a sobrevivência. Desde a produção dos grãos para ração animal até todo o setor de transporte e logística. Então é a base daqui da nossa economia. Se um frigorífico fecha em muitas cidades de 30, 40 mil habitantes, a economia para.” 

Segundo a professora do IFSC, um grande frigorífico pode ter até 2 mil pessoas trabalhando nele.

Roberta comenta, ainda, que o consumo de carne geralmente reflete o poder aquisitivo de uma população. “A gente tem essa relação cultural muito forte com o consumo de carne, principalmente de carne bovina. Então, nós poderíamos dizer que numa hierarquia alimentar, quem consome mais carne bovina estaria, então, com uma condição sócio econômica mais forte em função do custo que a gente tem”, diz. 

“A gente tem uma simbologia forte no consumo da carne em relação a até mesmo aspectos econômicos. Significa que se está bem economicamente, que se pode fazer um churrasco e pode comprar a carne e comemorar”, complementa o professor Eduardo Silveira, do Câmpus Florianópolis do IFSC.

O aumento do poder aquisitivo pode ser um dos fatores que explica o crescimento no consumo de carnes, mesmo que proporcionalmente haja mais veganos e vegetarianos na população a cada ano.
 

 

A produção de carnes impacta o meio ambiente?


Se no passado distante de milhares de anos nossos ancestrais não se preocupavam em refletir sobre o bem-estar das presas que caçavam na luta pela sobrevivência, hoje são cadas vez mais numerosas as vozes que se levantam contra métodos de criação e abate de animais que consideram cruéis e contra impactos da produção de carnes para o meio ambiente.

“O ser humano está olhando o animal de outra forma, olhando o consumo de carne de outra forma”, diz o professor Eduardo Silveira, que leciona Biologia no Câmpus Florianópolis do IFSC. Segundo ele, as pessoas passaram a ver os animais como seres que precisam de uma ética na nossa relação com eles. 

“A gente tem hoje acesso à informação muito mais fácil. Então, quem quer pesquisar e se envolver com esse tipo de temática tem bastante possibilidade para fazer isso”, explica Eduardo.

Além dos animais usados pela indústria, a produção de carnes pode ter impacto também para o meio ambiente. Em 2016, o setor agropecuário era responsável por 69% das emissões de gases causadores do efeito estufa no Brasil, segundo levantamento do Observatório do Clima, uma rede de entidades ambientalistas da sociedade civil.  Estão incluídos nesse percentual os poluentes decorrentes do processo digestivo dos rebanhos, o uso de fertilizantes e o desmatamento para abertura de novas áreas para a atividade econômica.

A professora Roberta Garcia Barbosa avalia que diminuir o consumo de carne pode ser benéfico para o meio ambiente, ao diminuir gases do efeito estufa, o consumo de água e o uso de fertilizantes e pesticidas em toda a cadeia produtiva da carne, incluindo a produção de milho e soja para ração. Segundo ela, alguns autores apontam que são necessários até 1.800 litros de água para produzir 1kg de carne bovina e 500 litros para produzir 1kg de carne de frango - número que pode variar dependendo da pesquisa e dos autores.

“Se a gente consegue diminuir ou tirar [o consumo de carne] um dia por semana, por exemplo. Imagine que efeito teria isso no nosso meio ambiente. Então, tem que começar a pensar em cada um fazer a sua parte. Eu discuto muito isso com os alunos”, conta. 

O professor Luciano Heusser Malfatti tem uma visão diferente e comenta que, nas últimas décadas, o Brasil aumentou o seu rebanho bovino ao mesmo tempo em que diminuiu a área necessária para a pecuária. Entre os motivos para isso, estão o melhoramento genético do pasto e dos próprios animais - por meio de cruzamentos, criam-se raças que produzem mais carne por quantidade de pasto consumido. “Eu diria que essa parte ambiental, de desmatamento, é mais falta de políticas públicas adequadas do que realmente para produção de pasto”, opina.

Luciano aponta, ainda, que o sistema de produção de gado no Brasil gera menos gases do efeito estufa que o de países como os Estados Unidos.”Se for pegar todo o ciclo de carbono, a gente tem créditos em carbono ainda. O Brasil é o país que mais possui créditos de carbono com a pecuária. No Brasil, a maior parte do gado é criada a pasto. Lá [nos Estados Unidos] não, até pelo clima, em alguns lugares, eles criam o gado mais confinado”, explica. 

Com relação à poluição de rios, a professora Roberta Garcia Barbosa comenta que existem diversas leis que abordam o tratamento de água e de efluentes de resíduos sólidos que os frigoríficos devem cumprir. “Isso é muito cobrado pela vigilância e pelos órgãos de fiscalização, que são responsáveis por cobrar esses padrões. Então, muitas vezes, a água que é retirada do rio quando ela volta para o meio ambiente após ser utilizada dentro do frigorífico, ela está com condições iguais ou até melhores do que foram retiradas”, afirma.

Por outro lado, segundo Luciano Malfatti, 98% da água usada na criação de gado é a chamada “água verde”, proveniente principalmente de chuvas. “Então, se você eliminar essa água verde, pegar só a água azul [que vem lagos e rios] e a água cinza [desperdiçada],a carne está bem atrás de muitos outros sistemas produtivos como de ervilhas, como de feijão, como de soja”, diz.

A queda na biodiversidade é outro problema que pode ser causado pela produção de carnes. Hoje no Brasil existem aproximadamente 238 milhões de cabeças de gado - dado de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, o que faz de bois e vacas os mamíferos mais numerosos do território brasileiro. Os galináceos (galos e galinhas) são ainda mais numerosos, chegando a 1,5 bilhão. Há ainda no país grande quantidade de porcos (cerca de 44 milhões), ovelhas (21 milhões), codornas (14 milhões) e cabras (12 milhões), entre outros. Esses animais estão ocupando espaços onde antes havia matas e florestas e uma diversidade maior de seres vivos.

“Quando a gente começa a ter perda de biodiversidade, a gente começa a ter ambientes mais instáveis e ambientes mais frágeis, ecossistemas mais fragilizados. Então, você começa a ter um colapso do funcionamento desse sistema, que estava em equilíbrio ali e isso começa a ter impactos que a gente dificilmente consegue mensurar todos eles”, diz Eduardo Silveira. 

Eduardo acredita que os sistemas de produção de carnes precisam ser repensados para diminuir os impactos ambientais. Visão parecida tem a professora Andrea Rita Marrero, da UFSC, para quem “nós temos o recurso na mão de poucos e esses poucos utilizam sistemas extrativistas extremamente agressivos”. “A gente come o que esses poucos decidem. Essa é a verdade”, afirma.

 

Para saber mais

Como vimos, o debate sobre o consumo de carne envolve diversos fatores e não há uma resposta única, nem fácil. O  IFSC possui diversos cursos, em diferentes níveis, que abordam temas relacionados a agropecuária, alimentos, produção de carnes, nutrição e meio ambiente, nos quais os vários aspectos relacionados ao consumo de carne podem ser aprofundados pelos estudantes.

 

Cursos técnicos

- Agroecologia (Câmpus Lages)
- Agropecuária (câmpus São Carlos e São Miguel do Oeste)
- Alimentos (câmpus Canoinhas, São Miguel do Oeste e Xanxerê)
- Aquicultura (Câmpus Itajaí) 
- Cozinha (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Gastronomia (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Meio Ambiente (câmpus Criciúma, Florianópolis e Gaspar)
- Nutrição e Dietética (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Recursos Pesqueiros (Câmpus Itajaí)

 

Proeja (curso técnico + educação de jovens e adultos, a EJA)

- Agroecologia (Câmpus Canoinhas)
- Cozinha (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Manipulação e Processamento de Alimentos (Câmpus Xanxerê)

 

Cursos de graduação

- Agronomia (câmpus Canoinhas e São Miguel do Oeste)
- Alimentos (câmpus Canoinhas e São Miguel do Oeste)
- Engenharia de Alimentos (Câmpus Urupema)
- Gastronomia (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Gestão do Agronegócio (Câmpus Lages)

Cursos de especialização

- Ciência e Tecnologia de Alimentos (Câmpus Canoinhas)
- Ciência e Tecnologia de Alimentos com Ênfase em Alimentos Funcionais (Câmpus Xanxerê)
- Cultura e Sociobiodiversidade na Gastronomia (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Desenvolvimento Rural Sustentável (Câmpus Canoinhas)
- Qualidade e Análise de Alimentos e Bebidas (Câmpus São Miguel do Oeste)

Curso de mestrado

- Clima e Ambiente (câmpus Florianópolis, Garopaba e Itajaí)

 

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Medicina Nuclear: qual a contribuição para o diagnóstico e tratamento de doenças?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 abr 2025 14:54 Data de Atualização: 29 abr 2025 18:56

A Medicina Nuclear é um ramo da Medicina que abrange diagnóstico e tratamento de doenças por meio do uso de radiofármacos, que são a união de um fármaco sem ação farmacológica e um elemento radioativo, utilizados em exames diagnósticos para visualização da fisiologia (funcionamento) dos órgãos ou para tratamentos de algumas doenças, como tipos específicos de câncer.

Trata-se de uma técnica diferente da radioterapia, mais difundida, principalmente no tratamento contra o câncer: na radioterapia, o equipamento emite a radiação que vai atuar sobre o tumor do paciente, de “fora para dentro”. Na Medicina Nuclear, o radiofármaco, após ser administrado (injetado ou via oral) no paciente, libera energia, que é captada por equipamentos externos, “de dentro para fora”, no caso de diagnósticos que envolvem a  fisiologia dos órgãos. 

Conversamos com a professora do curso superior de tecnologia (CST) em Radiologia e do mestrado profissional em Proteção Radiológica, Tatiane S. C. Camozzato, sobre as potencialidades dessa área e as pesquisas desenvolvidas no Câmpus Florianópolis. Tecnóloga em Radiologia, a professora Tatiane é mestre em Fisiologia e doutora em Ciências da Saúde. 

Você vai ver a seguir:

  • O que são radiofármacos?
  • Quando surgiu a Medicina Nuclear?
  • Para que tipos de tratamento esses radiofármacos são indicados? 
  • O que são radiofármacos de meia vida longa e meia vida curta?
  • Quais as vantagens e riscos em relação aos tratamentos convencionais?
  • Qual o cenário da Medicina Nuclear no Brasil?
  • Os profissionais formados no IFSC estão capacitados para atuar com essa área do conhecimento?

O que são radiofármacos?

A Medicina Nuclear utiliza medicamentos chamados radiofármacos, que são injetados no paciente com o intuito de obter imagens diagnósticas ou tratar algumas doenças específicas. Os radiofármacos são a união de um fármaco que não tem ação farmacológica e um radionuclídeo, formando um traçador radioativo que é usado em exames como cintilografia ou PET-CT para marcar determinada estrutura de um órgão. 

O diagnóstico por Medicina Nuclear é utilizado para verificar a fisiologia do paciente, ou seja, o funcionamento dos órgãos. Segundo a professora Tatiane, “quando a gente quer imagem anatômica, imagem bonita do ponto de vista estrutural, a gente usa outras imagens, como ressonância, tomografia. A medicina nuclear mostra o funcionamento, que é a fisiologia. E também é usada em tratamentos, não só no diagnóstico”. 


Quando surgiu a Medicina Nuclear?

A Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) informa que essa especialidade surgiu em 1923, a partir de experimentos do químico George de Hevesy. A partir de 1956, houve uma evolução, com a introdução da técnica de radioimunoanálise. Em 1972, a Organização Mundial de Saúde definiu a Medicina Nuclear como a especialidade que “engloba aplicações de materiais radioativos no diagnóstico, terapia e pesquisa”. Segundo a SBMN, “desde então, essa disciplina tem se desenvolvido continuamente, desempenhando um papel cada vez mais crucial na medicina, especialmente no âmbito do diagnóstico”.

A professora Tatiane explica que, no Brasil, a Medicina Nuclear se originou com o iodo-131, utilizado em tratamentos da glândula tireoide, como o hipertireoidismo e o câncer de tireoide. Após alguns anos começou a se destacar a cintilografia do miocárdio, um tipo de exame muito utilizado para diagnóstico de problemas do coração. Em seguida surgiu a Tomografia por Emissão de Pósitrons e Tomografia Computadorizada (PET-CT), utilizada no diagnóstico de vários tipos de tumores. 

Atualmente, as pesquisas e usos estão voltados aos teranósticos, ou seja, radiofármacos utilizados tanto no diagnóstico quanto em terapias, entre eles o próprio iodo-131, amplamente aplicado no tratamento de problemas da tireoide, como hipertireoidismo ou tumores.

Para que tipos de tratamento esses radiofármacos são indicados? 

A utilização de radiofármacos é dividida em duas vertentes: diagnóstico e tratamento. No diagnóstico, além de detectar precocemente vários tipos de doenças, os radiofármacos permitem o monitoramento mais preciso de alguns tratamentos. A professora Tatiane explica que os radionuclídeos são associados a fármacos que “levam” o radiofármaco até o órgão a ser examinado. Alguns exemplos de diagnóstico são cintilografia óssea, da tireoide, pulmonar e  renal.

Na área das terapias, o paciente  que recebe uma dose do iodo-131 precisa ficar internado em um quarto de isolamento com blindagem específica até que a taxa de exposição atinja os limites previstos em legislação para a alta radiométrica.  Além de tratamentos para tireoide, os radiofármacos são utilizados para outras  doenças, como alguns casos específicos de câncer de próstata, neoplasias neuroendócrinas, metástase óssea e tumores do fígado.
Para saber mais sobre o uso e pesquisas com radiofármacos, acesse os livros organizados pela professora Tatiane e estudantes do Câmpus Florianópolis disponíveis no Portal do IFSC: Medicina Nuclear na Prática e Terapias em Medicina Nuclear.

O que são radiofármacos de meia vida longa e de meia vida curta?

A meia-vida dos radiofármacos é um fator importante em suas aplicações. Radionuclídeos com meia-vida curta, como o tecnécio 99 e o flúor 18 (FDG), são ideais para diagnóstico, pois a radiação é eliminada rapidamente do corpo do paciente. Segundo a professora Tatiane, 80% dos exames em Medicina Nuclear utilizam o tecnécio 99m, que tem meia-vida baixa, uma energia pura e é facilmente obtido nas clínicas por um gerador fornecido pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

Já o flúor 18, utilizado em exames PET-CT, tem uma meia-vida muito curta, exigindo produção e entrega rápidas por meio de equipamentos chamados cíclotrons. Por exemplo, a Clínica Bionuclear, em Florianópolis, que realiza esse tipo de exame, recebe o Flúor 18 do cícloton de Curitiba. A Bionuclear é a clínica com a qual o IFSC mantém convênio para pesquisas e estágio dos estudantes do CST em Radiologia e do mestrado em Proteção Radiológica.

A professora Tatiane cita a pesquisa do egresso do CST em Radiologia e do mestrado em Proteção Radiológica, Pietro Paolo de Barros, que desenvolveu uma ferramenta que calcula o tempo em que o iodo 131 permanece no corpo do paciente, levando em conta vários fatores, como ingestão de água, índice de massa corpórea, atividade do radiofármaco, entre outros. Essa ferramenta permite que a terapia dos pacientes seja melhor planejada e reduza o tempo em que o paciente permanece isolado, melhorando a qualidade de vida e a gestão do serviço de saúde. 

A dissertação de mestrado do Pietro, "Análise da Radiometria Realizada em Pacientes Submetidos à Radioiodoterapia", resultou no artigo “Analysis of Radiometry on Patients Undergoing Radioactive Iodine Therapy”, publicado no Journal of Nuclear Medicine Technology B2 - Med II), que conquistou o 3º lugar no prêmio Editor’s Choice do Journal of Nuclear Medicine Technology. O prêmio, concedido pelos editores da revista, reconhece os melhores artigos do ano e é promovido pela Society of Nuclear Medicine and Molecular Imaging Technologist Section (SNMMI-TS). Pietro foi convidado a participar da cerimônia de premiação durante o congresso anual da sociedade, nos Estados Unidos, em 2016, recebendo uma placa comemorativa e um prêmio em dinheiro no valor de 450 dólares. Pietro foi orientado pela professora Tatiane e pelo professor Flávio Soares.

Atualmente, Pietro reside no Canadá, onde atua em dois importantes centros na área de Radiologia: o St. Paul’s Hospital e o centro de pesquisa clínica da University of British Columbia (UBC), consolidando uma carreira internacional e levando o nome do IFSC e do mestrado para além das fronteiras brasileiras.

Quais as vantagens e riscos em relação aos tratamentos convencionais?

O uso da Medicina Nuclear envolve a avaliação do benefício diagnóstico ou terapêutico em relação ao mínimo risco de exposição à radiação.

Apesar de envolver material radioativo, os radiofármacos são bastante seguros, pois são administrados em doses muito baixas, calculadas individualmente para cada paciente. A professora Tatiane exemplifica: “Quando a gente pensa num radiofármaco administrado na pessoa e comparamos uma tomografia que usa meios de contraste, esses meios de contraste têm muitas reações adversas. Já os radiofármacos praticamente não trazem reações adversas”.

Em pesquisa realizada para o livro Medicina Nuclear na Prática, Tatiane e os estudantes pesquisaram os efeitos adversos possíveis na utilização de radiofármacos, todos raros ou raríssimos. 

Mesmo sendo um tipo seguro de terapia, a Medicina Nuclear envolve alguns riscos, especialmente para mulheres grávidas, sob risco de má formação do feto. Outros cuidados dizem respeito aos pacientes que têm ao receber esses medicamentos e ficam com alguma radioatividade no corpo, o que é manejável com a orientação profissional. 

Qual o cenário da Medicina Nuclear no Brasil?

Segundo a professora Tatiane, o Brasil tem avançado na Medicina Nuclear, porém, há uma disparidade entre a oferta de tratamento e diagnóstico na rede privada e no Sistema Único de Saúde (SUS). “São tratamentos bastante caros, e temos dificuldade de tê-los no SUS, mas o paciente que tem condições financeiras ele tem acesso a esses tratamentos nos grandes centros, inclusive aqui em Florianópolis", destaca. O SUS fornece, basicamente, a iodoterapia e alguns tipos de exames diagnósticos. 

A professora lembra que um grande entrave no Brasil é a dependência da importação de insumos para a produção dos radiofármacos, o que frequentemente leva a problemas de desabastecimento e oscilações de preço de acordo com o mercado internacional. Há alguns anos o Brasil vem investindo no projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que daria ao país a autonomia na produção de radiofármacos, porém, o projeto ainda está sem data de início das atividades. 

A regulação e a produção de radiofármacos no Brasil está ao encargo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), sendo a sua principal unidade produtora o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, além de outras unidades espalhadas pelo Brasil.
Segundo a própria CNEN, em 2022 existiam 432 serviços de Medicina Nuclear no Brasil. É a CNEN que autoriza o funcionamento de clínicas e hospitais que atuam com a Medicina Nuclear, que necessitam ter um supervisor de proteção radiológica e responsável técnico, profissionais certificados pela própria CNEN. 

Os radiofármacos fornecidos pela CNEN propiciam a realização de aproximadamente um milhão e meio de procedimentos de medicina nuclear por ano, sendo que aproximadamente 30% têm cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS). O portfólio de produtos da CNEN conta atualmente com 38 radiofármacos fornecidos para a área médica (acesse a página da CNEN e saiba mais). Em 2006 houve um avanço, com a quebra do monopólio do fornecimento do flúor 18, utilizado em exames de PET-CT, o que permitiu a entrada de produtores privados neste segmento.

A professora Tatiane explica que o Brasil é um dos países da América Latina com menos número de serviços de  Medicina Nuclear, com Estados que não possuem nenhum serviço desse tipo. Porém, apesar disso, “é uma área que tende a crescer, que tem muito espaço ainda, e que muitas pessoas não têm acesso aos exames de Medicina Nuclear, que salvam vidas. São produtos caros em qualquer lugar do mundo, e como a gente não produz a maioria dos insumos, só importa, chega caro aqui também”. 


Os profissionais do IFSC estão capacitados para atuar com essa área do conhecimento?

O IFSC disponibiliza disciplinas de Medicina Nuclear tanto na graduação quanto no mestrado, além de outras disciplinas correlatas, como anatomia, fisiologia e proteção radiológica. Os estudantes são capacitados com conhecimentos teóricos e práticos sobre os radiofármacos, técnicas de diagnóstico e tratamento, além das diferenças entre medicina nuclear e radioterapia. 

A professora Tatiane incentiva os alunos a desenvolverem Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) em projetos de Medicina Nuclear, o que facilita na hora de buscar estágio na área. Ela destaca que muitos egressos do curso superior de tecnologia em Radiologia do IFSC atuam em clínicas de Medicina Nuclear em Santa Catarina. Na Clínica Bionuclear, os estudantes realizam estágio e muitos egressos já foram contratados. 

Já o Mestrado Profissional em Proteção Radiológica do IFSC oferece a disciplina de Proteção Radiológica em Medicina Nuclear. O programa de pós-graduação tem como foco a pesquisa aplicada e a melhoria da prática profissional na área da proteção radiológica. A professora explica que “o mestrado busca que os alunos tragam demandas de seus locais de trabalho para desenvolver projetos que melhorem o dia a dia dos serviços”.

Trata-se de uma área promissora para os profissionais formados no IFSC, aptos a desenvolverem pesquisas e atuarem nas mais diversas atividades que fazem parte da Medicina Nuclear. Tatiane expressa o desejo de motivar os alunos a prestarem o exame da CNEN para se tornarem supervisores de proteção radiológica, uma função importante dentro dos serviços de Medicina Nuclear.

Como estudar no IFSC

Para quem tem interesse em estudar ou desenvolver projetos de pesquisa em Medicina Nuclear, os cursos do IFSC, no Câmpus Florianópolis, são:

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COP 30: O que é e para que serve o evento que ocorrerá em novembro no Brasil?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 20 mar 2025 19:45 Data de Atualização: 20 mar 2025 20:33

A COP 30, ou 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), será realizada na cidade de Belém, no Pará, de 10 a 21 de novembro. O evento reunirá líderes mundiais, cientistas, ativistas e representantes de diversos setores para discutir e buscar soluções para um dos maiores desafios da humanidade: as mudanças climáticas.

Mas o que isso tem a ver com você, que mora em Santa Catarina e/ou está buscando uma formação profissional no IFSC? Tem muito a ver. Afinal, as decisões tomadas na COP 30 podem ter impacto diretamente na economia, no mundo do trabalho e, naturalmente, no meio ambiente – inclusive na nossa região.

Além disso, neste sábado, 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Água, uma data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1993 para conscientizar a população sobre a importância da água para a vida e a necessidade de preservação desse recurso finito. As mudanças climáticas, tema central da COP 30, afetam a disponibilidade e a qualidade da água em todo o mundo. Portanto, vamos entender também como a COP pode auxiliar na preservação deste recurso essencial.

O que é a COP e por que ela importa?

A COP é um evento anual que reúne países signatários da UNFCCC para negociar acordos e políticas globais de combate às mudanças climáticas. Desde a primeira edição, em 1995, as COPs têm sido palco de decisões importantes, como o Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015), que estabeleceu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis da época pré-industrial.

Aumento da temperatura da superfície global, por mês, em relação ao período pré-industrial (1850 a 1900). Fonte: Copernicus (componente de observação da Terra do programa espacial da União Europeia). Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrialp

No entanto, os compromissos assumidos até agora não têm sido suficientes. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicados em 2023, o mundo já aqueceu 1,1°C e os efeitos são visíveis: ondas de calor, secas, enchentes e furacões mais intensos e frequentes. Se não agirmos rapidamente, os impactos previstos serão catastróficos.

Mas o aumento da temperatura não está apenas nas medições realizadas ao redor do mundo. Se você estava por aqui durante o Carnaval deste ano, percebeu com facilidade esse fenômeno: as temperaturas nos primeiros dias de março ficaram entre 5ºC e 7ºC acima da média. Isso porque a região Centro-Sul do Brasil passou pela quinta onda de calor registrada apenas neste ano.


Anomalias na temperatura do ar global em junho de 2024, comparado ao período de 1981 a 2010. Fonte: Copernicus (componente de observação da Terra do programa espacial da União Europeia). Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrial

Segundo a professora Thaís Collet, responsável pela área de Meio Ambiente no Câmpus Jaraguá do Sul-Rau, a COP representa uma oportunidade para que líderes globais, pesquisadores, ONGs, empresas do setor privado e comunidade debatam os desafios e as consequências ligadas às mudanças climáticas. “[A COP] é onde se busca implementar os tratados mais importantes quanto ao clima, especificamente quanto à redução nas emissões dos GEE [Gases de Efeito Estufa: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3) e clorofluorcarbonos (CFCs)]”, explica.

Por que a COP 30 é a mais importante da história?

A COP 30 será realizada em um momento crítico. Em 2023, o Relatório de Lacunas de Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alertou que as metas atuais dos países levariam a um aumento de 2,5°C a 2,9°C até o final do século, muito acima do limite seguro. A Conferência, portanto, possibilitará aos países revisarem e ampliarem seus compromissos de redução de emissões.

Além disso, a COP 30 ocorrerá no Brasil, um país estratégico no combate às mudanças climáticas devido à sua biodiversidade e ao papel da Amazônia no equilíbrio climático global. O evento também destacará a importância da justiça climática, garantindo que os países mais vulneráveis – como países pobres e pequenos estados insulares – recebam apoio financeiro e tecnológico para se adaptarem aos impactos climáticos.


Anomalias e temperaturas extremas na superfície do oceado em junho de 2024, comparado ao período de 1991 a 2020. Fonte: Copernicus (componente de observação da Terra do programa espacial da União Europeia). Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrial

A realização da COP 30 na Amazônia também deve ter um efeito sobre as negociações que ocorrem durante o evento. “As autoridades mundiais estarão em meio à maior floresta tropical do mundo, com o maior rio em volume d’água, que possui importância para a regulação do clima. Ao conhecer de perto essa realidade, essas autoridades poderão ver e sentir aquilo que só enxergavam em livros e telas”, enfatiza Thaís.

Emergências climáticas próximas de nós

Você pode pensar que as mudanças climáticas são um problema distante, mas os efeitos já estão batendo à nossa porta. No sul do Brasil, temos vivido eventos extremos com mais frequência. Em 2023, por exemplo, o estado de Santa Catarina enfrentou enchentes históricas que desalojaram milhares de famílias e causaram prejuízos econômicos significativos. A chuva que afetou regiões como Vale do Itajaí, Oeste, Serra e deixou cerca de 70 cidades em situação de emergência e 11 em estado de calamidade pública.

Segundo estimativa realizada da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), episódios repetidos de fortes chuvas, granizo, vendavais e tornados afetaram áreas urbanas e rurais, causando, em 2023, prejuízos a 96 mil famílias que viviam da agricultura e da pesca. O cálculo é de que as perdas naquele ano devido a eventos climáticos extremos tenham chegado a R$ 2,97 bilhões. Houve, também, muitos prejuízos indiretos, em função de doenças nas lavouras, perda de produtividade por atraso de plantio, problemas de floração e polinização, além de perdas de solo difíceis de mensurar no curto prazo, conforme avaliado pela Epagri.


Temperatura média mensal na superfície terrestre. Fonte: Our World in Data. Disponível em: https://ourworldindata.org/grapher/monthly-average-surface-temperatures-by-year

Outro exemplo é o aumento da temperatura média no sul do país. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a temperatura média anual em Santa Catarina subiu 1,2°C nos últimos 50 anos. Isso pode parecer pouco, mas tem impactos diretos na agricultura, na saúde e na biodiversidade local.

Um olhar crítico

Mesmo com os perigos do aquecimento global sendo notados com cada vez mais frequência, uma barreira ainda parece difícil de ser transposta na população em geral: a falta de conexão das pessoas com a natureza. Essa é a opinião da professora Thaís Collet para tentar compreender como, apesar das evidências, muitas pessoas ainda não dão a devida importância ao tema do combate às mudanças climáticas.

A professora do IFSC propõe uma reflexão: “De onde vem o leite que você toma? De onde vêm os minerais e as demais matérias primas para produzir a tecnologia que usamos?”. Aparentemente, segundo a docente, a sociedade moderna está “deslumbrada” com avanços tecnológicos, mas desconectada das bases que sustentam a vida. “As pessoas não param para pensar no impacto da extração de recursos ou nos resíduos que geram. Não há tecnologia que substitua os serviços ecossistêmicos, como a produção de água, ar limpo e solo fértil”, afirma.

Em sua experiência como docente, Thaís percebe essa desconexão, por exemplo, entre os estudantes de engenharia, que muitas vezes carregam consigo a máxima “o engenheiro resolve problemas”, mas nem sempre se atentam às consequências destas soluções. “Será que não estamos resolvendo um problema e criando outro? É essencial que as pessoas entendam que a natureza não é um serviço à disposição, mas a base indispensável para a vida”, ressalta.


 

Os limites do modelo econômico

Um dos pontos mais relevantes na avaliação da professora do IFSC é a incompatibilidade entre o modelo econômico atual e a preservação ambiental. Ela explica que o sistema capitalista, baseado na expansão contínua e no acúmulo de capital, depende da exploração de recursos naturais para se manter. “O capitalismo precisa de combustível para se expandir e esse combustível são os recursos naturais. A cada ciclo de expansão, geramos resíduos, poluição e desigualdades”, explica.

Segundo a docente, a lógica de crescimento infinito em um planeta com recursos finitos é insustentável. “Não há como conciliar um sistema que precisa crescer indefinidamente com a realidade de um meio ambiente que já está no limite”, diz. Ela cita como exemplo o agronegócio, uma das bases da economia brasileira. “O agronegócio é essencial para o PIB do país, mas ele também é um dos maiores responsáveis pelo desmatamento, pela contaminação de solos e rios com agrotóxicos e pela emissão de gases do efeito estufa”, lembra.

O modelo econômico atual, além de incompatível com a preservação ambiental, também apresenta o que Thaís denomina de “efeitos colaterais”, como o racismo ambiental. “Essa questão diz respeito à forma como as populações mais pobres e marginalizadas são mais afetadas pelas mudanças climáticas. E, para percebermos isso, não precisamos ir muito longe: em Jaraguá do Sul, por exemplo, há locais que frequentemente alagam em dias de chuva forte e são justamente os nossos estudantes mais pobres que sofrem as consequências. Enquanto isso, quem possui mais recursos consegue se proteger desses impactos”, relata.

Thaís critica a falta de disposição das grandes empresas em abrir mão de lucros em prol da sustentabilidade. Ela menciona um episódio ocorrido em 2016, quando acionistas de grandes corporações foram questionados sobre a possibilidade de reduzirem seus lucros para que as empresas investissem em práticas mais sustentáveis. “Apenas 18% dos acionistas da Exxon e 8% dos da Chevron foram favoráveis a propostas de mitigação do aquecimento global nessas empresas petrolíferas. Isso mostra que, para muitos, o lucro ainda está acima da preservação do planeta”, relata.


Para a professora, essa mentalidade é reforçada por políticas públicas que priorizam o crescimento econômico em detrimento do meio ambiente. “No Brasil, temos uma bancada do agronegócio no Congresso que frequentemente trava pautas ambientais. Qualquer tentativa de avançar nessa área esbarra em interesses econômicos poderosos”, diz, lembrando ainda que o governo anterior adotou uma postura negacionista em relação às mudanças climáticas. “Em 2019, o então presidente recomendou que não fosse realizada a COP 25 no Brasil, alegando que uma política ambiental não poderia atrapalhar o desenvolvimento do país. Isso foi gravíssimo, considerando que somos um dos países mais importantes do mundo em termos de biodiversidade e recursos naturais”, lamenta.

 

Segundo a docente do IFSC, enquanto o modelo econômico atual não for questionado e reformulado, os avanços na agenda ambiental continuarão sendo limitados. “Precisamos de uma mudança profunda na forma como produzimos e consumimos. Não adianta discutir soluções cosméticas se o sistema continua baseado na exploração desenfreada dos recursos naturais”, justifica.

Um novo paradigma deve priorizar o bem-estar coletivo e a preservação do meio ambiente em vez do acúmulo de capital. “Enquanto estivermos presos a essa lógica, a natureza continuará pagando o preço. E, no final, todos nós pagaremos também, porque não há economia possível em um planeta colapsado”, conclui. A professora reforça que a COP 30 pode ser um espaço para discutir essas questões, mas alerta que, sem mudanças estruturais, os resultados continuarão sendo insuficientes para enfrentar a crise ambiental que já está em curso.

A urgência da crise ambiental

A professora do IFSC chama a atenção para o ritmo lento das ações globais de enfrentamento à crise climática. “A COP 21, em Paris, estabeleceu metas para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Hoje, já estamos falando em 2,4°C até 2050”, alerta.

Ela reforça que os acordos internacionais têm falhado em frear as emissões de gases do efeito estufa, e que a crise ambiental é “tão urgente e colossal” que discutir qualquer outra coisa seria como “enfiar a cabeça na areia”. “Como disse o professor Luiz Marques, da Unicamp, numa entrevista recente, nós precisamos nos dar conta, enquanto sociedade, que nos dedicar a quaisquer outros temas pode ser secundário, uma vez que a nossa dependência do meio ambiente é a base para a nossa sobrevivência no planeta”, cita.

 

COP 30 e formação profissional

Em meio a um cenário de urgência na busca de soluções para conter o aquecimento global e na implementação de inovações que permitam nos adaptarmos às mudanças climáticas, será cada vez mais importante a formação de profissionais atentos à preservação ambiental e às tecnologias sustentáveis. O IFSC, com seus cursos técnicos e superiores, já oferece esse tipo de formação, preparando os estudantes para atuarem em setores estratégicos para o futuro do país e do planeta.

Além disso, a COP 30 pode abrir oportunidades de emprego e pesquisa em projetos de sustentabilidade e inovação tecnológica. Empresas e governos estão cada vez mais buscando profissionais que possam contribuir para a redução de emissões e a adaptação às mudanças climáticas.

A professora Thaís Collet destaca que “quando formamos nossos estudantes em cursos superiores, cursos técnicos ou pós-graduação, é preciso que esses profissionais não estejam alheios à realidade que nos cerca. Eles precisam saber de onde as coisas vêm, e a que custo, e para onde vão. Hoje em dia é inconcebível para uma instituição como a nossa formar pessoas alienadas da realidade”.

Educação ambiental

A educação ambiental também é uma ferramenta crucial para preparar a sociedade brasileira para a COP 30 e para o enfrentamento das mudanças climáticas. Para a professora de Meio Ambiente do Câmpus Jaraguá do Sul-Rau, “a educação é fundamental para que as pessoas tenham conhecimento, e não apenas informação, sobre os acontecimentos que impactam a vida delas. Entender processos, situações de causa-efeito, o porquê de ser ou estar assim”, declara.


Ela também destaca o papel do IFSC nesse processo: "Aqui no câmpus do IFSC Rau temos a Eco Trilha e nela desenvolvemos projetos com crianças de escolas da região porque acreditamos que a educação ambiental e o conhecimento sobre o funcionamento do meio natural deve começar desde muito cedo”, destaca. Além disso, outras iniciativas da instituição também abordam temas ligados à preservação ambiental. “Tivemos projetos relacionados à divulgação científica nas áreas de desmatamento/queimadas e de agricultura sustentável. Recentemente finalizamos um projeto de ensino em que desenvolvemos um jogo de tabuleiro sobre meio ambiente e mudanças climáticas. O intuito foi usar o lúdico como estratégia de ensino e o resultado foi muito bom porque os alunos aprendem se divertindo e ouvindo uns aos outros”, relata.

Papel da COP

Apesar de suas críticas, a docente do Instituto Federal reconhece que a COP 30 tem um papel importante ao trazer visibilidade para a pauta ambiental. “Ela faz com que o assunto entre na conversa do 'seu João da esquina' e da 'dona Maria'. Pelo menos isso”, brinca. Mesmo que os resultados globais sejam limitados, o evento pode impulsionar projetos locais e fomentar iniciativas em larga escala.

A realização da COP ocupará um espaço significativo nos meios de comunicação, inclusive nas redes sociais. Isso permitirá às pessoas se apropriarem de questões que normalmente não surgem nos seus “feeds” e “timelines”. Portanto, o evento representa uma oportunidade de conectar as mudanças climáticas ao cotidiano das pessoas, mostrando, por exemplo, como o aumento da conta de luz ou dos preços no supermercado estão relacionados ao clima. “Precisamos fazer com que as pessoas entendam que isso afeta o bolso e a saúde delas”, explica.

Por fim, a professora sugere a reflexão sobre os efeitos da COP 30 a partir de uma frase do ativista e dramaturgo francês Victor Hugo: "É triste pensar que a natureza fala e o gênero humano não a ouve”. E Thaís complementa: “Esta frase foi escrita no século 19, e hoje eu diria que a natureza está gritando e nós continuamos não ouvindo”.

IFSC VERIFICA

Os microplásticos estão em (quase) tudo. Por que isso é um problema?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 20 dez 2024 16:12 Data de Atualização: 20 dez 2024 18:17

Difícil imaginar a vida sem plásticos, não é mesmo? Itens produzidos com esse material derivado do petróleo, que tem vários subtipos, estão em todo lugar: em equipamentos eletrônicos, utensílios domésticos, automóveis, materiais de construção, cosméticos e até itens de vestuário, como calçados, acessórios e roupas. Além disso, os plásticos são o material mais maciçamente usado em embalagens de incontáveis produtos, desde os alimentícios, de higiene e limpeza até as controvertidas sacolinhas de supermercado.

Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estimam que, dos 430 milhões de toneladas de plástico produzidas anualmente em todo o planeta, cerca de dois terços são produtos de vida curta, como garrafas PET, sacos plásticos e embalagens tidas como descartáveis em geral. Ao se degradarem na natureza, eles dão origem a um tipo de resíduo que tem despertado cada vez mais preocupação: os microplásticos. Esse tipo de resíduo tem despertado cada vez mais interesse dos cientistas, que já constataram, inclusive, a presença de microplásticos no organismo humano. O problema também chama a atenção de governos e gestores públicos, que negociam um tratado global para conter a poluição plástica - que, no entanto, ainda não chegou a um consenso.

Neste post, pesquisadores do IFSC explicam por que a poluição provocada por plásticos é um problema e falam sobre os efeitos ela pode ter não só na natureza, mas também na nossa saúde. Reunimos também alguns dados obtidos em pesquisas que vêm sendo feitas na instituição em torno dessa problemática.

Microplásticos no nosso organismo

Pode parecer estranho, mas o ser humano tem cada vez mais ingerido plásticos, sem perceber. A estimativa é que seja cerca de 5 gramas por semana, o equivalente a um cartão de crédito. Parte deste material pode ser expelido pelas fezes, mas uma parte dele vai se acumulando no corpo. “Quando a gente pega um predador que está no topo da cadeia alimentar, que é o caso do ser humano, ao se alimentar de animais que também tenham ingerido plásticos como crustáceos e moluscos, indiretamente nós consumimos componentes plásticos.  Os riscos à saúde humana vão depender do tempo ao que o organismo ficou exposto, do tipo de partícula e de como elas irão interagir com as nossas biomoléculas”, afirma a professora de Biologia do Câmpus Itajaí Laura Kremer.


O plástico costuma entrar no nosso organismo por meio de micro e nanopartículas, que têm entre cinco milímetros e um nanômetro. Essas partículas, que podem estar suspensas no ar, podem entrar na nossa pele com o uso de cosméticos e de roupas feitas com tecidos que tenham em sua composição o plástico, pela ingestão de água ou mesmo por alimentos.

A professora Laura explica que ainda é difícil dimensionar os impactos do plástico no organismo humano, porque precisamos de pesquisas a longo prazo. Mas, segundo ela, já há evidências dos riscos à exposição prolongada a essas partículas. “Há dados que mostram uma prevalência maior de câncer de intestino e de pâncreas em trabalhadores da indústria plástica. Um dos fatos que mais me chamou a atenção foi terem encontrado resquícios de plástico no cérebro humano. Nós temos uma barreira hematoencefálica no cérebro que impede que muitas substâncias tóxicas entrem contato com o cérebro e mesmo assim foram encontradas partículas plásticas neste órgão.”

O professor do Mestrado em Clima e Ambiente do IFSC Thiago Pereira Alves explica que o arranjo de carbono e hidrogênio nos materiais plásticos tornam esse material muito estável e que o corpo humano não consegue processá-lo. “O plástico tem um efeito crônico a longo prazo no nosso organismo, não é algo imediato. No caso de um microplástico que chega ao intestino, se ele tiver em sua composição, por exemplo, algum tipo de aditivo antimicrobiano isso também terá efeitos no nosso corpo.”

O que são os plásticos? E por que eles são tão usados em vários setores industriais?

Conceitualmente, o plástico é um material sem defeitos: precisa de pouca energia para ser extraído e processado e, com a tecnologia correta, pode ser facilmente reciclado ou reutilizado em outras aplicações. “O grande problema é que a sociedade vem falhando no que diz respeito à destinação correta desses materiais, que acabam sendo descartados na natureza sem critério. Faltam mecanismos sociais para que o reaproveitamento e a reciclagem do plástico sejam feitos de maneira minimamente efetiva”, salienta o professor Eduardo Nascimento Pires, que é doutor em Ciência e Engenharia de Materiais pela UFSC e atua na área de Plásticos do Câmpus Caçador.

As tecnologias para transformação do petróleo em materiais polímeros começaram a se desenvolver na virada do século 19 para o 20, mas o uso universal dos plásticos ganhou força e atingiu escala industrial após a segunda guerra mundial. As vantagens do uso desse material são muitas: trata-se de uma matéria-prima facilmente moldável e que exige baixo consumo de energia no processamento, o que significa baixo custo atrelado à produção. “Essas características fizeram com que o plástico fosse substituindo, ao longo do tempo, os materiais tradicionais”, ressalta o professor. “Isso possibilitou, entre várias outras coisas, uma maior qualidade de vida. Se a gente ‘sumisse’ com o plástico hoje, a humanidade certamente daria alguns passos para trás. Porém, ao mesmo tempo, há outros problemas muito graves, que se devem à nossa atuação como sociedade, que são aqueles decorrentes da disposição inadequada desse material”, acrescenta.

Então o problema são os descartáveis?

O plástico é uma invenção humana, moldável, de baixo custo e que permitiu uma série de inovações. Mas a aplicação dele para a fabricação de produtos de uso único tem causado uma série de impactos ambientais e à saúde humana que ainda não temos como dimensionar. Se uma seringa plástica descartável é um avanço para a medicina porque evita uma série de contaminações, pratos, copos e talheres plásticos de uso único são um problema ambiental imenso. "Se a gente for pensar que o plástico é derivado do petróleo, que levou milhões de anos para se formar, aí o que a gente faz, traz ele para a superfície para produzirmos uma série de materiais de uso único que têm o tempo médio de utilização de 25 minutos. Essa é uma conta que não fecha”, avalia a professora de Biologia do Câmpus Itajaí Laura Kremer.

Ser reciclável é uma vantagem. Por que isso não resolve?

Mas aí você pode pensar, ah mais o plástico é reciclável, né? Sim, mas nem tudo o que consumimos é de fato reciclado. Levantamento feito pelo Movimento Plástico Transforma mostra que o índice geral de recuperação de embalagens plásticas foi de pouco mais de 28% em 2023 no Brasil, e o índice de reciclagem mecânica dos plásticos pós-consumo é de 20,6%, que é o valor calculado através de uma relação entre o volume de plástico reciclado pelo volume de plástico gerado. “O processo, a tecnologia já existe, mas no Brasil os mecanismos para incentivar a reciclagem do plástico são muito falhos ou inexistentes. Em outros países o índice de reciclagem de plástico chega a 90%”, salienta o professor Eduardo, do Câmpus Caçador.


Parte daquilo que não é reciclado é carregado pelas chuvas, vai para rios e córregos e depois chega ao oceano. Uma pesquisa realizada no Mestrado em Clima e Ambiente do IFSC em 2023 mostrou que a presença de resíduos plásticos ao longo da margem do Rio Itajaí-mirim, no município Brusque (SC), é quatro vezes maior do que o segundo resíduo mais encontrado. “Do total de 368 itens, 219 eram apenas de plástico. O plástico foi o material mais abundante nas coletas, com um valor médio de 1,51 itens/100 m², sendo mais de quatro vezes superior à média do segundo material mais abundante, os itens metálicos que tiveram uma média de 0,36 itens/100 m². Em nossas análises comparamos a quantidade encontrada na área urbana com a rural e os itens plásticos foram nove vezes mais abundantes nas áreas urbanas”, explica a engenheira ambiental Bárbara Isabeli de Oliveira, que pesquisou os resíduos sólidos na margem do Rio Itajaí-mirim durante seu mestrado no IFSC.

O que são os microplásticos?

Bárbara estudou o que se convenciona chamar de mega, macro e mesoplástico, ou seja, plásticos que são visíveis a olho nu e que têm tamanhos acima de 2,5 centímetros. Mas durante todo o processo de exposição desses plásticos a uma série de fatores externos e, principalmente, à radiação solar, eles acabam liberando fragmentos plásticos ainda menores: os microplásticos, de até cinco milímetros, e os nanoplásticos, que têm em média um nanômetro (1 nanômetro corresponde a 1 bilionésimo de metro).

“O microplástico pode ser primário quando ele foi fabricado nesta dimensão microscópica que é usado, por exemplo, nas pastas de dente ou em cosméticos para fazer a esfoliação da pele, e há também microplásticos secundários, ou seja, macroplásticos que se transformam em micro. Se a gente imaginar uma garrafa PET de dois litros que não foi para aterro nem para reciclagem e que chegou ao oceano, ao ser exposta à água do mar e ao sol, ela sofre uma decomposição fotoquímica. O que irá gerar o microplástico”, afirma o professor Walter Widmer, do Câmpus Florianópolis, que atua no técnico em Meio Ambiente e no Mestrado em Clima e Ambiente.   

Por não serem visíveis a olho nu, o professor avalia que ainda é difícil mobilizar a sociedade para entender de fato os impactos dos micro e nanoplásticos. “Apesar de não resolver o problema, eu consigo mobilizar a sociedade e promover um mutirão de limpeza em uma praia, mas não consigo fazer isso com micro e nanoplásticos. Até o momento, não há formas economicamente viáveis de remoção dos micro e nanoplásticos. O que a gente precisa é fazer a prevenção, é evitar que o microplástico chegue ao oceano. Porque os danos ambientais são muito grandes. Se você pensar qual animal marinho consegue ingerir uma garrafa PET, só os de grande porte, mas se essa garrafa estiver fragmentada em vários pedaços, o leque de seres vivos capazes de ingeri-los é bem maior.” 

Lixo do mar e lixo marinho: qual a diferença?


O professor Walter estuda os macro resíduos que chegam ao mar e, em uma pesquisa em 2010, já havia detectado que 90% dos resíduos encontrados em praias de Florianópolis eram compostos por plásticos. Parte deste material, inclusive, faz parte da coleção didática e de referência sobre lixo marinho que está disponível no Câmpus Florianópolis. “Em 2019, o governo federal lançou o Plano Nacional de Combate de Lixo no Mar e uma mudança que foi feita foi deixar de usar o termo ‘lixo marinho’ para ‘lixo do mar’, entendendo que este resíduo não teve origem no mar, mas que se trata de origem antrópica principalmente de resíduos de ambientes urbanos e que é resultado da má gestão de resíduos sólidos.”


 

Já se conhecem os impactos do microplástico no meio ambiente?

A presença do microplástico no mar pôde ser verificada também em uma pesquisa realizada por estudantes do técnico em Recursos Pesqueiros do Câmpus Itajaí. Eles analisaram amostras de ostras e mexilhões de áreas de cultivo em Penha e Bombinhas (SC) e em todas elas encontraram microplásticos. O professor Thiago Pereira Alves, que foi o coordenador da pesquisa, explica que os moluscos são filtradores e acabam ingerindo o microplástico porque esses resíduos têm um comportamento similar ao do fitoplâncton, que é o alimento natural deles. Nesse projeto, eles analisaram o trato digestivo dos moluscos, onde ficam os fragmentos do que é efetivamente ingerido pelo animal. Após colocá-los em solução alcalina por 48 horas e, por um processo de filtragem, ficavam apenas os microplásticos na amostra, que depois eram analisados no microscópio porque são imperceptíveis a olho nu. “A pesquisa foi importante para termos esta dimensão da quantidade de microplásticos encontrados e agora estamos dando encaminhamento a ela tentando entender como esse material chega ao mar. O plástico não costuma vir do oceano, ele tem outras vias de acesso”, esclarece o professor.


 

Outra pesquisa do IFSC que busca verificar a presença de microplásticos no rio Camboriú está sendo desenvolvida pela engenheira ambiental e sanitarista Laura Teles, do mestrado em Clima e Ambiente. O rio nasce no município de Camboriú e deságua no oceano em Balneário Camboriú e é o responsável pelo abastecimento de água nas duas cidades. Além de quantificar os materiais, a proposta é identificar se há interferência das chuvas e se o aumento populacional por conta da temporada de verão também influencia no aumento da presença de microplásticos na água. Para verificar se há essa relação, estão sendo feitas coletas em diferentes momentos do ano, uma no inverno, uma na primavera e uma no verão no estuário do rio, região em que há maior concentração humana.


As coletas são feitas em baldes de inox e todos os filtros utilizados também são feitos no mesmo material para evitar qualquer tipo de contaminação com plásticos durante o processo. Nas análises feitas no inverno e na primavera os formatos de microplásticos mais encontrados foram de fibras (que podem ter origem de peças de roupas ou de materiais náuticos - foto acima), seguida por fragmentos plásticos (que podem ser oriundos do atrito e da decomposição de embalagens e de garrafas PET) e de pelletes (que são granulados plásticos encontrados em cosméticos e que são usados também para a fabricação de garrafas PETs). “ A cada litro analisado do rio Camboriú tem sido encontrados cerca de 11 unidades de microplásticos, um número que é bastante preocupante, se pensarmos que o rio tem um nível de poluição considerado moderado”, explica a engenheira ambiental.


No Câmpus Itajaí também está sendo desenvolvida uma pesquisa para identificar a presença de microplásticos na areia da praia de Atalaia. “Nós escolhemos essa praia por conta da proximidade com o rio Itajaí-açu. Iremos fazer a coleta em três pontos na faixa de areia mais seca e em três pontos mais próximos do mar uma vez por mês a partir de dezembro de 2024 até junho de 2025”, explica o professor Mathias Schramm, que é o coordenador da pesquisa.

A areia que será coletada será a mais próxima da superfície, o equivalente a um a dois centímetros. “Além da areia, precisaremos também coletar a água do mar para depois conseguirmos separar a areia dos plásticos, porque eles têm densidades diferentes. Só a partir disso é que poderemos peneirar os materiais para de fato identificar os microplásticos de até cinco milímetros.”

O professor explica que essas análises permitem que se tenha uma ideia da quantidade e dos materiais encontrados na faixa de areia, mas que é difícil fazer uma avaliação a partir disso se uma praia é mais poluída do que outra. “A recente pesquisa que colocou a praia do Pântano do Sul em Florianópolis como a mais poluída do Brasil por conta dos microplásticos na areia tem que ser pensada em relação às outras que foram estudadas. Há uma série de fatores que interferem para que isso ocorra. Se pegarmos areia de uma faixa próxima à área de desembocadura de um rio no mar a concentração de microplásticos tende a ser maior.”

Sabe aquela sua roupa de ginástica? Ela tem plástico na composição

O contato com o microplástico pode se dar também pela pele, através do tecido da roupa utilizada. As peças com poliamida e poliéster têm materiais plásticos em sua composição. “Já há registros de partículas de plástico nas camadas mais superficiais da pele e de casos de dermatites de contato”, explica a professora de Biologia Laura Kremer.

Aí você pode pensar, mas que material é este que tem plástico? É aquele usado nas roupas de ginástica. “A poliamida e o poliéster permitem uma boa transpiração, são confortáveis e fáceis de lavar, mas eles têm plástico na composição. Nós já temos algumas indústrias têxteis preocupadas com isso e produzindo peças com materiais biodegradáveis. Mas elas ainda são mais caras do que as de poliéster e de poliamida”, explica a professora do curso superior de tecnologia em Design de Moda do Câmpus Gaspar Bruna Lummertz.

Além da composição e do contato direto com a pele, um problema dessas peças é com a lavagem. Elas costumam soltar fragmentos de fibras durante o processo. “As fibras costumam se soltar e a água que sai da máquina de lavar roupas não costuma ter o mesmo tratamento que os rejeitos do vaso sanitário. Uma das formas de evitar que isso ocorra seria limpar constantemente o filtro da máquina. Mas não adianta lavá-lo porque senão esses fragmentos de tecido vão de novo parar na rede e em algum momento vão para os rios”, avalia o professor do Mestrado em Clima e Ambiente Thiago Pereira Alves. 

O que fazer?

Todos os pesquisadores ouvidos nesta reportagem são unânimes em dizer que este é um problema global e que uma das formas mais eficazes de diminuir o impacto é evitar o uso de plásticos de uso único. “A questão do plástico já transcendeu o aspecto individual. É urgente que sejam feitos tratados internacionais e políticas públicas nacionais para se combater o plástico de uso único. A reciclagem é eficiente, mas os índices ainda são baixos. As ações precisam ser pensadas para reduzir, recusar, repassar, repensar, reciclar, reutilizar, reparar, reaproveitar e reaplicar”, afirma a professora de Biologia do Câmpus Itajaí Laura Kremer.

O professor Eduardo, do Câmpus Caçador, concorda que a solução mais racional para esse problema seria a redução do uso dos plásticos de uso único e a criação de mecanismos que tornem a reciclagem mais efetiva. Além disso, há possibilidades como os plásticos feitos a partir de fontes vegetais - que, no entanto, também podem ser geradores de microplástico se descartados de forma inadequada. 

Tratado global

Neste ano, representantes de 170 países estiveram reunidos na Coreia do Sul para tentar fazer um tratado global de combate à poluição plástica, mas o evento terminou sem que se chegasse a um acordo. A expectativa é que em 2025 haja um novo encontro em Paris. Entre as propostas a serem apresentadas estariam a redução de produção de plásticos e a diminuição de aditivos químicos utilizados no processo de fabricação que causem danos ao meio ambiente e à saúde humana.

Para o professor Walter Widmer, a discussão entre países é fundamental para que se vislumbrem soluções para uma problemática tão complexa. “É importante o mundo pensar em resolver esses problemas acima das esfera dos países. Os plásticos são transfronteiriços. Os resíduos sólidos, por exemplo, do alto Vale do Itajaí vão causar problemas na orla de Itajaí e Navegantes, ou seja, não basta pensar só na gestão de resíduos dessas cidades, tem que ser de toda a região. Isso vale para a escala de países. O problema é global e a solução precisa ser global também. É muito difícil chegar a um consenso, existe todo um jogo de interesses. Os resíduos dos seres humanos são um espelho do comportamento de suas sociedades e países desenvolvidos produzem muito mais resíduos sólidos por habitante.” 

Nesse processo de conscientização da sociedade, o professor Thiago Pereira Alves salienta a importância do fomento de pesquisas nesta área. “É a partir de pesquisas como essas que estão sendo desenvolvidas pelo IFSC que a gente consegue começar a mobilizar a opinião pública para que elas se sensibilizem sobre a importância de investimentos em saneamento básico e na gestão dos resíduos sólidos”, considera.

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IFSC VERIFICA

Como cuidar do seu ar-condicionado

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 nov 2024 17:47 Data de Atualização: 28 nov 2024 18:44

Vem chegando o verão e, com ele, o calorão . A cada ano, as temperaturas ficam mais extremas, com os verões cada vez mais quentes, e para lidar com esse calor e deixar o ambiente mais agradável, muitas vezes temos que recorrer ao aparelho de ar condicionado.

Muita gente, porém, só se lembra da existência do ar-condicionado quando o tempo esquenta. Mas será que podemos usá-lo depois de um longo tempo sem limpeza e manutenção? Ou isso pode trazer riscos para a saúde e danificar o equipamento? 

Para saber sobre o assunto e trazer algumas informações e orientações, entrevistamos o professor Marcelo Luiz Pereira, do Câmpus São José do IFSC. Marcelo possui graduação em Engenharia Mecânica e mestrado em Engenharia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), além de doutorado-sanduíche em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Queensland, da Austrália.

Marcelo pesquisa principalmente sobre os seguintes temas: condicionamento de ar, ventilação, salas limpas, controle de contaminação e qualidade do ar. Neste semestre, Marcelo ministra, entre outras disciplinas, a de Ventilação e Qualidade do Ar para o curso técnico em Refrigeração e Climatização.

As informações a seguir foram repassadas pelo professor do IFSC. Tome nota de tudo e aproveite que ainda faltam algumas semanas para o verão para deixar seu ar-condicionado em condições de uso para a estação mais quente do ano. Em resumo: seguindo alguns cuidados e realizando manutenções periódicas, você pode otimizar o desempenho do seu aparelho e prolongar a vida útil dele.
 

O ar-condicionado precisa ser higienizado com frequência?

 

A resposta é: sim. “Se já faz muito tempo que o equipamento não é limpo, é provável que ele precise de uma manutenção”, destaca o professor Marcelo Pereira.

A falta de higienização regular do ar-condicionado pode causar problemas de saúde e danificar o aparelho. Microrganismos como bactérias, fungos, ácaros, além de partículas de poeira, podem se acumular no aparelho, contaminando o ar do ambiente e provocando alergias, problemas respiratórios e até infecções. Manter o equipamento limpo é essencial para garantir um ambiente saudável.

O acúmulo de sujeira também reduz a eficiência do aparelho, causando, por exemplo, o desbalanceamento de ventiladores, aumentando o desgaste de peças e elevando o consumo de energia, o que pode reduzir a vida útil do equipamento com um todo. Componentes como o compressor e o motor podem ser sobrecarregados, causando falhas prematuras e exigindo reparos ou substituições mais frequentes.
 

Um aparelho de ar condicionado sem higienização pode apresentar acúmulo de microganismos como bactérias, fungos e ácaros, além de partículas de poeira, que causam alergias, infecções e problemas respiratórios
 

De quanto em quanto tempo devo higienizar o ar-condicionado?

 

A periodicidade de higienização do ar-condicionado depende do ambiente e da frequência de uso. Em residências, recomenda-se realizar a limpeza completa do aparelho a cada 6 a 12 meses, variando conforme o uso. Já os filtros do aparelho devem ser limpos mensalmente. Em ambientes comerciais ou escritórios, onde o aparelho fica ligado o dia inteiro, é importante fazer a limpeza dos filtros mensalmente e uma higienização completa a cada três meses. Isso ajuda a garantir o bom funcionamento e a qualidade do ar no ambiente.

O professor do Câmpus São José ressalta que a natureza do estabelecimento comercial também interfere na periodicidade da higienização. Em locais onde há tendência de haver muitas partículas em suspensão no ar - como em barbearias e salões de beleza - pode ser necessária uma frequência de limpeza do aparelho ainda maior.

​​​​​O proprietário pode realizar a limpeza dos filtros do ar-condicionado. Para isso, basta removê-los e lavá-los com água e sabão neutro, deixando-os secar completamente antes de recolocá-los no aparelho. Deve-se evitar o uso de produtos químicos agressivos, como desinfetantes à base de amônia ou cloro, que podem danificar ou acelerar o desgaste dos componentes do equipamento. ​​
Para a limpeza interna ou mais complexa, é recomendável contratar um profissional especializado, como um técnico em refrigeração e climatização.
 

O filtro do ar-condicionado é facilmente removível e pode ser limpo pelo próprio proprietário do aparelho com água e sabão neutro.
 

Mas, atenção: antes de realizar qualquer manutenção ou limpeza, é fundamental desligar o disjuntor do aparelho, interrompendo a corrente elétrica. Isso garante a segurança do usuário, evitando riscos de choque elétrico e danos ao equipamento.

 

O aparelho dá sinais de que precisa de manutenção?

 

Seu ar-condicionado pode dar alguns sinais de que precisa de higienização ou manutenção. Um dos primeiros indícios é a presença de barulhos estranhos, como vibrações ou ruídos incomuns, que podem sinalizar acúmulo de sujeira nas partes internas ou desgaste em componentes. Outro sinal comum é a diminuição do fluxo de ar, indicando que os filtros ou dutos de ar podem estar obstruídos, prejudicando a circulação do ar no ambiente.

Se o fluxo de ar diminuir ou houver um aumento na conta de luz, é possível que o aparelho esteja sobrecarregado devido à sujeira acumulada, o que reduz a eficiência energética dele. Vazamento de água também é outro sinal que pode ocorrer quando o dreno está entupido ou obstruído por sujeira. Além disso, um ar com cheiro ruim é um sinal de que há acúmulo de poeira, mofo ou outros contaminantes no sistema de ventilação.

Problemas relacionados à umidade no ambiente, como sensação de abafamento ou paredes úmidas, é mais um sinal que pode estar associado a um desempenho inadequado do ar-condicionado causado pela falta de limpeza. “Esse descuido também pode impactar diretamente a saúde dos usuários, desencadeando alergias, irritações respiratórias ou outros problemas, devido à proliferação de microrganismos e partículas nocivas no ar”, lembra o professor Marcelo Luiz Pereira.

Ignorar esses sinais pode resultar em problemas mais graves, tanto para o equipamento quanto para a saúde dos ocupantes. Manter o aparelho higienizado ajuda a prolongar sua vida útil e a evitar reparos frequentes.

 

Existe uma maneira certa de usar o ar-condicionado?

 

Alguns hábitos do dia a dia podem prejudicar a vida útil do ar-condicionado. Deve-se evitar usar o aparelho com portas e janelas abertas ou tentar resfriar mais de um ambiente com um único aparelho.

Aqui, um adendo às explicações do professor Marcelo Pereira: os aparelhos de ar condicionado têm uma capacidade específica, medida em uma unidade chamada BTU (sigla em inglês para “Unidade Térmica Britânica”). Na internet é possível encontrar várias calculadoras de BTUs necessários para climatizar um ambiente.

Em geral, considera-se o valor de 600 BTU por metro quadrado. Por esse cálculo, um aparelho com capacidade de 12.000 BTU consegue climatizar sem sobrecarga de trabalho uma área de 20 metros quadrados (600 x 20 = 12.000).

Voltando às explicações do professor do IFSC, ele lembra que também é importante não ajustar a temperatura do aparelho para valores muito baixos, pois isso sobrecarrega o compressor e aumenta o consumo de energia. Deve-se evitar ajustar o ar-condicionado para temperaturas abaixo de 23ºC. Embora isso não danifique o aparelho imediatamente, força o compressor a trabalhar continuamente para atingir a temperatura baixa, o que aumenta o consumo de energia e o desgaste do equipamento. Ajustar a temperatura entre 23ºC e 25ºC é suficiente para manter o ambiente agradável e economizar energia.
 

Ajustar o ar-condicionado para temperaturas abaixo de 23ºC força o compressor a trabalhar continuamente para atingir a temperatura baixa, o que aumenta o consumo de energia e o desgaste do equipamento. Uma temperatura entre 23ºC a 25ºC é suficiente para manter o ambiente agradável

 

O que mais devemos cuidar, além da limpeza?


Além da limpeza, é importante verificar periodicamente outros aspectos do funcionamento do aparelho. Isso inclui checar o nível de gás refrigerante (para identificar vazamentos), lubrificar partes móveis (quando for possível), avaliar a integridade das tubulações e dos isolamentos e fazer uma inspeção completa do sistema elétrico. “A manutenção preventiva ajuda a identificar e corrigir problemas antes que algo mais grave venha acontecer e antes que afetem o desempenho do aparelho”, lembra o professor. A recomendação é de que esses trabalhos devem ser feitos por um técnico especializado.

​​​​​A reposição de gás refrigerante não é necessária com frequência. Ela só deve ser feita se houver um vazamento. Em um sistema vedado adequadamente, o gás não se perde com o tempo. Se o desempenho do resfriamento diminuir, é importante verificar se há vazamentos antes de repor o gás.
 

Quer estudar sobre refrigeração e climatização?


​​​​​​​O IFSC possui no Câmpus São José o curso técnico em Refrigeração e Climatização, que é oferecido nos níveis integrado ao ensino médio e subsequente ao ensino médio. O curso integrado é para quem vai estudar o ensino médio e o técnico juntos no IFSC, com duração de 4 anos. Por sua vez, o curso subsequente é para quem já terminou o ensino médio e tem duração de um ano e meio.
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O técnico em Refrigeração e Climatização é o profissional habilitado a realizar a instalação, manutenção e supervisão de sistemas de refrigeração e climatização, conforme normas técnicas e de segurança. Tem como principais objetivos garantir o conforto térmico das pessoas e a conservação de alimentos. Mais recentemente, novos desafios foram apresentados aos técnicos da área, como a automação dos sistemas, o atendimento das demandas energéticas através de formas mais eficientes e sustentáveis e o controle da qualidade do ar nos ambientes internos.

O mercado de trabalho para o técnico em refrigeração e climatização inclui indústrias, prestadoras de serviço e empresas de comercialização e assistência técnica.

Veja no vídeo mais informações sobre o curso.
 

 

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Democracia: realidade, mentira ou utopia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 out 2024 20:05 Data de Atualização: 29 out 2024 21:42

Você acha que vivemos numa sociedade democrática? No Brasil, as eleições regulares, realizadas a cada dois anos, garantem que sejamos uma democracia plena? E, de acordo com o seu zap, o episódio de 8 de janeiro de 2023 foi ou não uma tentativa de golpe contra a democracia?

Independentemente de golpe, cadeirada em debate eleitoral ou voto impresso e auditável, o fato é que no dia 25 de outubro comemoramos no país o Dia da Democracia. A origem da data, porém, não é tão festiva.

Criação da data

O Dia da Democracia foi criado para lembrar a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 25 de outubro de 1975, em São Paulo, no período da ditadura militar. Vladimir era diretor de jornalismo da TV Cultura e, na véspera de seu assassinato, foi chamado ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) para dar esclarecimentos sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Na sede do DOI-CODI, o jornalista foi torturado e assassinado, embora o governo militar tenha informado, na época, que Vladimir havia se enforcado na cela. A foto apresentada como comprovação da causa da morte ficou famosa pois desmentia a versão oficial dos militares, mostrando que o jornalista precisaria ter se enforcado numa posição que suas pernas alcançariam facilmente o chão.

A plantinha frágil

É atribuída ao primeiro presidente brasileiro eleito após o Estado Novo, em 1946, Eurico Gaspar Dutra, a seguinte frase: “A democracia é uma plantinha tão frágil que precisa ser regada todos os dias”. Mesmo dita num contexto em que as eleições não abarcavam todos os brasileiros, ela permanece como uma referência a respeito da vulnerabilidade do regime democrático.

Mas o que seria essa tal democracia que precisa ser regada, ou seja, protegida? A professora de Sociologia do IFSC em Jaraguá Mariana de Fátima Guerino apresenta a “democracia” como uma invenção social. “É um pacto criado por pessoas em um determinado período histórico, onde se entendeu que era bom que as pessoas se reunissem e decidissem coletivamente sobre os rumos. É uma construção social artificial, porque ela não é natural. O bebê não nasce democrático, né?”, resume.

Do ponto de vista histórico, essa invenção social ocorreu na Grécia Antiga, mais precisamente em Atenas. A experiência ateniense, porém, foi soterrada quando o país passou a ser dominado pelo Império Romano, fazendo com que o modo de governo baseado no poder do povo ficasse “esquecido” até a ascensão do movimento iluminista, já na Idade Moderna. As ideias do Iluminismo reacenderam os princípios da democracia e fizeram com que a população demandasse o fim do poder absoluto dos reis, gerando revoluções tanto na Europa quanto na América.

Segundo o professor de História Jean Raphael Zimmermann Houllou, também de Jaraguá do Sul, a maneira como a humanidade se constituiu mostra como a vivência da democracia é, na verdade, uma exceção na cronologia do mundo. “A democracia é uma experiência não tão comum na história humana. Na verdade, ela é uma exceção se a gente observar os tempos da civilização. E, além disso, quando ela é implantada é com muita dificuldade, com revolução. Por quê? Porque se mexe com interesses de poderosos que dominam de forma muito mais autoritária aquela sociedade”, destaca.

Confira, nas palavras do professor Jean, o resumo da experiência democrática desde a Grécia até o surgimento do Iluminismo:

As contradições na Terra das Palmeiras

Enquanto o mundo reaprendia o que era democracia, o Brasil vivia sob a gestão de um imperador. Desta maneira, nosso país também precisou passar por diversas etapas até alcançar o modelo de democracia que conhecemos hoje.

A independência brasileira, em 1822, foi um passo tímido em direção ao rompimento dessas amarras com o autoritarismo, pois Dom Pedro I manteve uma postura absolutista e dissolveu, com apoio dos militares, a primeira tentativa de uma Constituição mais democrática.

A monarquia permaneceu sob Dom Pedro II, que governou por 50 anos, utilizando-se da divisão política entre partidos existentes no Brasil, mas mantendo o poder moderador. A Proclamação da República, em 1889, trouxe a Constituição de 1891, mas o sistema político era ainda dominado pelos coronéis, com eleições controladas pela elite rural e um voto aberto que favorecia a aristocracia – o chamado “voto de cabresto”.

A Era Vargas, iniciada em 1930, buscou romper com essa estrutura oligárquica, mas Getúlio Vargas governou de maneira autoritária durante 15 anos, concentrando poder, apesar de promover avanços sociais e trabalhistas. Após sua renúncia, o Brasil experimentou um curto período democrático, a chamada República Populista, onde presidentes como Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros foram eleitos e as classes populares ganharam mais espaço político.

No entanto, a democracia foi interrompida pelo golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura até a década de 1980. A redemocratização veio com a Constituição de 1988, consolidando a democracia atual. “A primeira eleição após a ditadura, porém, não foi direta, mas indireta. E, de lá pra cá, tivemos presidentes eleitos, mas dois deles [Fernando Collor e Dilmar Rousseff] sofreram processo de impeachment, que num presidencialismo não costuma ser tão comum”, evidencia o professor Jean.

No vídeo a seguir, o professor de História do IFSC detalha como ocorreu o processo de democratização em território nacional ao longo do tempo:

Que show da democracia é esse?

Com o fim da ditadura militar e a implantação da Constituição de 1988, o Brasil passou a ser considerado um Estado Democrático de Direito. Hoje é permitida a livre associação a partidos políticos e a livre manifestação do pensamento, desde que não gere calúnia, difamação ou injúria a outra pessoa, ou ainda não exponha informações que sejam consideradas protegidas ou sigilosas.

Como democracia, passamos a eleger nossos representantes em diversos níveis: nas cidades, escolhemos os vereadores e prefeitos; nos estados, elegemos deputados estaduais e governadores; nacionalmente, votamos em deputados federais, senadores e presidente. E, como são nossos representantes que criam, conduzem e fiscalizam as políticas públicas, chamamos este sistema de democracia representativa.

No entanto, a representatividade a que se propõe o atual sistema é limitada. Grupos numericamente majoritários como mulheres (que são 52% do eleitorado) e negros (56% da população brasileira) ou aqueles que são marginalizados – como a comunidade LGBTQIAP+ e os indígenas – são sub-representados nos espaços de poder, fazendo com que as decisões políticas acabem sendo dominadas por um grupo restrito que não reflete a diversidade da população.

Assista, no vídeo a seguir, a crítica feita pelo professor Lino Gabriel dos Santos Nascimento, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, sobre o tema, num trecho da entrevista concedida pelo docente de Moda e Antropologia ao projeto de extensão Conversa Cidadã.

Essa visão aponta falhas que, no atual sistema representativo, perpetuam a exclusão de grande parte da população.

Democracia de verdade

Mas qual seria, então, o objetivo final de um regime democrático, seja ele representativo, direto ou qualquer outro? O professor de Filosofia Cleyton Murilo Ribas utiliza a obra do italiano Norberto Bobbio para ilustrar o que seria, em última análise, vivermos numa democracia plena.

De acordo com Cleyton, existem dois patamares na democracia: o formal e o substancial. “A democracia formal seria aquela com os elementos básicos, como o voto universal e secreto, o pluripartidarismo, a autonomia entre os poderes [executivo, legislativo e judiciário], a garantia da liberdade de expressão e de pensamento. Nós podemos dizer que o estado brasileiro é uma democracia formal. Mas a questão principal que Bobbio problematiza é a democracia substancial, que está ligada ao conceito de igualdade e que se efetiva por meio de aspectos como garantia de moradia, garantia de saúde, qualidade no emprego, emprego para todos, superação do analfabetismo e que todos que quisessem teriam a mesma chance de, inclusive, alcançar o poder”, relata.

Para alcançar o patamar da democracia substancial, faltaria, no entanto, ainda aos brasileiros uma compreensão compartilhada do que são, efetivamente, conceitos como democracia, política e bem comum. Veja, no vídeo, como o professor de Filosofia apresenta este desafio:

A atual ditadura brasileira

Um sintoma da diferença de entendimentos que existem sobre as questões apontados pelo professor Cleyton é percebido em diálogos comuns no dia a dia. Ao abordar um colega, amigo ou até mesmo familiar sobre situações da vida cotidiana, não é raro que a conversa deságue em críticas ao governo e aos políticos.

E, quando a conversa evolui, às vezes nos surpreendemos com falas que destoam da maneira como a sociedade funciona. Afinal, quem nunca viu ou ficou sabendo de alguém que acha que o Brasil passa, atualmente, por um período ditatorial?

Mas como funcionaria esta ditadura que opera dentro de um sistema com eleições e todos os demais requisitos da tal democracia formal? Onde está a censura a produções culturais como livros e filmes? Quais ideias estão sendo permitidas e quais estão sendo condenadas?

A constatação, entretanto, de que é possível falar publicamente que vivemos numa ditadura – e não numa democracia – evidencia uma contradição. “O simples fato de alguém poder dizer que o Brasil é uma ditadura e não ser cerceado em sua liberdade de expressão já mostra a contradição da frase. Pois se o Brasil fosse uma ditadura, essa pessoa não teria condições de se pronunciar, ou se pronunciaria apenas uma vez”, alerta o professor de Filosofia do IFSC.

A descrença no funcionamento da democracia parece ser um fenômeno que afeta, principalmente, pessoas mais jovens. O estudo“Open Society Barometer: Can Democracy Deliver?” (numa tradução livre: “A Democracia Cumprirá suas Promessas?”) aponta que 57% dos jovens de 18 a 35 anos consideram a democracia preferível em relação a outros tipos de governo; o percentual sobe para 71% em pessoas com mais idade.

No mesmo estudo, 35% dos jovens acham que um líder forte que não se preocupa com eleições seja um caminho positivo para o governo; entre as pessoas acima de 56 anos, o percentual cai para 26% dos respondentes.

Não ter vivenciado na pele a realidade de uma ditadura seria, segundo o professor de História Jean, um dos principais elementos que levariam jovens a cogitarem a mudança para um regime mais autoritário. “Quando a gente tem esse passado recente de uma ditadura militar e você vê pessoas novamente indo à rua pedindo intervenção militar, isso acende uma luz de alerta. Se formos por este caminho, a democracia pode morrer e podemos voltar a um período muito longo justamente de falta de democracia”, avisa.

A insatisfação manifestada pelas pessoas e atribuída ao mal funcionamento da democracia, por sua vez, pode estar ligada a um outro fator. Algo não relacionado à escolha de nossos representantes, mas igualmente fundamental para entendermos a nossa sociedade.

A professora Mariana, responsável pelas aulas de Sociologia no Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, argumenta que a democracia está historicamente ancorada no capitalismo, um sistema que, por natureza, não parte da premissa de igualdade. Segundo ela, o capitalismo não admite que todos tenham direitos iguais, o que torna contraditória a ideia de que é possível viver numa democracia plena. “Embora as pessoas votem e escolham seus representantes, esses governantes eleitos acabam vinculados a interesses capitalistas, o que faz com que a democracia seja influenciada pelas dinâmicas desse sistema econômico. Assim, a democracia constantemente precisa fazer concessões para se alinhar ao capitalismo”, explica.

A relação entre democracia e capitalismo é marcada por um equilíbrio instável, onde a democracia parece sempre estar ajustando suas práticas para se adequar ao funcionamento capitalista. Isso limita a verdadeira representação do povo, já que os interesses econômicos muitas vezes prevalecem sobre as promessas políticas feitas durante campanhas eleitorais.

Por fim, Mariana aponta que a democracia, em muitos casos, funciona como uma ferramenta que "maquia" a realidade, ajudando as elites dominantes a parecerem mais preocupadas com o bem-estar social do que realmente são. “Muitos governantes fazem promessas de inclusão e igualdade, mas não necessariamente cumprem o que prometem. A democracia, assim, pode ser usada para camuflar a exploração capitalista, criando uma aparência de preocupação com o coletivo, mas sem um compromisso genuíno com a igualdade social”, lembra.

Assista, no vídeo, como a professora Mariana detalha a relação entre democracia e capitalismo, inclusive apontando o papel das lideranças políticas neste sistema.

A frustração ou outros sentimentos que fazem algumas pessoas pensarem que vivem numa ditadura não seriam, então, causadas especificamente pela efetiva falta de democracia. Haveria uma contradição inerente entre viver sob o capitalismo e viver numa democracia plena. "Enquanto caminhamos em direção à melhoria das condições de vida para todas as pessoas, o capitalismo possui regras ditatoriais que impedem este avanço”, destaca.

Quando direitos de minorias começam a ser ampliados, uma parcela privilegiada da sociedade é acometida de um grande desconforto. “A lei das cotas, por exemplo. Mesmo após anos em vigor, as cotas ainda causam incômodo em muitas pessoas”, ilustra.

A situação de incômodo percebida por muitas pessoas em meio ao regime de democracia é o foco da professora Mariana no vídeo a seguir. Confira:

Fazendo democracia na escola

Se, por um lado, é necessário questionar a forma como está organizada a sociedade – e este questionamento efetivo só é possível dentro de um regime que permita a livre expressão, como na democracia –, por outro lado é preciso reconhecer que a escola está inserida nesta mesma forma de organização social, reproduzindo suas falhas. “O sistema educacional está profundamente ligado aos conceitos de sucesso e fracasso, os quais favorecem estudantes de maior poder socioeconômico, que acabam ocupando os postos de trabalho mais reconhecidos e bem remunerados. Isso faz com que a educação perpetue diferenças sociais que são antidemocráticas”, retoma o professor de Filosofia Cleyton Ribas.

Para que uma democracia plena seja possível, é necessário repensar o processo educacional, revisando desde formas de avaliação até outras questões que, no processo de ensino e aprendizagem, podem contribuir para a manutenção da desigualdade entre estudantes. Veja como Cleyton relaciona a importância de repensarmos o funcionamento do sistema de educação:

Os desafios da escola também estão presentes em aspectos pontuais do cotidiano. Para a formação de uma consciência democrática, um dos percalços reside na elaboração dos currículos, que devem ir além do conteúdo e prever a promoção de uma educação crítica. Segundo a pedagoga Janete Godói, que é técnica em assuntos educacionais no Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, a escola precisa dar condições para que estudantes percebam seu papel social, revisitem o passado e participem ativamente da construção do futuro. “O currículo deve incentivar a reflexão, permitindo que os estudantes contribuam com suas próprias visões e experiências. A educação, portanto, deve ser formadora e emancipadora, preparando os alunos para serem sujeitos ativos na sociedade, capazes de participar do espaço social com uma perspectiva mais ampla e coletiva”, defende.

No entanto, Janete destaca que as instituições enfrentam muitas limitações para implementar esse tipo de educação crítica. Após as últimas reformas do ensino médio, o currículo foi esvaziado, tornando-se mais reprodutivista do que reflexivo. “As reformas priorizaram uma educação voltada para melhorar índices e estatísticas, em detrimento de uma formação integral que prepare o estudante para ser um agente de sua própria história”, lamenta.

Além disso, a formação dos professores é um obstáculo significativo. Embora alguns educadores selecionem bons conteúdos e se dediquem a preparar currículos de qualidade, muitos entram na profissão sem o compromisso de realmente transformar a sociedade. “Isso resulta em uma formação esvaziada, que enfraquece ainda mais a capacidade das escolas de fomentar uma verdadeira consciência democrática nos alunos”, alerta a pedagoga.

A escola deve ser, ainda, um ambiente de treino para a convivência em grupo, desconstruindo individualismos e fazendo com que estudantes e educadores experimentem o convívio com a diferença e funcionamento de ambientes democráticos.

“A escola deve instrumentalizar os estudantes, promovendo dentro do próprio espaço escolar essa formação democrática. O estudante precisa vivenciar isso durante sua formação, essa gestão democrática. Isso ocorre, por exemplo, numa eleição para um colegiado, no grêmio estudantil ou quando ele tem a oportunidade de se tornar representante da turma, ficando responsável por pensar no que é melhor para o grupo e não no que é melhor para ele. Ou seja, quando o estudante se torna participante e ao mesmo tempo sujeito desse processo”, conclui Janete.

Assista, a seguir, como Janete relaciona a aplicação dessas ideias ao contexto escolar, referindo-se também à obra do educador brasileiro Paulo Freire.

A pedagoga destaca, ainda, que a educação deve empoderar as pessoas para que elas acreditem em sua capacidade de promover mudanças. Janete lembra que a educação é um processo de longo prazo e que é fundamental ensinar aos estudantes que, com consciência e criticidade, cada um pode contribuir para transformar a sociedade. Veja no vídeo a seguir:

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Quatro evidências científicas de que a Terra é redonda

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 01 out 2024 16:58 Data de Atualização: 02 out 2024 14:11

Não é preciso repetir a experiência do cosmonauta russo Iuri Gagarin, que em abril de 1961 foi o primeiro ser humano a viajar pelo espaço e a testemunhar, visualmente, que a Terra é uma esfera azul. É possível confirmar que habitamos um planeta esférico aqui mesmo, com os pés bem plantados no chão. Em alguns casos, inclusive, basta olhar para cima para encontrar essas evidências científicas.

Porém, o fenômeno da desinformação e as iniciativas de grupos organizados que pregam o descrédito na ciência fortaleceram, na última década, a influência de um movimento conhecido como terraplanismo – que busca convencer as pessoas de que a Terra teria um formato achatado, semelhante a uma pizza. Mais do que duvidarem das evidências científicas de que o planeta é redondo, esses grupos alimentam ideias paranoicas em torno de instituições como a Agência Espacial Norte-americana, a Nasa, que seria, para eles, responsável por mentir para a humanidade inteira sobre o formato do planeta, com finalidades políticas.

A influência dos terraplanistas e a adesão a suas ideias é bastante favorecida com a facilidade que esses grupos têm de produzir e disseminar conteúdo – algo proporcionado pelo acesso global às tecnologias digitais e a canais de comunicação como o YouTube e as mídias sociais. O antropólogo Jorge Garcia de Holanda, que estudou o fenômeno do terraplanismo em seu doutorado em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), associa a multiplicação e a influência de canais no YouTube e de páginas no Facebook ao aumento no número de pessoas que acreditam na teoria conspiratória da terra plana. Em seu estudo, iniciado em 2019, ele identificou 57 canais terraplanistas brasileiros no YouTube, além de sete grupos no Facebook – o mais movimentado deles, com cerca de 40 mil membros.

O consenso científico de que a Terra é redonda já tem mais de 2 mil anos, como observa o professor Marcelo Schappo, doutor em Física, docente no Câmpus São José e organizador do livro “Armadilhas camufladas de ciência”. Para ele, isso faz com que o principal argumento dos terraplanistas modernos – de que a esfericidade da Terra é apenas uma ideia conspiratória propagada pela Nasa para esconder a “verdade” – não faça sentido. “A Nasa jamais pode ser responsabilizada por ‘formular’ ou ‘descobrir’ a forma da Terra, uma vez que só foi criada em 1958. Inclusive, é o contrário: todas as missões espaciais planejadas pela Nasa e por agências de outros países usou por base o conhecimento já pré-estabelecido sobre a forma da Terra”, argumenta. Logo, as imagens espaciais da Terra produzidas pela agência e pelas inúmeras missões já enviadas ao espaço não revelaram nada de novo: “Já se sabia, e se permanece sabendo, que a Terra é redonda”, reforça o professor.

Algumas dessas evidências são bem simples de entender e, aqui, listamos quatro delas. O ponto de partida é sempre a compreensão de que a Terra é um planeta esférico, levemente inclinado, que gira em torno do Sol e tem a Lua como satélite natural.

Primeira evidência: as constelações

As constelações são agrupamentos de estrelas que formam desenhos imaginários no céu, criados por astrônomos para entender padrões do movimento celeste. Se você estiver em Florianópolis , ou em Johanesburgo, poderá ver o Cruzeiro do Sul, por exemplo, na mesma noite. “Isso só é possível porque as duas pessoas estarão, na verdade, olhando para a mesma direção espacial, que é a direção do eixo norte-sul da Terra”, explica o professor Marcelo Schappo. E isso ocorre porque a Terra é redonda.

Na Terra plana, isso jamais poderia acontecer. “Como, para os terraplanistas, o ‘polo Sul’ não é um ponto, mas sim a “borda da pizza”, então, em Florianópolis e em Johanesburgo, ao se apontar a visão para o Sul, as pessoas estariam olhando para regiões espacialmente distintas e divergentes entre si ao redor da Terra e, assim, não deveriam ver as mesmas constelações.”

Segunda evidência: a face aparente da Lua

Você já ouviu falar no lado escuro da Lua? Ele é assim chamado porque é a face do nosso satélite natural que nunca é visto aqui da Terra. Ou seja: a Lua sempre mostra a mesma parte para a Terra, que é a chamada “face aparente da Lua”. Como explica o professor Marcelo Schappo, o fato de a Terra ser esférica possibilita que pessoas que se encontrem em diferentes locais do globo vejam a mesma face da Lua – mas não com a mesma orientação.

“Tome, por exemplo, uma pessoa em Florianópolis, no Brasil, e outra na Califórnia, nos Estados Unidos. Como são regiões a diferentes latitudes terrestres – Florianópolis a Sul do Equador e a Califórnia a Norte –, então as duas pessoas de pé sobre a ‘bola’ da Terra estarão espacialmente em orientações distintas, e isso faz com que vejam a mesma face da Lua com uma leve rotação de um lugar para o outro”, exemplifica.

No modelo da Terra plana, isso é impossível de explicar. “Para o modelo defendido pelos que acreditam na ‘pizza terrestre’, a Lua fica ‘pairando’ sobre o disco da Terra, se movendo em círculos ao longo do tempo. Ora, se isso é verdade, então alguém posicionado nos Estados Unidos (Hemisfério Norte) e alguém no Sul do Brasil (Hemisfério Sul) deveriam ver faces distintas da Lua quando ela se encontrasse sobre o Equador terrestre. Mas isso simplesmente nunca acontece”, ressalta.

Terceira evidência: os eclipses lunares

Aconteceu há bem pouco tempo, em 17 de setembro de 2024: quando a Lua entra na região de sombra da Terra, formada pela iluminação do Sol sendo bloqueada pelo nosso planeta, ocorre um eclipse lunar. “Ao longo de vários e vários anos, os eclipses lunares acontecem aos montes – em média, dois por ano. Em todos esses casos, a forma da sombra da Terra vista na superfície da Lua é sempre a mesma: circular”, explica Schappo.

No modelo da Terra plana, Sol e Lua “pairam” sobre a “pizza”, realizando movimentos circulares ao longo do tempo. “Assim, esse modelo falha completamente em tentar explicar um dos fenômenos astronômicos que mais chama a atenção do público, e reúne milhares de espectadores cada vez que ocorre. Se a Terra fosse plana, os eclipses da forma como nós observamos simplesmente não poderiam acontecer.”

 

Quarta evidência: as estações do ano

Esta também teve um marco recente, com a mudança do inverno para a primavera, no hemisfério Sul, e do verão para o outono, no hemisfério Norte. No verão tem-se dias mais claros e longos, enquanto no inverno é o contrário. “As estações do ano geram padrões de luz sobre a Terra (dias/noites) que só fazem sentido na Terra redonda”, explica o professor Marcelo Schappo.

Nos equinócios, que marcam o início da primavera e do outono, por exemplo, a duração do dia e da noite é aproximadamente igual em qualquer lugar da Terra, exceto nos polos. Com o Sol sobre a linha do equador, ele terá condições de iluminar exatamente a metade do planeta (toda a face voltada para ele), como sabemos que realmente acontece. “Para isso funcionar no modelo da Terra plana, o padrão de luz do Sol sobre a ‘pizza’ teria que ser tal que iluminasse sempre ‘meia pizza’. Mas como, nesse modelo, o Sol paira acima do disco terrestre, não tem qualquer explicação plausível para justificar esse comportamento”.

Por mais que esse assunto pareça já batido e superado, convém sempre se manter atento à forma como as teorias conspiratórias operam e na influência que elas podem ter em pessoas próximas de nós. O professor Marcelo Schappo salienta que não há nada de inofensivo ou de entretenimento nas ideias terraplanistas. “Mesmo ideias absurdas têm potencial para angariar seguidores que, com o tempo, ao se acostumarem a acreditar em afirmações sem base científica, vão se tornando cada vez mais inimigos da ciência, gerando desdobramentos em atitudes e posicionamentos negacionistas relacionados a outros temas que nada mais terão a ver com a forma da Terra. Assim, a crença aparentemente inócua do terraplanismo pode ser a porta de entrada para a negação das vacinas e do aquecimento global antropogênico, por exemplo, gerando desdobramentos sociais e coletivos bem mais preocupantes”, comenta.

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Energia nuclear: perigo ou alternativa sustentável?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 ago 2024 13:52 Data de Atualização: 27 ago 2024 14:47

A produção de energia é um dos grandes desafios da humanidade: com o aumento da população e o desenvolvimento tecnológico, a demanda por energia é cada vez maior, tanto para o transporte quanto para a produção da energia elétrica para os mais diversos fins, da indústria às residências. 

Ao mesmo tempo que a demanda por energia cresce, as mudanças climáticas exigem que o mundo pense na transição energética, abandonando fontes poluentes e baseadas em combustíveis fósseis e investindo em fontes sustentáveis e com baixa emissão de gás carbônico. Diversas tecnologias surgem a todo momento, como eólica, solar, hidrogênio verde, marítima, entre outras. O Brasil é o país conhecido por ter uma matriz energética mais limpa, porém, a produção em larga escala de energia elétrica é uma preocupação crescente. 

Nesta edição do IFSC Verifica, apresentamos as vantagens e desvantagens da energia nuclear, uma fonte estigmatizada por alguns e defendida por outros como a “energia do futuro”. Por um lado, pode ser considerada uma energia limpa, pois não emite gás carbônico na atmosfera e exige áreas menores para ser produzida. Por outro, apresenta o perigo de contaminação radioativa em caso de acidentes, o lixo nuclear, o perigo do uso da energia nuclear para construção de armas, e a dependência da mineração para obtenção de minerais radioativos, como o urânio.

Conversamos com a professora Daiane Cristini Barbosa de Souza, doutora em Tecnologia Nuclear e professora do curso superior em Radiologia e do mestrado em Proteção Radiológica do Câmpus Florianópolis, que nos contou como a energia nuclear funciona e suas vantagens e desvantagens em relação a outras fontes de energia.

Também conversamos com os professores doutores em Física do Câmpus São José, Marcelo Girardi Schappo e Vinicius Jacques, para falar sobre o futuro da energia atômica e suas implicações econômicas e políticas.

Vamos responder às seguintes perguntas:

  • O que é a energia nuclear e como ela é utilizada na produção de energia elétrica?
  • A energia nuclear pode ser considerada uma fonte de energia sustentável?
  • Quais países mais utilizam energia nuclear?
  • Quais as vantagens da energia nuclear?
  • Como é realizado o manejo do rejeito radioativo?
  • Muitas vezes, a energia nuclear é associada a acidentes nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia (1986), e em Fukushima, no Japão (2011), devido ao tsunami. Esses dados são preocupantes?
  • Quais as questões políticas envolvidas na produção de energia a partir de fontes nucleares?
  • Há países revendo o uso de energia nuclear. A Alemanha está reduzindo o número de reatores. Qual a tendência?
  • Há o perigo dessa energia ser utilizada para produção de bombas nucleares?
  • Qual o futuro da energia nuclear?

O que é a energia nuclear e como ela é utilizada na produção de energia elétrica?

A professora Daiane explica que a energia nuclear é uma forma de energia que vem do núcleo de átomos. Obtém-se a energia nuclear a partir de uma série de elementos químicos, também chamados de radioisótopos, que são encontrados no solo, como tório e plutônio, sendo o urânio o mais usado. O Brasil é um dos países do mundo que mais têm urânio e é um dos quatro que dominam a tecnologia de extração e processamento desse minério, além de Rússia, China e Estados Unidos. A mineração de urânio no Brasil está concentrada principalmente em Caitité, na Bahia, e é feita pela estatal Indústrias Nucleares Brasileiras (INB)

Para que o urânio encontrado na natureza possa ser usado pelas usinas nucleares, ele precisa passar por um processo chamado de enriquecimento, que consiste em separar os vários tipos de urânio presentes no solo e usar o mais radioativo para ser enriquecido, ou seja, a partir de processos químicos e físicos, aumentar a concentração desse material. No Brasil, o enriquecimento de urânio é realizado na fábrica de Resende, no Rio de Janeiro.

Depois de separado e enriquecido, o urânio é transformado em combustível para as usinas nucleares. O combustível nuclear consiste em pastilhas de 2 a 3 centímetros de altura, colocadas em um conjunto de cerca de 20 varetas, que vão formar o elemento combustível do núcleo do reator da usina nuclear. O núcleo da usina consiste em um vaso de pressão, cercado por água, que vai auxiliar no processo de reação nuclear. A água que fica em contato com o combustível nuclear participa da reação e é aquecida a altíssimas temperaturas, em torno de 700 graus celsius, aquecendo outro circuito de água que passa por fora do reator, sem contato com a radioatividade, e que por sua vez vai fazer funcionar um gerador de energia elétrica. 

Esse processo de produção de energia chama-se fissão nuclear, em que se coloca uma fonte de nêutrons que vão colidir com outros átomos do elemento radioativo, quebrar seus núcleos e liberar mais nêutrons, causando uma reação em cadeia e liberando a energia por meio de calor. “É o princípio das locomotivas a vapor, onde o vapor faz o motor funcionar, só que a fonte de calor é outra”, explica a professora Daiane.
A única central nuclear brasileira fica em Angra dos Reis e consiste nas usinas de Angra 1 e Angra 2, em funcionamento, e Angra 3, em construção. A central é administrada pela estatal Eletronuclear.

Veja o vídeo da Eletronuclear e entenda como uma usina nuclear funciona:


A energia nuclear pode ser considerada uma fonte de energia sustentável?

A produção de energia elétrica por meio da fissão nuclear não gera carbono na atmosfera, como, por exemplo, a queima de carvão. Porém, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a classifica como uma fonte de energia não renovável, pois depende da mineração, ou seja, um recurso finito. A França já a classifica como fonte de energia renovável, pois o urânio usado nas usinas é reprocessado e reaproveitado, o que ainda não acontece no Brasil. 

Segundo a professora Daiane, a energia nuclear é considerada de baixa emissão de carbono. Ela não emite gás carbônico na produção de energia, mas em sua cadeia produtiva, como na mineração e transporte desse minério. “Porém, comparada a outras fontes de energia, ela é mais sustentável. Por exemplo, a energia obtida a partir da fissão de um quilo de urânio equivale à energia produzida por 2,5 mil toneladas de carvão mineral”, exemplifica. 

Já o professor Marcelo Schappo destaca que “não existe nenhuma forma de produção de energia elétrica que seja 100% limpa. Por exemplo, a energia solar fotovoltaica, que absorve luz solar e gera correntes elétricas sem emitir gases de efeito estufa, não é 100% limpa, pois a produção das placas solares gera gases que emitem gases de efeito estufa”. Também é necessário avaliar a origem do silício usado nas placas e como elas serão descartadas. O professor Vinicius Jacques lembra a construção de usinas hidrelétricas, que obrigam o deslocamento de populações inteiras, alagamento de grandes áreas e consequentes problemas ambientais. 

O professor Schappo completa que “não há soluções mágicas. No entanto, quando se trata da emergência climática mundial, onde se visa a diminuir drasticamente as emissões de carbono para atmosfera, a matriz nuclear é uma candidata bastante forte, pois o processo de geração de eletricidade não envolve emissões de gases de efeito estufa, e a ‘fumaça’ que eventualmente pode ser vista saindo dessas usinas é apenas vapor de água que foi utilizada em processos de resfriamento dos componentes do sistema”.

Gráfico sobre funcionamento da fissão nuclear

 

Quais países mais utilizam energia nuclear?

Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), atualmente, há 440 reatores nucleares em funcionamento no mundo, além de 61 em construção. A energia nuclear tem participação de 9% na geração global de eletricidade. 
Os países com maior participação, tanto em número de reatores quanto em capacidade de geração, são, em ordem: Estados Unidos, França, China, Japão, Rússia, Coréia do Sul, Canadá, Ucrânia, Índia e Espanha.

Na América Latina, apenas Brasil, Argentina e México possuem reatores nucleares. As usinas brasileiras de Angra 1 e 2, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, produzem cerca de 1% da energia consumida no país. Com a finalização da construção de Angra 3, esse percentual pode chegar a 3%. 

Daiane afirma que o Brasil tem a vantagem de ter a matriz energética para produção de energia elétrica bastante diversificada, começando pelas usinas hidrelétricas (53,86%), em seguida a eólica (15,11%), fóssil (14,81%), biomassa (8,56%) solar (6,68%) e nuclear (0,98%), o que é uma vantagem competitiva em relação a outros países. 

Gráfico sobre a matriz energética brasileira


Quais as vantagens da energia nuclear?

Áreas pequenas: Além de ser uma produção de baixa emissão de gás carbônico, outra vantagem da energia nuclear, segundo a professora Daiane, é a produção de energia em áreas muito pequenas se comparada a outras fontes, como as hidrelétricas. Em relação às usinas solares, para produzir uma unidade de energia, a energia solar precisa de mais de 17 vezes mais material e 46 vezes mais terra que a energia nuclear, segundo dados da (IAEA).

O professor Schappo explica que a IAEA vem estudando e desenvolvendo reatores nucleares de fissão para geração de energia elétrica em menor escala. Eles estão sendo desenvolvidos para ter um tamanho menor que os convencionais e com possibilidade de serem construídos de forma modular, de tal maneira que facilite a fabricação dos componentes essenciais longe do local de instalação. “Assim, poderemos ter novos reatores com menor capacidade de geração elétrica, mas que podem atender localidades rurais e áreas industriais”. Ainda segundo o professor, há pesquisas para aplicações de energia nuclear em escalas ainda menores, como baterias de celulares que não necessitariam de recarga.

Independente do clima: a energia nuclear pode ser gerada todos os dias do ano, ininterruptamente, ao contrário da energia solar, hidrelétrica e eólica, que dependem do clima e regime de chuvas. “Com as mudanças climáticas, muitas vezes o país tinha uma maior frequência de chuvas e agora tem uma frequência reduzida, então, essa interdependência do clima pode ser um problema na questão energética”, destaca a professora Daiane.

Abundância de urânio: o urânio é um material abundante na crosta terrestre, muito mais que ouro, platina e outros metais de alto valor comercial. Seria necessário um período de aproximadamente 100 a 150 anos para esgotar os recursos de urânio atualmente considerados economicamente recuperáveis.

O Brasil tem o minério de urânio e a tecnologia para enriquecer o material foi desenvolvida pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). As centrífugas de urânio desenvolvidas pelo Brasil são segredo de Estado.

O professor Schappo lembra ainda que existem outros materiais combustíveis em estudo além do urânio, como o tório, que podem participar das reações nucleares e contribuir para geração de energia do processo de tal forma que demande menor quantidade inicial de urânio e melhorando a condição dos rejeitos radioativos gerados no final do processo.

Segurança: a professora Daiane explica que, comparada a outras fontes de energia, a nuclear é uma das mais seguras. Apesar de acidentes nucleares serem graves, eles são raros, e os processos de mineração e enriquecimento de urânio são mais seguros que de outras fontes. O número de acidentes relatados é bem inferior do que, por exemplo, no uso do carvão. Em termos de comparação, a indústria do carvão tem taxa de mortalidade de 32,72 mortes por terawatt-hora (equivalente ao consumo anual de 150 mil cidadãos da União Europeia), enquanto na produção de energia nuclear esse índice é de 0,03%. Ou seja, a produção de energia a partir do carvão está associada ao maior número de mortes no mundo.

Veja na tabela abaixo o equivalente em mortes de diversos tipos de fontes de energia. Apenas a energia solar é considerada mais segura que a nuclear:

Gráfico de mortes por fonte de energia

Como é realizado o manejo do rejeito radioativo?

O rejeito radioativo, ou lixo radioativo, é o material que ainda emite radiação, mas não é mais útil. No Brasil, há a norma 8.01 da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para o manejo do rejeito radioativo, tanto para usinas nucleares quanto para outros usos, como na área hospitalar. Além disso, a CNEN mantém unidades regionais que recebem os rejeitos radioativos. 

A professora Daiane explica que o urânio 235, o mais utilizado em usinas nucleares, tem meia vida de milhões de anos. O decaimento do rejeito de urânio é calculado em centenas de anos. Por isso, o manejo de rejeito de usinas nucleares necessita de um planejamento específico, com a previsão de uma área para depósito de rejeitos, preparação do local, entre outros. 

No caso das usinas de Angra, o combustível nuclear já usado é armazenado no próprio reator, em uma piscina que recebe esses rejeitos. A Eletronuclear, que administra Angra, está desenvolvendo projeto para depósito de rejeitos a seco. Veja mais sobre o projeto de Gerenciamento de Resíduos

O professor Marcelo Schappo ressalta que a quantidade de resíduos de usinas nucleares não é tão grande quanto se imagina: “Apenas para dar um exemplo prático: ao longo de uma operação de 20 anos de uma usina nuclear de fissão de porte similar às de Angra, a quantidade de rejeitos gerados poderia ser acondicionada em um espaço do tamanho de um campo de futebol”. Já o professor Vinicius lembra que o rejeito nuclear pode ficar ativo por milhares de anos e tratá-lo de forma correta “é um compromisso nosso com as gerações futuras”. 

Mesmo assim, os professores entrevistados são unânimes em dizer que há uma necessidade de encontrar formas seguras de armazenar os rejeitos radioativos, além de encontrar outras alternativas, como desenvolver reatores que diminuam a quantidade de rejeitos e/ou reaproveitem esse material, seja na própria produção de energia ou em outras formas, como na medicina ou na agricultura. 

O armazenamento em minas desativadas no interior de montanhas, usar processos químicos para retirar materiais radioativos específicos, diminuindo o tempo de armazenamento de rejeitos, e a utilização de reatores mais modernos, que podem produzir mais energia com menos combustível, ou mesmo substituição de urânio por outros materiais, como o tório, são algumas das soluções a serem desenvolvidas e implementadas.

Muitas vezes, a energia nuclear é associada a acidentes nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia (1986), e em Fukushima, no Japão (2011), devido ao tsunami. Esses dados são preocupantes?

Segundo a professora Daiane, os acidentes em usinas nucleares não são frequentes. Sobre o caso específico de Chernobyl, não há possibilidade de haver acidente semelhante, pois a tecnologia utilizada naquela construção já é ultrapassada: o reator de Chernobyl era do tipo BWR, de água fervente. Atualmente, a maioria dos reatores utilizados são PWR, de água pressurizada, mais modernos e seguros, como os de Angra.
Outras diferenças também faziam aquele tipo de tecnologia ser mais perigosa. Por exemplo, as varetas que introduziam elementos químicos para parar a reação nuclear do reator em caso de acidente eram retiradas e introduzidas manualmente, e hoje isso acontece de forma automática. “Hoje, se um reator tiver um acidente, com um terremoto ou alguma coisa desse nível, os reatores PWR, eles têm varetas carregadas com boro, uma substância química que absorve facilmente nêutrons. Então, derrubam-se varetas de boro no reator, o que chamamos envenenamento por boro, o que desliga o equipamento”, explica. Pensando no exemplo brasileiro, os vasos de pressão que comportam os reatores nucleares das usinas Angra 1 e 2 foram construídos para resistir a grandes impactos, como a queda de um avião. “Hoje em dia, não há possibilidade de ocorrer um acidente como o de Chernobyl porque temos outros tipos de reator nuclear. Sobre Fukushima (Japão, 2011), foi um acidente muito diferente e de magnitude menor. Como Chernobyl, jamais”.

Além disso, o que contribuiu para a magnitude do desastre de Chernobyl foram erros humanos durante a realização de testes de qualidade nos dias que antecederam o desastre, em 28 de abril de 1986, e a demora em se emitir o alerta de que algo errado estava ocorrendo.
O professor Vinicius Jacques lembra que antes de Chernobyl já haviam acontecido desastres nos Estados Unidos e Canadá, mas não com tanta repercussão. Porém, foi a partir de Chernobyl que se acendeu o alerta ambiental sobre os perigos da energia nuclear.

Quais as questões políticas envolvidas na produção de energia a partir de fontes nucleares?

O professor Vinicius Jacques estuda os aspectos políticos e históricos da energia nuclear. Ele acredita que o uso da energia nuclear é “caminho sem volta”, ao mesmo tempo em que se diz crítico da forma como as políticas públicas que tratam do assunto são conduzidas. 

Ele conta que a comunidade científica já vinha trabalhando com a fissão de urânio e tório como fonte de energia por volta dos anos 30. Paradoxalmente, foi a partir das bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, que se intensificaram as pesquisas e o uso da energia nuclear para a produção de eletricidade. “Naquela época, para a grande maioria da população do planeta, a energia atômica (que hoje chamamos de nuclear) e a bomba atômica eram a mesma coisa”, conta. 

Foi nesse cenário que surgiu a ideia, principalmente dos Estados Unidos, de “pacificar o átomo”, ou seja, fomentar a utilização da energia nuclear para fins pacíficos e evitar a proliferação de armas nucleares. Já em 1946, os EUA criam a Lei de Energia Atômica e o projeto Manhattan, que construiu as bombas nucleares, passa da gerência militar para a civil, sob o nome de Comissão de Energia Atômica. 

Assim, os EUA começam a buscar o controle sobre o uso desse tipo de energia em várias partes do mundo, inclusive o Brasil, com acordos para fornecimento de urânio. Esses acordos e influências norte-americanas se intensificam com a Guerra Fria, tentando impedir a União Soviética de dominar essa tecnologia e usá-la para fins bélicos. Na mesma época surge a Comissão de Energia Atômica na própria recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de controlar as jazidas de urânio e produção de material radioativo em todo o mundo.
O Brasil foi convidado a participar das reuniões da ONU por ser um dos maiores detentores de minérios radioativos. O antigo acordo com os EUA, firmado por Getúlio Vargas, foi suspenso. Um novo acordo surgiu, com o governo militar de Eurico Gaspar Dutra, em que o Brasil se comprometia em fornecer minérios radioativos aos Estados Unidos em troca de tecnologia, o que acabou não acontecendo. 

Ao mesmo tempo, a União Soviética começa a dominar a tecnologia nuclear e detona a primeira bomba, em 1949. Isso obriga os Estados Unidos a mudarem sua estratégia, e em 1953 o então presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower, profere um discurso na Assembleia da ONU intitulado “Átomos para a Paz”. A partir de então intensifica-se o incentivo do uso da energia nuclear para os fins pacíficos, como a geração de energia. “É uma cartada política e econômica também, para usar justamente pós-segunda guerra a energia nuclear como motor econômico dos Estados Unidos”, explica o professor Vinicius. Assim, a antiga União Soviética e os Estados Unidos disputam mercado pela tecnologia e “se limpa a bomba atômica, não se fala mais disso”, destaca o professor. 

Vinicius lembra ainda que em 1956 o Congresso Brasileiro instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a legalidade dos acordos. Segundo ele, o Brasil poderia ser uma grande potência mundial na produção de energia nuclear se não fossem os “acordos e desacordos” firmados pelo país e o não desenvolvimento de uma indústria nacional robusta. Ele cita nomes de cientistas que tiveram um papel importante no Brasil, como César Lattes, José Leite Lopes e Elisa Frota Pessoa, e iniciativas como a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Porém, muito ainda poderia ser feito, como criar políticas públicas para que os cientistas de ponta fiquem no Brasil. O professor acredita que o país precisa de um planejamento a longo prazo sobre energia nuclear e manejo de resíduos, que seja “uma política de Estado, e não de governo”. 

Há países revendo o uso de energia nuclear. A Alemanha está reduzindo o número de reatores. Qual a tendência?

Segundo a professora Daiane, apesar de as usinas nucleares serem mais seguras que outras formas de produção de energia, há movimentos que pedem pela desativação das usinas nucleares devido ao perigo de acidentes e problemas com os rejeitos. 

Ela acredita haver um “estigma” quanto ao uso desse tipo de energia e muitas vezes a população não é devidamente informada sobre os benefícios da energia nuclear. “Muitos países como a Alemanha deram um passo atrás na energia nuclear por questões ideológicas. Mas, no cenário que temos hoje na Alemanha, devido à guerra na Ucrânia, eles estão tendo um revés muito grande. No inverno eles têm um custo energético muito alto e, agora, eles estão tendo dificuldades em manter a fonte de gás natural que era da Ucrânia. Então, deixou de ter usinas nucleares e passou a ter problemas com o fornecimento de gás”, explica a professora. 

Segundo Daiane, “os países devem refletir até que ponto vale a pena desativar centrais nucleares e depois ficar à deriva de fontes de energia que não são sustentáveis”.

Há o perigo dessa energia ser utilizada para produção de bombas nucleares?

O professor Vinicius Jacques aponta que enquanto a aplicação pacífica da energia nuclear se expandiu na década de 50, também aumentou seu uso para fins bélicos. Mesmo com iniciativas como o “Átomos para a Paz”, em meados da década de 50 havia cerca de 2,6 mil bombas atômicas no mundo. Ele explica que as bombas nucleares são feitas com plutônio, um subproduto do urânio utilizado nas usinas nucleares. Por isso, existem órgãos internacionais que fazem essa fiscalização em usinas, verificando se a quantidade de urânio que “entra” é a mesma que “sai”, para que não sejam usados em outros fins.

Segundo o professor, a situação atual de guerras pelo mundo faz acender o alerta de um perigo nuclear. “Os conflitos no mundo estão tão latentes, os horrores da Segunda Guerra batem à nossa porta o tempo todo. Temos agora o exemplo da Rússia e da Ucrânia, são conflitos que estão acontecendo de fato”, ressalta. Ele lembra que escolher a matriz energética como estratégia de longo prazo tem implicações políticas, de os países serem governados no futuro por regimes que queiram usar esse potencial para fins não pacíficos e fazer um uso perverso da tecnologia.

Por isso, a utilização da energia nuclear deve ser regulamentada para que seja utilizada para fins pacíficos, além da produção da energia, a disseminação e barateamento do uso em outras áreas, como a medicina e a agricultura. 

Qual o futuro da energia nuclear?

A energia nuclear é um caminho sem volta, segundo os professores entrevistados, e assim como o carvão e o petróleo foram as energias dos séculos passados, a nuclear pode ser a do futuro. 

Segundo o professor Vinicius, “a população do planeta evolui para demandar cada vez mais energia. Então, não adianta fazer um discurso muito bonito, porque se a gente demanda cada vez mais, a questão é: de onde vai ser gerado isso?”. O professor acredita que algumas matrizes, como a solar, a eólica e a marítima, podem minimizar a falta de energia elétrica, porém, são necessárias fontes de produção em grande quantidade, como a hídrica e a nuclear, sendo que a hídrica só é possível de ser implantada onde há rios e grandes áreas passíveis de serem alagadas. 

Pesquisas estão sendo realizadas no mundo todo para tornar o uso da energia nuclear mais eficiente, seguro e barato. Uma dessas vertentes é a pesquisa da fusão nuclear. O professor Schappo explica que se trata de um processo que ocorre naturalmente dentro das estrelas. “Neles, átomos pequenos, como hidrogênio, são submetidos a condições específicas de temperatura e densidade para conseguirem se juntar e formar átomos mais pesados, como o hélio, um processo que também libera energia que pode ser aproveitada na geração de eletricidade”, explica.

Dessa forma, diz o professor Schappo, nas últimas décadas há um esforço intenso de pesquisas internacionais para investigar a viabilidade tecnológica da utilização desse tipo de reator, cuja vantagem é não gerar resíduos radioativos. No final de 2022, uma instituição científica e tecnológica dos Estados Unidos (LLNL) anunciou ter conseguido, pela primeira vez, estabelecer um processo de fusão nuclear autossustentável, no qual a energia gerada na fusão pode servir para manter novas fusões acontecendo, mas, ainda, apenas por um breve intervalo de tempo. “Em outras palavras, a fusão nuclear tem potencial, mas ainda estamos longe do momento em que poderemos usá-la para complementar a matriz energética mundial”, acrescenta. 

Quanto ao Brasil, o professor Schappo informa que existem pesquisas no setor nuclear, como as desenvolvidas no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), que detém um reator de fissão nuclear para pesquisas, e a Universidade de São Paulo (USP), que abriga um laboratório de Física de Plasmas onde está instalado um reator capaz de estudar o processo de fusão nuclear.

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Quais os desafios da Construção Civil diante das mudanças climáticas?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 jul 2024 09:54 Data de Atualização: 30 jul 2024 10:27

Em um manifesto lançado em maio sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) afirmou que “não é possível que continuem sendo construídos edifícios e infraestruturas urbanas sem considerar que o clima está mudando” e que é preciso “adequar normas técnicas de projeto e desenvolver soluções inovadoras viáveis” para garantir um futuro mais seguro. Mas, afinal, considerando os eventos climáticos extremos que serão cada vez mais frequentes, que tipo de construções são mais indicadas? Quais materiais podem ser opções sustentáveis? Quais são os principais desafios que as mudanças climáticas representam para a construção civil? Para abordar essas e mais questões, conversamos com três professores que atuam em cursos da área de Construção Civil do IFSC:

Os desafios das construções diante das mudanças climáticas

Normalmente, o projeto de uma construção é feito para  ser adequado ao clima do local, assegurando o conforto de quem está no ambiente com o menor consumo de sistemas ativos - como o uso de ar-condicionado e iluminação artificial, por exemplo. A professora Ana Lígia destaca que quando uma edificação é projetada para um determinado clima e ele muda, as alterações no ambiente externo podem tornar o ambiente interno desagradável e, com isso, fazer com que seus ocupantes busquem sistemas ativos para garantir o conforto.

O comportamento térmico e o consumo energético de uma edificação podem ser estimados por simulação computacional, usando arquivos climáticos da região. “Um dos desafios atuais é não só avaliar computacionalmente se um projeto de uma edificação está adequado ao clima atual, mas também avaliar como adequar esta edificação usando um arquivo climático futuro, visto que uma edificação construída agora terá um tempo de uso de mais de 50 anos”, aponta a professora. “Existe então a necessidade de fazer análises de simulações termoenergéticas de edificações usando arquivos climáticos atuais e também resultantes da investigação e hipóteses das mudanças climáticas e, assim, tentar trabalhar com possibilidades construtivas que se adequem a esta variação climática”, complementa.

Desde 2013, o Brasil conta com a NBR 15.575, conhecida como a norma de Desempenho de Edificações Residenciais. “O aspecto interessante desta norma é que ela possibilita a utilização de materiais e sistemas construtivos diversos, desde que garantam os aspectos de habitabilidade, segurança e sustentabilidade da edificação quando em uso pelos seus ocupantes”, observa Ana Lígia.

No Brasil, evitar temperaturas elevadas no ambiente interno para prevenir desconforto por calor e sobreaquecimento é um grande desafio para as habitações, especialmente com o aumento previsto das ondas de calor e do efeito ilha de calor. Eventos climáticos extremos também apresentam riscos adicionais não só do ponto de vista térmico, uma vez que tempestades e enchentes afetam as estruturas e as manutenções das edificações. “Além de garantir o conforto térmico, que é a satisfação com o ambiente interno, há o desafio de evitar o estresse térmico, condições com risco à saúde causadas por exposições extremas ao frio ou calor”, explica o professor Rogério Versage.

-> Construções nas enchentes: como saber se é seguro voltar?

Quais as construções mais indicadas considerando os eventos climáticos extremos?

Quando se fala de estratégias para o futuro do conforto no ambiente construído, o termo “resiliência térmica” vem sendo muito adotado. Rogério explica que a resiliência térmica é a capacidade de um edifício de manter condições internas seguras e confortáveis considerando as mudanças climáticas e durante eventos climáticos extremos, mesmo em caso de falhas de energia. “Para enfrentar as previsões de clima futuro, o ideal é a escolha dos materiais de construção e estratégias de projeto que garantam a resiliência térmica das edificações”, ressalta o professor.

Um exemplo de estratégia bioclimática que pode ser usada nos projetos arquitetônicos para melhorar o conforto térmico e a eficiência energética das edificações é o posicionamento adequado das construções e seus ambientes em relação ao sol, uma vez que isso ajuda a controlar os ganhos de calor no verão. De acordo com Rogério, beirais, toldos e elementos de sombreamento devem ser previstos para o controle da radiação solar nos ambientes. O posicionamento e dimensionamento de janelas também deve potencializar a ventilação natural para o conforto térmico e garantir a proteção contra ventos fortes.

Além disso, os projetos devem ser flexíveis para permitir adaptações ao longo do tempo, como expansões ou reorganização dos espaços, atendendo às necessidades diversas de famílias e empresas. “Essa flexibilidade é essencial para a adaptação das edificações durante toda sua vida útil”, afirma o professor.

Quais são os tipos de materiais indicados?

Para garantir o efeito de resiliência térmica, Rogério explica que são indicados materiais de alta inércia térmica (capazes de armazenar e liberar calor de forma controlada), de isolamento térmico (para minimizar as trocas de calor com o ambiente externo) e de baixa absorção térmica, como revestimentos claros e reflexivos. Um exemplo prático de material são os tijolos cerâmicos usados nas paredes e telhados com telhas em cores claras e isolamento térmico como mantas aluminizadas, lã de vidro ou isolantes de fibras naturais. “Devemos ainda considerar a sustentabilidade ambiental com o uso de materiais reciclados e madeira certificada para estruturas e acabamentos”, complementa.

Pensando em materiais mais sustentáveis, o ideal é escolher materiais locais. A professora Ana Lígia afirma ainda que a utilização da madeira auxilia na diminuição da emissão de carbono e as argamassas de cimento apresentam maior energia incorporada do que outros tipos de argamassas. “O primeiro passo ao se projetar uma edificação que seja mais sustentável é conhecer os aspectos referentes ao conforto do ser humano”, destaca. 
“Quando falamos de eficiência energética nas edificações não estamos falando de economia de energia, mas sim em garantir o conforto dos ocupantes, mas com o menor consumo de energia”, aponta. Segundo ela, para se fazer uma edificação mais sustentável, além da eficiência energética e do conforto ambiental, é preciso considerar também outros aspectos como a garantia de segurança, a salubridade, o pagamento correto para a mão-de-obra envolvida no processo de construção, economia de água, minimização da produção de resíduos, uso de materiais menos impactantes ao meio ambiente, entre outros. 

Taipa de pilão: um material econômico e sustentável

Uma opção de material que pode ser considerada neste cenário é a taipa de pilão. O sistema construtivo milenar, que consiste na construção de paredes por meio do apiloamento/compactação de camadas de terra crua em formas de madeira, vem sendo estudado e aprimorado por pesquisadores do Câmpus São Carlos do IFSC

“A terra extraída in loco tem se tornado um excelente material construtivo, quando se pretende aliar conforto termoacústico com inovação para construções mais sustentáveis, saudáveis e acessíveis para seus moradores”, destaca o professor Anderson Renato Vobornik Wolenski, que atua na área de Estruturas e Tecnologias da Construção Civil e participou do grupo de trabalho que elaborou a Norma Técnica 17014/2022 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A norma define os requisitos, procedimentos e controle para edificações que usem a taipa de pilão e a perspectiva é que, com a normatização, a técnica passe a ser mais adotada na construção civil. 

Taipa produzida coletivamente no Sepei 2023 está em exposição no Câmpus São Carlos
 

O sistema construtivo em taipa de pilão se difere de outras formas de construção com terra, pois utiliza a terra em seu estado compactado para compor paredes estruturais, que eliminam a necessidade de pilares de concreto, aço ou madeira. Dessa forma, o material pode ser utilizado para a construção de edificações residenciais e comerciais de múltiplos pisos. “Na Europa, por exemplo, já existem edifícios de quatro pavimentos com suas paredes executadas em taipa de pilão, em regiões com clima de grande amplitude térmica; nos países nórdicos, têm sido cada vez mais frequente a execução de paredes estruturais, acima de 30 cm de espessura, capazes de suportar períodos de frio e neve intensos, assim como tem se tornado realidade o seu uso para suportar os dias de calor intenso em regiões desérticas e de clima árido”, cita o professor para exemplificar a excelente adaptabilidade no uso do sistema em taipa de pilão.

Se em países desenvolvidos, a taipa de pilão já se tornou realidade e tem sido cada vez mais frequente seu uso em edificações contemporâneas de alto valor agregado, no Brasil, esse movimento tem sido lento. “Ainda persiste uma cultura advinda das antigas construções em terra, especialmente, em pau a pique, que fragilizaram a ideia de que o uso da terra como elemento construtivo alcançou novos patamares de inovação tecnológica a ponto de se tornar um dos materiais do futuro para edificações sustentáveis”, comenta Anderson. 

Em conjunto com a taipa de pilão, a terra tem um enorme potencial para transformar a construção civil brasileira em uma indústria capaz de enfrentar as mudanças climáticas. No entanto, o professor do Câmpus São Carlos observa que todos os materiais que compõem esta indústria têm sua função e espaço, porém seu uso deve estar atrelado a um consumo sustentável. “O grande desafio da construção civil do futuro não está na descoberta de um material que revolucione a forma de se edificar, afinal, todos os materiais são mais ou menos poluentes. O que nos leva a pensar que o verdadeiro desafio esteja em como os projetistas e construtores estão pensando seus projetos de forma consciente e sustentável, pautada em uma escolha otimizada por materiais de menor impacto ao meio, que durem no longo prazo e que forneçam às melhores condições para uma edificação auto suficiente”, destaca.

“O grande desafio da construção civil do futuro não está na descoberta de um material que revolucione a forma de se edificar, afinal, todos os materiais são mais ou menos poluentes. O que nos leva a pensar que o verdadeiro desafio esteja em como os projetistas e construtores estão pensando seus projetos de forma consciente e sustentável, pautada em uma escolha otimizada por materiais de menor impacto ao meio, que durem no longo prazo e que forneçam às melhores condições para uma edificação auto suficiente”.  Anderson Renato Vobornik Wolenski | professor do Câmpus São Carlos
 

A eficiência energética como caminho

Melhorar a eficiência energética nas casas do futuro é uma medida que traz benefícios duplos: garante conforto térmico para os moradores e reduz as emissões de carbono das edificações. “Para alcançar isso, é essencial utilizar tecnologias de energia renovável, como painéis solares fotovoltaicos e sistemas de aquecimento solar, que aproveitam a energia do sol para gerar eletricidade e aquecer a água, diminuindo a dependência de fontes de energia convencionais”, explica o professor Rogério.

Segundo a professora Ana Lígia, o que se busca atualmente na área da eficiência energética em edificações é projetar edificações e até bairros “zero energia”, em que a geração de energia limpa é maior do que o consumo energético. “Outro conceito que se busca nos projetos é um edifício de emissão zero carbono, onde a produção de energia renovável é igual ou superior ao consumo de energia de fontes não renováveis”, ressalta.

A automação residencial também desempenha um papel importante neste cenário sustentável, permitindo otimizar o uso de energia com sistemas de gestão inteligente que monitoram e controlam o consumo, ajustando a iluminação, o aquecimento e o resfriamento conforme necessário. “O isolamento térmico também é fundamental para reduzir a troca de calor com o ambiente externo, diminuindo assim a necessidade de aquecimento e resfriamento mecânico”, complementa Rogério.

A escolha de equipamentos eficientes, como eletrodomésticos e sistemas de climatização com alta eficiência energética, também é essencial para reduzir o consumo de energia e oferecer melhor desempenho. “Essas estratégias não só tornam as casas mais confortáveis e sustentáveis, mas também ajudam a combater as mudanças climáticas ao reduzir o consumo de energia e as emissões de carbono”, ressalta o professor.

Benefícios de construções sustentáveis

Investir em casas mais confortáveis e sustentáveis traz uma série de benefícios tanto econômicos quanto ambientais. Rogério diz que uma das principais vantagens é a redução dos custos de operação. “Com uma eficiência energética aprimorada, se consome menos eletricidade para manter um ambiente confortável, resultando em contas de energia mais baixas”, afirma. Além disso, segundo o professor, essas casas tendem a se valorizar no mercado imobiliário, pois são cada vez mais procuradas por compradores que valorizam sustentabilidade e conforto.

No aspecto ambiental, esse tipo de construção ajuda a reduzir a emissão de gás carbônico, contribuindo de forma direta para atenuar os efeitos das mudanças climáticas. “As casas sustentáveis tornam-se essenciais pela utilização de energias renováveis em conjunto com a economia de recursos, garantindo uma certa autonomia para enfrentar possíveis extremos climáticos que possam desabastecer as cidades de energia e água. Essa independência de recursos não só promove a sustentabilidade, mas também oferece segurança e resiliência em tempos de crise”, destaca Rogério.

Como adaptar as casas atuais?

Embora o nosso olhar esteja nas construções do futuro, não podemos nos esquecer do que já existe. “Falar de edificações novas é mais fácil, agora adequar e adaptar as edificações existentes é mais complexo”, afirma a professora Ana Lígia. Segundo ela, na Europa, a norma de desempenho para novas construções já está consolidada e agora já tem até norma de desempenho para edificações antigas. Já no Brasil, há um grande parque edificado. “O fato de se reabilitar uma edificação existente evita o consumo desnecessário de recursos (naturais e energéticos), o que é uma opção em prol de um desenvolvimento mais sustentável”, comenta.
De acordo com a professora, para as edificações existentes, é necessário primeiro avaliar a situação atual e estudar de que forma o sistema construtivo poderia ser complementado para que esta edificação atinja o desempenho pretendido para o micro clima daquele local, ou para um clima mais desfavorável no futuro. “É possível a instalação de isolamento térmico em telhados, a instalação de sombreamentos em janelas com orientação solar desfavorável, aplicar acabamentos e materiais em cores claras ou reflexivas para diminuir a absorção de calor solar, assim como adotar equipamentos mais eficientes e sistemas de geração fotovoltaica e aquecimento solar de água”, acrescenta Rogério.

Além das melhorias físicas, o comportamento das pessoas desempenha um papel crucial na resiliência térmica. “As pessoas devem adotar comportamentos ativos para lidar com temperaturas extremas, como utilizar roupas adequadas para o clima, ajustar seus níveis de atividade física e alimentação para diminuir seu metabolismo e utilizar corretamente as janelas, cortinas, ventiladores e sistemas de condicionamento de ar”, destaca o professor.

É preciso muito investimento para ter construções sustentáveis? 

Este tipo de construção não precisa necessariamente depender de alta tecnologia e alto investimento. Segundo o professor do Câmpus Florianópolis, o mais importante é que haja o domínio das estratégias de eficiência energética e conforto térmico e consciência para a sustentabilidade. “Soluções adaptativas simples podem ser implementadas em programas de habitação social”, informa.

Um dos principais desafios que a área de construção civil enfrenta diante das mudanças climáticas é a necessidade de capacitação dos profissionais para que estejam atualizados com práticas sustentáveis e tecnologias modernas. O IFSC oferece formação em Engenharia Civil com unidades curriculares de Eficiência Energética em Edificações que formam os estudantes no domínio das estratégias bioclimáticas e competências para elaboração de projetos eficientes e sustentáveis. A instituição também já ofertou o curso de Especialização Técnica em Eficiência Energética em Edificações. Há ainda os cursos de mestrado em Clima e Ambiente e em Sistemas de Energia, que também apresentam linhas de pesquisa relacionadas ao tema.

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Graduação:

- Engenharia Civil - Câmpus Criciúma
- Engenharia Civil - Câmpus Florianópolis
- Engenharia Civil - Câmpus São Carlos
- Sistemas de Energia - Câmpus Florianópolis

Técnico:

- Edificações (Integrado) - Câmpus Canoinhas
- Edificações (Integrado) - Câmpus Criciúma
- Edificações (Integrado) - Câmpus Florianópolis
- Edificações (Integrado) - Câmpus São Carlos
- Edificações (Concomitante) - Câmpus Canoinhas
- Edificações (Concomitante) - Câmpus São Carlos
- Edificações (Subsequente) - Câmpus Criciúma 
- Edificações (Subsequente) - Câmpus Florianópolis 

Especialização:

- Especialização Técnica em Eficiência Energética em Edificações - Câmpus Florianópolis

Mestrado:

- Clima e Ambiente - Câmpus Florianópolis
- Clima e Ambiente - Câmpus Garopaba
- Clima e Ambiente - Câmpus Itajaí
- Sistemas de Energia Elétrica - Câmpus Florianópolis

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IFSC VERIFICA

Mudanças climáticas e enchentes no Sul do Brasil: que lições temos a aprender?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 05 jun 2024 09:28 Data de Atualização: 05 jun 2024 09:54

Em março de 2022, o IFSC Verifica abordou pela primeira vez o tema das mudanças climáticas. Na época, havia sido publicado o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que apontava os danos à saúde e ao meio ambiente que já estavam sendo observados em função dos efeitos do aumento da temperatura média global.

O que motivou a equipe do IFSC Verifica a tratar pela primeira vez desse tema, além da divulgação do relatório, foi a ocorrência de eventos extremos muito marcantes no Brasil. Naquela ocasião, a problemática enfrentada era a estiagem prolongada no Sul, que deixou prejuízos bilionários em 2022, e as enxurradas na região Sudeste, que varreram cidades como Petrópolis (RJ) e deixaram mais de 300 mortos. Juntos, esses fenômenos impactaram a vida de cerca de 25 milhões de pessoas nos estados do Sul e do Sudeste, segundo dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil.

Dois anos depois, em nova ocorrência extrema que vem chamando a atenção do país e do mundo, o problema no Sul, agora, é o excesso de chuvas. Desde o final de abril, as enchentes no Rio Grande do Sul devastaram cidades inteiras, tiraram a vida de mais de 170 pessoas e resultaram em perdas incalculáveis. O estado mal se recuperava de duas enchentes ocorridas no segundo semestre de 2023, que deixaram mais de 50 mortos.

O excesso de chuva concentrada num mesmo local é resultado de uma série de fatores que a Meteorologia já vem estudando há bastante tempo e que, no caso da nossa região, começa com o chamado fenômeno El Niño, que consiste no aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico. Em anos de El Niño, costuma ocorrer tendência de chuvas em excesso no Sul do Brasil - as grandes enchentes de 1983 e 1984 em Santa Catarina, por exemplo, foram decorrência do fenômeno - e de estiagem no Sudeste e Nordeste do país. O fenômeno oposto, chamado de La Niña - o resfriamento anormal das águas do Pacífico - gera efeitos contrários, com seca no Sul e chuva em excesso no Sudeste, como foi o caso daquele ano de 2022.

O que aconteceu no Rio Grande do Sul está explicado na ilustração abaixo: uma massa de ar quente e seco, estacionada na região central (2) impediu a passagem da frente fria (1), que, por sua vez, se intensificou com a vinda de ar úmido da Amazônia (3) e o El Niño (4).


 

De acordo com o professor Mário Quadro, doutor em Meteorologia e docente da área no Câmpus Florianópolis, é consenso que os fenômenos extremos têm se tornado cada vez mais intensos e ocorrido com maior frequência. E isso é decorrência do aumento na temperatura média da Terra, provocado pelo chamado efeito estufa, explicado no nosso post de 2022. Ao passo em que também já é consenso que as mudanças no clima, mais do que fenômenos naturais, sofrem interferência da ação humana, os cientistas também vêm alertando regularmente para a importância de medidas que contenham o aquecimento do planeta - que passam, sim, por atitudes individuais, mas, principalmente, devem partir dos governos, da esfera pública e das grandes corporações.

Nesse cenário nada simples, podem surgir questões como: é possível que um fenômeno tão intenso como o ocorrido atualmente no Rio Grande do Sul se repita? Santa Catarina, que é um estado com tanta experiência em enchentes e outros fenômenos, está preparado para uma eventual precipitação anormal? 

Neste post, conversamos com os professores do IFSC, o meteorologista Mário Quadro e a engenheira sanitarista Maurília de Almeida Bastos, ambos do Câmpus Florianópolis, e o geógrafo João Henrique Quoos, do Câmpus Garopaba, para pensarmos sobre algumas lições que as mudanças climáticas vêm nos ensinando.

Lição 1: As mudanças climáticas não são mais uma previsão, e sim uma realidade cujos efeitos já estamos sentindo na pele

Os primeiros alertas globais acerca dos efeitos da ação humana sobre o meio ambiente podem ser situados em 1972, ano em que as Nações Unidas realizaram a primeira grande conferência sobre o meio ambiente, em Estocolmo (Suécia). De lá para cá houve uma série de outros encontros que promoveram discussões amplas a esse respeito, e os variados aspectos das mudanças climáticas entraram de vez na agenda da pesquisa científica.

Desde os anos 2000, os relatórios globais do IPCC trouxeram alertas para o perigo iminente da elevação da temperatura média do planeta em função da emissão de gases-estufa - razão pela qual também se ouve falar em “aquecimento global” como expressão equivalente a “mudança climática”. Mais do que previsões, esses alertas apontam tendências e mostram que os efeitos das mudanças climáticas já são uma realidade.

A saúde das pessoas é um dos aspectos impactados: dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, entre 2030 e 2050, efeitos das mudanças climáticas devem causar 250 mil mortes a mais por ano, por causas como desnutrição, diarréia, malária e estresse térmico. “A gente não costuma associar o clima quente a problemas de saúde, em comparação com o frio, mas, com as mudanças climáticas, as ondas de calor têm sido cada vez mais frequentes e extremas, e isso tem muito impacto na saúde das pessoas”, observa o professor Mário Quadro. O clima muito quente e seco pode agravar condições crônicas como diabetes, asma e hipertensão, além de aumentar o risco de transmissão de doenças infecciosas.

As mudanças nos padrões do clima tendem a tornar mais frequentes não apenas as ondas de calor, mas também as de frio, fenômenos como vendavais e granizo e ocorrências de chuvas em excesso, como foi o caso recente no Rio Grande do Sul. Tudo isso pode ter impactos maiores ou menores dependendo das características das regiões atingidas, como explica Mário Quadro. “É uma conta que tem que levar em consideração vários fatores. Às vezes a gente tem um evento que é concentrado mas que ocorre numa região muito habitada, e aí o dano é gigantesco, catastrófico, mesmo que afete só uma cidade. No caso atual, foi um evento de muita chuva que teve impactos em muitas cidades ao mesmo tempo, por causa da distribuição dos rios”, comenta o professor. “Não só o Sul, mas o Brasil vai ter que repensar sua capacidade de lidar com esse tipo de fenômeno.”

Assim, as mudanças climáticas e os efeitos de eventos extremos, como o que afeta o Rio Grande do Sul, não é problema apenas de populações mais vulneráveis, mas de todos. “Precisamos ter um olhar diferenciado, não imaginar mais que não vai acontecer conosco”, alerta a professora Maurília de Almeida Bastos.

Em Santa Catarina, por exemplo, o Estado determinou que os comitês de bacia devem fazer treinamentos com a população e ter planos de defesa para que as pessoas possam sair das suas casas o mais rápido possível. Maurília explica que há tecnologias que simulam invasão das águas e que vão ajudar a saber qual a cota de alagamento para orientar planos de evacuação. 

Outra medida importante, segundo a professora, seria mapear as áreas de risco e remover a população desses locais, algo que demanda ação principalmente do poder público, além da conscientização da população. Segundo a professora, cobrar do poder público e fazer a sua parte como cidadão deve ser uma realidade de todos.

Lição 2: A educação ambiental e a aproximação entre mídia e ciência podem criar uma nova consciência e combater a desinformação e o negacionismo

A educação ambiental é um caminho para a mudança de consciência sobre a importância da preservação do meio ambiente. Todos os professores que ouvimos para este post concordam que o conhecimento científico sobre como lidar com as questões climáticas e preservar o meio ambiente vai permear as mais diversas áreas do conhecimento, além das profissões já tradicionalmente ligadas à área ambiental. Para que isso aconteça, as instituições de ensino devem ser protagonistas.
Para o professor João Henrique, o papel das instituições de ensino é defender um modelo de desenvolvimento e ocupação do solo sustentável e com embasamento científico, preparando as pessoas para o trabalho e a utilização da tecnologia. “Nós somos uma resposta para a sociedade, de que não é preciso somente ocupar os espaços irregulares para fazer dinheiro. Podemos ter outras formas, desenvolvendo ciência para gerar desenvolvimento”, completa. Para o professor, a Educação Ambiental pode ser uma disciplina específica, já ofertada pelo IFSC em vários cursos técnicos integrados. Porém, disciplinas como Geografia, Ecologia, Biologia, Química e Física podem trazer conteúdos para ensinar o que está acontecendo na atmosfera e a relação com os eventos climáticos.

A professora Maurília explica que um passo importante em direção a uma educação ambiental que envolva também a preocupação com questões sociais é curricularização da extensão, à qual o IFSC já está se adaptando. Segundo esta normativa, que é uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), parte do currículo dos cursos de graduação deve ser voltada a ações para a comunidade. “Esse viés já estamos trilhando há bastante tempo, mesmo antes da lei. Nós formamos o profissional para o mercado, mas também podemos humanizá-lo, por meio dessa consciência nos projetos de extensão”, afirma.

A educação ambiental também passa pela questão da mídia em geral e das mídias sociais. Com as enchentes no Rio Grande do Sul, o professor João Henrique começou a publicar vídeos em seu canal no Instagram e no canal criado pelos servidores do Câmpus Garopaba como ação de mobilização pela greve. São informações cartográficas e atualizações sobre os níveis dos rios do estado gaúcho obtidas pelo Laboratório de Geomática (MaGe). O canal do professor já tem mais de 5 mil inscritos e o vídeo sobre o mapa produzido na década de 60 pelo Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (Igra) já conta com mais de 400 mil visualizações. Também estão disponíveis aulas e imagens de satélite. Para ele, são uma forma de contribuir com a sociedade nesse momento e engajar os alunos.

-> Veja o canal do professor João Henrique Quoss no Instagram

As críticas recebidas no Instagram, segundo o professor João Henrique, “negando” a interferência humana na mudança do clima, podem ser interpretadas de formas diferentes. Uma delas, é a necessidade de se repensar práticas de ensino na ciência. “Temos que pensar onde estamos falhando para as pessoas não compreenderem essas coisas. A Geografia, como disciplina, existe há muitos anos, então, é possível que estejamos errando em algumas coisas”.

Outra observação do professor sobre a origem do negacionismo é a crença de algumas pessoas em que preservar o meio ambiente significa menos desenvolvimento econômico, menos empregos e empobrecimento, o que não é bem assim. Combater as mudanças climáticas não significa desacelerar a economia, mas realizá-la de forma sustentável. Por exemplo, não precisamos dizer que para preservar o meio ambiente é necessário deixar de andar de automóvel, mas desenvolver tecnologias para tornar os carros menos poluentes. 

“Esta questão das enchentes no Rio Grande do Sul não está sendo do jeito que a gente queria, mas esse é um momento de divulgação da ciência. Temos que aproveitar essa oportunidade, pois as pessoas esquecem. Quando passar um certo tempo, as pessoas podem estar desgastadas com essa informação e não voltarem seus olhares para o valor da ciência”, relata o professor.

Lição 3: Políticas públicas e legislação mais eficazes são essenciais para mitigar os efeitos de desastres climáticos e promover a preservação ambiental

Não é possível pensar em prevenção e mitigação dos efeitos de desastres climáticos ou preservação ambiental sem se pensar no poder público. A criação de leis, definição de prioridades e aplicação de recursos passam por decisões governamentais e legislativas nas esferas federal, estaduais e municipais.

Para a professora Maurília, o cidadão ambientalmente consciente é aquele que vota em candidatos que defendem propostas concretas. “É preciso saber como votar e não se deixar levar por discursos fantasiosos. É preciso avaliar o discurso e questionar se a prática já foi feita. É desenvolver mais isso, de relacionar o discurso com a prática”, defende.

Um exemplo de consequência direta da não atuação do poder público foi, segundo a professora Maurília, a falta de manutenção dos mecanismos que evitariam as enchentes em Porto Alegre: as barreiras e o bombeamento de água sem manutenção contribuíram para o alagamento no centro da cidade. Da mesma forma, o professor Mário Quadro observa que as enchentes ocorridas em 2023 no Rio Grande do Sul poderiam ter servido de alerta e motivado medidas preventivas. “Mas pouco foi feito em termos de estrutura”, observa. 

Neste momento, de acordo com a professora, o poder público precisa se preocupar com medidas mais imediatas, como as doenças transmitidas pela água, o lixo e o entulho proveniente dos alagamentos. Porém, as medidas a médio e longo prazos, como recuperação das cidades e medidas para prevenção devem ser implementadas. Segundo a professora Maurília, desastres ocorridos em 2022 e 2023 no Sudeste, como Petrópolis e Belford Roxo, foram alertas do que poderia acontecer no restante do país, mas “não sensibilizaram quem deveria investir recursos nessas áreas”.

O professor João Henrique e a professora Maurília defendem a criação de comitês municipais para discutir a questão ambiental, envolvendo as instituições de ensino e pesquisa, o poder público e a comunidade local, inclusive com poder de decisão sobre aplicação de recursos. “O fato de existirem comissões e comitês para discutir questões ambientais em grandes cidades, como Florianópolis tem e Garopaba está tendo agora, está mudando a visão sobre a questão climática. Vários municípios que são atingidos não têm essa comissão, aparece alguém vendendo uma solução que muitas vezes é apenas um produto. Quando você tem uma comissão, você consegue articular com todo mundo, inclusive a sociedade e o grupo de pessoas que vive ali”, explica o professor.

Além da legislação ambiental, a preocupação com o meio ambiente deve se refletir nos planos diretores dos municípios. Porém, para isso, é preciso enfrentar lobbies poderosos de alguns setores econômicos, alerta a professora Maurília.

Lição 4: Ciência e tecnologia podem contribuir com respostas para prevenção e mitigação de efeitos de eventos extremos

Assim como a ciência pode ajudar a encontrar respostas para o desenvolvimento sustentável (que leve em conta aspectos ambientais, sociais e econômicos), ela também pode contribuir para a prevenção e a mitigação dos efeitos de eventos climáticos extremos.

Como citamos na matéria publicada em 2022, a tecnologia que temos hoje no Brasil permite que eventos extremos sejam monitorados e previstos. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, é responsável por monitorar e alertar regiões de risco em casos de eventos extremos (chuvas fortes, ventos, estiagens, entre outros). 

O IFSC possui cursos que desenvolvem pesquisas e projetos de extensão na área ambiental, como por exemplo os cursos de Meteorologia, Saneamento (técnicos), Gestão Ambiental (superior de tecnologia), Engenharia Civil (bacharelado), Educação Ambiental (especialização),  Clima e Ambiente (mestrado), entre outros.

Alguns exemplos de atuação nas enchentes do Rio Grande do Sul vêm do Laboratório de Geomática, do Câmpus Garopaba, com a participação de professores e estudantes:

Cartografia para a Força Aérea: O professor João Henrique foi solicitado a criar uma cartografia noturna da região de Porto Alegre para auxiliar na navegação de aeronaves da Base de Santa Maria da Força Aérea Brasileira.

Resgate em áreas rurais: Fornecimento de imagens por satélite para bombeiros voluntários realizarem resgates em áreas rurais do município de Agudo. “Diferente das áreas urbanas, onde houve muita inundação, no interior houve muitos deslizamentos de terra. Então, os bombeiros precisavam reconhecer onde estavam as casas que já estavam soterradas”, explica o professor João Henrique. Assim, as imagens de satélite foram comparadas com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontando a localização das propriedades rurais. 

Parceria com ICMBio: O Laboratório de Geomática está preparando material cartográfico para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para atuação de campo em uma Unidade de Conservação no município de Rio Grande, onde desemboca a Lagoa dos Patos. O trabalho foi solicitado por ex-alunos do IFSC que hoje atuam no ICMBio e conta com a participação de alunos atuais.

Enchentes de 2023: Foram realizados levantamentos em 2023 na cidade de Venâncio Aires, no vale do Rio Taquari, atingida pelas enchentes, para delimitar a área atingida naquele momento.

Instrumentos representativos: A produção de material didático para escolas e instituições também faz parte do trabalho do Laboratório de Geomática. Estão sendo produzidas maquetes em 3D de bacias hidrográficas. Em parceria com o Geolab, da Udesc, foi produzida maquete da bacia hidrográfica do Rio Itajaí, com cópias entregues à Defesa Civil de Santa Catarina e ao município de Rio do Sul, e modelos de relevo do Rio Grande do Sul, que podem ser baixados para impressão. 

Realidade aumentada: Foi criada uma imagem em realidade aumentada sobre as enchentes para uso em sala de aula. “A informação e o trabalho tecnológico em Geoprocessamento já está mostrando isso em cartografia e em digital. Temos dificuldade de tornar pública e abstrair essa informação para a comunidade, tornar as informações práticas e compreensíveis, inclusive fazer essa parte técnica ser entendida pelos políticos”, destaca o professor João Henrique.

Monitoramento em tempo real: O Instagram dos servidores em greve no Câmpus Garopaba e do professor João Henrique estão exibindo imagens demonstrando o nível dos rios das regiões atingidas pela enchente no Rio Grande do Sul, a partir de dados locais.

Outra contribuição importante do IFSC será o Laboratório Multiusuário de Clima e Ambiente, projeto coordenado pelo professor Mário Quadro que foi contemplado com recursos de R$ 2,5 milhões do governo do Estado, via Fapesc. O laboratório vai coletar informações sobre padrão de chuva, vento, temperatura, ondas de calor e qualidade do ar, entre outras. O modelo de simulação climática vai conseguir definir com maior precisão as regiões suscetíveis a fenômenos extremos em Santa Catarina. Todos os dados coletados serão compartilhados com órgãos como a Epagri, o Instituto do Meio Ambiente e a Defesa Civil. A perspectiva é que o trabalho incremente a capacidade do estado de antever os eventos extremos e mapear regiões de risco.

Lição 5: As atividades econômicas precisam se adaptar à nova realidade, buscando o desenvolvimento sustentável, com a recuperação e preservação da cobertura florestal

O relatório mais recente do IPCC sobre os efeitos das mudanças climáticas é bastante objetivo: a preservação da cobertura florestal (ou a recuperação de áreas de vegetação degradadas) é a solução para reduzir praticamente todos os problemas: vão desde a fixação do solo e a delimitação de áreas alagáveis até a absorção de CO2 e a manutenção da qualidade do ar, passando por muitos outros benefícios (veja mais detalhes neste material da World Resources Institute Brasil).

Além de repensar a ocupação do solo na área rural, com manutenção da cobertura vegetal, seja em áreas de preservação permanente ou uso de práticas agrícolas que não deixem o solo exposto, é preciso repensar também as áreas urbanas. Por exemplo, muitas cidades catarinenses canalizaram seus rios e construíram núcleos urbanos em cima deles. Os rios que formavam curvas foram “retificados”, o que representa um risco em caso de fortes chuvas, pois a velocidade da água acaba sendo maior e sem área suficiente para o alagamento natural. “Eu estava fazendo trabalho de outra área e caminhando próximo a um rio, e vi a fundação de um prédio dentro do rio. Por não ter uma fiscalização, muitas pessoas acabam construindo dentro do rio e depois vão legalizar a construção”, explica a professora Maurília. Segundo ela, a legislação proíbe construir em cima de drenagens, regra nem sempre é cumprida. 

O mesmo acontece no Litoral, onde não se respeitam as áreas de praia, e muitas construções são atingidas nas ressacas do mar ou mesmo soterradas por dunas. Nos dois exemplos, são os interesses econômicos que se sobrepõem ao social e ao ambiental, acarretando prejuízos a médio e longo prazos. “As pessoas precisam mudar os modelos de manejo, porque senão teremos situações ainda piores, dentro dessa guerra silenciosa, dessa ocupação desordenada, políticas direcionadas a interesses econômicos de certos setores, planos diretores que precisam ser atualizados dentro do contexto não só imobiliário, mas sim dessa ocupação urbana de acordo com as condições da natureza”, alerta a professora.

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Transgênicos fazem mal à saúde?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 mar 2024 04:20 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:29

Já ouviu falar no “boimate”? Esse foi o nome dado a uma suposta planta que teria sido criada em laboratório por cientistas alemães em 1983. Eles teriam combinado genes de um boi e de um tomate, dando origem a um tomateiro com fruto de casca semelhante ao couro, com seu interior contendo discos de proteína animal e de tomate intercalados. Essa novidade, divulgada pela renomada revista Veja na edição de 27 de abril daquele ano, era tão fantástica que não parecia ser verdade. E, bem… não era verdade mesmo.

Veja acabou republicando como notícia uma brincadeira de 1º de abril (o chamado “Dia da Mentira”) feita pela revista britânica New Scientist. A publicação brasileira chegou a entrevistar um engenheiro geneticista que ficou impressionado com a novidade. O pouco conhecimento que se tinha na época sobre a engenharia genética ajuda a explicar esse engano, admitido pela revista cerca de dois meses depois.

Passadas quatro décadas desse episódio - até hoje lembrado em aulas de cursos de jornalismo e de comunicação -, as possibilidades que a engenharia genética traz ainda não são totalmente compreendidas pelo público leigo. Um exemplo disso são os alimentos transgênicos, alvos de debates sobre sua segurança e impacto para a saúde humana.

“A gente percebe que as pessoas não sabem o que são os alimentos transgênicos, embora já tenham ouvido falar deles”, conta a professora Gladis Teresinha Slonski, do Câmpus Florianópolis-Continente do IFSC, que trabalha o tema transgênicos com estudantes de cursos de diferentes níveis (técnico, graduação e especialização).

Para saber mais sobre os transgênicos, se seu consumo é seguro para a saúde humana e os impactos sociais, econômicos e ambientais deles, conversamos com Gladis e mais dois professores. O currículo de todos eles apresentamos a seguir.

Gladis Teresinha Slonski é professora do Câmpus Florianópolis-Continente do IFSC. Possui graduação em Ciências Biológicas, com mestrado em Biologia Vegetal e doutorado em Educação Científica e Tecnológica.

Helaine Carrer é professora  do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), na cidade de Piracicaba (SP).  Possui graduação em Engenharia Agronômica, com mestrado em Ciências e doutorado em Biologia Vegetal.

Luís Carlos Vieira é professor do Câmpus Canoinhas do IFSC. Possui graduação em Agronomia, com mestrado em Produção Vegetal e doutorado em Melhoramento e Biotecnologia Vegetal.

Como é produzido um transgênico?

A tecnologia que deu origem aos alimentos transgênicos é chamada “DNA recombinante” e foi desenvolvida na década de 1970. Ela consiste, segundo explica o professor Luís Carlos Vieira, do IFSC, na incorporação de genes de espécies que não se reproduzem em condições naturais, como, por exemplo, entre seres dos reinos animal e vegetal, ou entre espécies de plantas distintas.

“A tecnologia desenvolvida para o processo de criação de um transgênico abriu possibilidade de isolar, manipular e identificar genes de interesse em organismos vivos e introduzi-los em outros organismos”, destaca Luís. Ou seja: genes de uma espécie são selecionados em laboratório e incorporados ao DNA de outra, que vai desenvolver características novas e desejadas que ela não teria naturalmente ou que demorariam várias gerações para aparecer em caso de cruzamento com plantas da mesma espécie.

“É o DNA que carrega as informações para síntese de proteínas, e modificações nos genes podem afetar a proteína a ser sintetizada, o que poderá ocasionar o desenvolvimento de uma característica, que, até então, não era presente no organismo original”, detalha Luís. Um dos exemplos da transgenia é a inserção de genes da bactéria Bacillus thuringiensis em plantas para torná-las mais resistentes a pragas, pois aquela bactéria produz proteínas com propriedades tóxicas específicas para insetos.

Criar plantas mais resistentes a pragas foi o objetivo inicial da transgenia. Por meio dela, é possível também produzir variedades que cresçam mais rápido ou que se adaptem melhor a condições específicas de clima e ambiente. Além da produção de alimentos, essa tecnologia é usada na área da saúde para produção de vacinas, medicamentos e até mesmo de insulina para tratamento de pessoas diabéticas.

De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), são transgênicos mais de 90% do milho e da soja produzidos no Brasil - e esses são os dois principais produtos agrícolas do país, que servem de matéria-prima para vários alimentos industrializados e também para ração consumida por frango, bovinos e outros animais dos quais nos alimentamos.

O Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Feijão e algodão são outros produtos que se destacam na produção transgênica brasileira.

É seguro comer alimentos transgênicos?

Os alimentos transgênicos são consumidos há mais de 20 anos em pelo menos 50 países (segundo a Embrapa) e, nesse período, diversas pesquisas foram feitas para avaliar seu impacto sobre a saúde humana. Uma preocupação que surgiu no início do consumo de alimentos transgênicos era de que eles poderiam causar alergias e até doenças como o câncer.

Em 2016, a Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos (Nasem, na sigla em inglês) publicou um relatório após consulta a mais de mil estudos científicos e avaliação de mais de 20 anos de dados sobre doenças e plantações naquele país, afirmando que o consumo dos transgênicos não traz risco à saúde humana. A Nasem é uma organização licenciada pelo Congresso dos Estados Unidos e serve como academia nacional coletiva de ciências do país norte-americano.

A Embrapa, empresa pública do governo federal, também defende que os alimentos transgênicos são seguros e afirma em seu site que a Lei de Biossegurança brasileira - Lei 11.105, de 24 de março de 2005 - é uma das mais rigorosas do mundo. Essa lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM, sigla por vezes usada para identificar os transgênicos) e seus derivados.

Para a professora Helaine Carrer, da USP, o medo com relação ao consumo de transgênicos tem mais ligação com a falta de conhecimento e com questões ideológicas do que com comprovação científica de supostos malefícios. “Deve-se respeitar cada pessoa. Mas é importante a gente passar o conhecimento de que são tecnologias que vêm trazendo avanço para a agricultura e para a qualidade de vida”, opina.

Helaine destaca que, antes de poder ser comercializado, todo produto transgênico que é desenvolvido passa por diversos testes em laboratórios para avaliar se pode trazer risco à saúde humana (análise de toxicidade). O processo de aprovação de um produto transgênico pode levar até 10 anos.

O uso do DNA de bactérias é um dos fatores que pode causar medo, pois esses organismos estão associados no senso comum a doenças e, para os leigos, uma bactéria é muito diferente de um pé de milho. Mas, segundo explica a professora Helaine, a composição química do DNA é a mesma para todos os seres vivos.

Seja uma mosca, uma goiabeira ou um ser humano, todos os seres vivos possuem a mesma estrutura de DNA, formado por partes menores chamadas nucleotídeos, que são de quatro tipos: adenina, citosina, guanina e timina. Todas as espécies possuem esses mesmos nucleotídeos, mas em quantidades distintas e ordenados de modo diferente em cada uma das espécies: é isso que faz os seres vivos serem tão diversos entre si.

“O código genético é universal. A proteína produzida por uma bactéria é a mesma produzida por um ser humano. Nós comemos DNA o tempo todo. Ele vai ser digerido da mesma forma, seja uma planta comum ou uma que tem um pedaço de DNA de outro ser”, diz Helaine.

A professora Gladis Slonski, do IFSC, defende que a segurança dos transgênicos ainda é controversa, pois há pesquisas que sugerem a relação entre o consumo deles e o surgimento de alergias. “Ainda não se tem certeza. Alguns estudos dizem que sim [que o consumo de transgênicos é seguro], outros dizem que não. Não há consenso”, afirma.

Atualmente no Brasil, se um alimento tem algum produto transgênico em sua composição, em qualquer quantidade, a informação deve estar indicada no rótulo por meio do símbolo da letra “T” gravada em preto, dentro de um triângulo amarelo. Tramita no Senado um projeto de lei para que essa indicação não seja mais obrigatória caso a quantidade de transgênicos seja inferior a 1% da composição total do produto.

Além da saúde humana, os transgênicos têm impactos - que podem ser positivos ou negativos - ambientais e socioeconômicos, de acordo com os especialistas entrevistados pelo IFSC Verifica.

Quais são os impactos dos transgênicos para o meio ambiente?

Segundo a professora Gladis Slonski, na área ambiental um dos principais impactos negativos dos transgênicos é o de que eles podem ameaçar cultivos tradicionais e orgânicos, pois variedades modificadas geneticamente de plantas como o milho podem se reproduzir com espécies nativas e, assim, gerar um híbrido também transgênico.

O professor Luís Carlos Vieira explica que a reprodução do milho ocorre por meio da dispersão do pólen pelo ar, podendo as partículas alcançarem outras plantas da espécie distantes até 500 metros. Se um cultivo transgênico estiver próximo de um não transgênico, há risco de cruzamento entre eles. É o que se chama de “polinização cruzada”. Vale lembrar que uma produção orgânica, por exemplo, não pode usar transgênicos e seria prejudicada em caso de polinização cruzada.

“A disseminação de pólen transgênico gerando contaminação genética é um fato preocupante e de fácil de ocorrência, principalmente quando há nas proximidades cultivos de cultivares transgênicos e de cultivares ou variedades convencionais, crioulas e ou mesmo espécies silvestres de plantas que realizam polinização cruzada”, explica Luís Carlos. Variedades crioulas são populações conservadas que foram obtidas através de seleção e cruzamento natural realizada pelos agricultores ao longo de muitas gerações, conforme define a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

A professora Helaine Carrer, da USP, também considera esse um problema que os transgênicos podem trazer, ameaçando a biodiversidade. Ela considera que o desenvolvimento da engenharia genética tem permitido aos cientistas conhecer melhor a biologia das plantas e que, por isso, é importante que a diversidade delas seja preservada. “Deve haver uma distância segura para os cultivos não transgênicos, para que a gente não perca essa biodiversidade”, afirma.

Ainda na área ambiental, o cultivo de transgênicos traz mais duas preocupações principais. Uma delas diz respeito ao possível aumento no uso de agrotóxicos - ao contrário do que se imaginava inicialmente e do que prometia a engenharia genética -, pois nem todas os indivíduos de uma espécie considerada “praga” são afetados pelos genes de resistência implantados nas plantas geneticamente modificadas.

Com isso, mais agrotóxicos precisam ser usados para combater as pragas “super resistentes”, o que pode ocasionar poluição do solo e da água. A professora Gladis Slonski lembra que a análise da água consumida em algumas cidades catarinenses apontou alto índice de defensivos agrícolas, inclusive em uma pesquisa feita pelo Câmpus Itajaí do IFSC.

Um levantamento realizado por pesquisadores da USP mostrou que, entre 2003 e 2021, o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 392%, muito acima do acréscimo de área usada para agricultura no mesmo período (80%). A maior parte desses produtos (76%) foi usada em cultivos de soja e milho que, como vimos, são predominantemente transgênicos. O total de 720 mil toneladas de agrotóxicos utilizados no país em 2021 colocou o Brasil como líder mundial de consumo desses produtos.

É importante recordar que os seres vivos que consideramos “pragas” por prejudicarem a produção agrícola têm seu papel no equilíbrio do meio ambiente. Se uma espécie de inseto desaparecer, por exemplo, isso pode afetar toda a cadeia alimentar de um ecossistema.

Por outro lado, os transgênicos podem ser benéficos ao meio ambiente por permitirem um aumento da produtividade nos cultivos e, consequentemente, diminuírem a área necessária para produzir a mesma quantidade de alimentos. “Hoje, no Brasil, a área plantada já é suficiente para a produção de alimentos”, diz a professora Helaine Carrer.

Ela ressalta que a tecnologia permite, ainda, que terras que deixaram de ser usadas para agricultura possam voltar a ser úteis, pois as plantas podem ser modificadas para se adaptar a elas. Com a transgenia, é possível desenvolver variedades que adaptam-se melhor a climas e ambientes em que a espécie originalmente não se desenvolvia, a situações extremas, como a seca, e mesmo às mudanças climáticas em geral.

Quais são os impactos socioeconômicos dos transgênicos?

O uso da transgenia na produção agrícola tem como um de seus objetivos diminuir custos na produção.  Atualmente, porém, ela não é uma tecnologia acessível a todos.

Os custos da produção de sementes transgênicas e o seu patenteamento pelas empresas que as desenvolvem tornam seu acesso difícil a pequenos produtores. “No preço de uma semente transgênica, está embutido o custo de ‘royalties’. Ou seja: ele [o agricultor] pagará pelos direitos intelectuais da empresa. Esse custo é muito elevado para os padrões de uma pequena propriedade”, destaca o professor Luís Carlos.

As empresas também costumam vender as sementes junto com um “pacote tecnológico” que inclui insumos e agrotóxicos específicos para elas, causando um problema de monopólio da tecnologia. Segundo o professor Luís Carlos, as seis maiores empresas mundiais que atuam no ramo de alimentos são também as que se destacam no mercado de transgênicos, pois controlam 60% do mercado de sementes e aproximadamente 70% do mercado de insumos, pesticidas e agrotóxicos.

A transgenia pode impactar, ainda, a variedade do que comemos. Com a produção em larga escala de poucas variedades e seu uso como ingrediente para vários alimentos, corre-se o risco de ocorrer a chamada “monotonia alimentar”: uma alimentação com pouca variedade de produtos e, por consequência, de nutrientes. “Na história humana, já consumimos mais de 10 mil espécies diferentes de vegetais, mas hoje são selecionados aqueles que têm mais durabilidade e são mais rentáveis. Isso tem trazido uma monotonia para nossa alimentação”, comenta a professora Gladis Slonski.

Uma possibilidade que a transgenia traz, porém, é o aumento da qualidade nutricional do produto, melhorando sua aparência e conteúdo nutricional.

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Como aproveitar o verão de forma segura para sua saúde

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 dez 2023 08:06 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:23

Ah, um banho de cachoeira ou um mergulho no mar! É o sonho de quem espera ansiosamente pelo verão. Mas são locais em que é preciso muita atenção para um acidente não acabar com as suas férias. E por falar em atenção, já passou o protetor solar hoje? Não esqueça o vinagre se for à praia - as águas-vivas também adoram o calor. Prepare alimentos leves e beba muita água!

Estas e muitas outras questões sobre como aproveitar o verão de forma segura serão respondidas neste post do IFSC Verifica. Contamos com as explicações dos professores do IFSC, dos câmpus Itajaí e Florianópolis. Confira:

Como será a previsão do clima para Santa Catarina neste verão?

Conversamos com o professor Michel Nobre Muza, do curso técnico em Meteorologia do Câmpus Florianópolis, que falou sobre a previsão do tempo para o Estado neste verão. Veja o vídeo:

Agora que você já sabe que teremos bastante chuva e calor, veja abaixo as dicas para curtir o verão com segurança.

Em que locais é mais seguro entrar no mar?

Segundo a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), 15 brasileiros morrem afogados diariamente, sendo que homens morrem em média 6,8 vezes mais e a maioria dos afogamentos acontecem com pessoas entre 10 e 59 anos de idade.

Já o Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) informa que entre 2020 e 2021, cerca de 93% dos afogamentos em praias catarinenses ocorreram fora do local e horário de cobertura de guarda-vidas.

Ficar próximo aos guarda-vidas e atento às bandeiras de sinalização dos Bombeiros é o primeiro passo para ter um dia tranquilo na praia.

As bandeiras vermelhas indicam, por exemplo, locais com correntes de retorno, que são a causa de boa parte dos afogamentos. Ao olhar o mar de frente, é possível perceber a sequência de ondas quebrando, mas em alguns pontos elas não se formam. O professor da área de Recursos Naturais, no curso técnico de Aquicultura, Leonardo Machado, explica que as ondulações chegam até a areia e se espalham - é o espraiamento - mas quando a água retorna para o mar, acaba criando canais em que o fluxo de água é maior. "Esse fluxo contínuo em um mesmo ponto forma um canal que vai até possibilitar que a pessoa seja arrastada com maior facilidade porque ela não vai ter contato com o fundo."

 

Confira no vídeo do CBMSC como identificar uma corrente de retorno:

A orientação é nunca entrar em canais como esse da imagem. "As correntes de retorno têm uma velocidade e uma intensidade bastante forte e uma pessoa, mesmo que saiba nadar muito bem, ela não consegue vencer. Então, a gente tem que ter atenção para elas, evitá-las", orienta Leonardo.

Mas se estiver tomando banho e perceber que tem uma corrente puxando, tente sair imediatamente do local. Alguns passos ou braçadas para o lado já é possível para perceber que a corrente perde força.

Qual o perigo de entrar no mar perto das rochas?

Outro ponto perigoso e que não é aconselhável entrar no mar é próximo a rochas. E a explicação também tem relação com o fluxo da água, que forma valas em torno das pedras. No vídeo abaixo, o professor Leonardo explica porque é perigoso:

Subir nas rochas também não é uma boa ideia. Na era das selfies, muita gente se arrisca subindo em costões em busca da melhor foto. Mas basta uma onda mais forte ou um escorregão para ocorrer um acidente, muitas vezes fatal.

Entenda os riscos de caminhar sobre as rochas:

Embarcações e banhistas, como evitar acidentes?

Pelas normas da Capitania dos Portos, da Marinha do Brasil, qualquer embarcação com motor só pode navegar a mais de 200 metros da faixa de areia. A legislação inclui jet skis e banana-boats.

Em Santa Catarina, muitos municípios utilizam boias de sinalização para indicar esses 200 metros para evitar que as embarcações, principalmente as menores, se aproximem muito da praia, e servem de alerta para banhistas, surfistas e praticantes de stand up.

Mas e quando você está numa embarcação para fazer um passeio, é só curtir? Também não é assim. Leonardo alerta que os riscos nos passeios com as embarcações estão muito relacionados ao momento em que tem aquela pausa para os turistas pularem na água. "Uma pessoa só deve ir para a água quando ela tem a certeza de que o comandante autorizou, que ele está vendo que a pessoa está na água." Confira a explicação no vídeo:

Outro alerta do professor Leonardo pode parecer desnecessário, mas não é: boias infláveis só devem ser usadas em piscinas, NUNCA no mar. Parece um conselho bobo, mas ele relata que já resgatou pai e filho que estavam em um colchão inflável numa praia do Espírito Santo e foram levados pela correnteza mar adentro.

Um caso parecido virou notícia internacional em 2020. Uma menina de apenas 4 anos foi resgatada em alto-mar por uma balsa. Ela estava flutuando em uma boia de unicórnio quando uma correnteza a afastou da família.

Menina sobre boia de unicórnio no mar Foto: Petros Kritsonis/Reuters
Reprodução de foto de Petros Kritsonis/Reuters

Em casos de rios, o que fazer?

Nos rios, a força da água também forma canais, onde a profundidade é bem maior e pode ser um susto para banhistas. Leonardo explica que a posição deste canal muda ao longo do tempo. "Então não é porque a gente conhece um determinado rio que a gente vai ter certeza que está em segurança. Tem que ter atenção toda vez que entrar nele, para entender até onde a gente pode ir antes de entrar nesse canal, que normalmente é uma queda abrupta, que vai para profundidades maiores, e a gente pode ficar sem dar pé." Ele alerta ainda que o canal não é necessariamente no meio do rio, pode ser numa margem, por exemplo. Isso acontece principalmente em rios que formam curvas. "Em um dos lados o rio vai cavar, enquanto na outra margem ele vai depositar areia e vai ficar mais uma prainha", explica.

Ele destaca que um mesmo rio não é sempre igual. E às vezes ele pode mudar repentinamente. É o que acontece quando cai uma chuva muito forte. O problema fica ainda maior se a chuva forte não ocorre no ponto onde estão os banhistas, mas na cabeceira do rio, por exemplo. As pessoas podem ser pegas de surpresa com um volume de água muito grande.

O professor Leonardo é da equipe de formação de pescadores profissionais no Câmpus Itajaí. Diante de tantos alertas, ele tem um último e bem importante:

"Salto de cabeça não! O salto de cabeça é super arriscado porque a gente não tem como prever a profundidade que a gente tem naquele local, mesmo que a gente se certifique, vá lá antes e veja a profundidade, a gente não sabe até onde a gente vai chegar com o nosso salto. Então, nas praias, por exemplo, os bancos de areia estão sempre mudando. Nos rios, o canal do rio também muda de posição. Então, a gente tem que estar atento para isso, evitar os saltos de cabeça e saber muito bem o que está fazendo."

Como prevenir acidentes no mar?

Segundo a professora Angela Regina Kirchner, do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis, é preciso partir sempre da premissa da prevenção. Ela explica que a maior parte dos afogamentos acontecem com pessoas que sabem nadar, mas não avaliam corretamente os riscos, ou por crianças, que não têm noção do perigo. Ela aconselha a nunca entrar no mar sozinho, pois pode ter algum contratempo, como uma câimbra.

Além disso, a pessoa que se dispõe a socorrer alguém deve sempre primeiro pensar em chamar o socorro especializado, seja o guarda-vidas da praia, Bombeiros ou o SAMU. “Quem vai prestar o primeiro socorro é sempre o ‘intermediário’ entre a vítima e o socorro especializado. Você não vai ter conhecimentos e nem equipamentos suficientes para prestar um atendimento de qualidade”, alerta.

O que fazer quando alguém estiver se afogando?

A professora Angela alerta que a premissa básica de um socorrista é não se colocar em perigo, não ser a próxima vítima. Ao ver uma pessoa se afogando, algumas dicas podem ser seguidas:

  • Manter a calma: a professora explica que nossos pulmões são “boias” cheias de ar, e quando gritamos, esse ar sai e perdemos a capacidade de boiar. Isso vale para quem está se afogando ou mesmo para quem está tentando ajudar. Levantar o braço, tentar chamar por socorro, tentar flutuar e não se desesperar são as primeiras coisas a fazer.
  • Chamar o socorro especializado: chamar os guarda-vidas da praia imediatamente;
  • Jogar objeto flutuante: jogar um objeto flutuante para quem está se afogando é uma opção. Segundo a professora Angela, nem os guarda-vidas e nem as pessoas comuns devem se aproximar de alguém que esteja se debatendo na água, sob o risco de ser puxado e se afogar também.
  • Capturar a vítima por trás: assim como a dica de jogar objetos flutuantes, é preciso capturar a vítima por trás, com a cabeça para fora da água, para que ela não consiga puxar o socorrista.

Depois que a pessoa foi tirada da água, o que fazer?

Depois que a vítima foi tirada da água, há ainda algumas medidas simples de suporte que podem ser tomadas até a chegada do atendimento especializado. A professora Angela explica neste vídeo o que pode ser feito, caso a pessoa tenha segurança em prestar os primeiros socorros:

Como saber se tempestade com raios está próxima?

Segundo o professor de Meteorologia Michel Muza, como o verão será bastante chuvoso, também haverá mais incidências de tempestades e raios. Por isso é preciso estar atento à previsão do tempo e evitar as famosas tempestades de verão, com nuvens carregadas, céu escuro e muitos raios e trovões.

Mas afinal, como saber a hora de sair correndo e para onde? O professor de Física do Câmpus Florianópolis, Orlando Gonnelli Netto, explica neste vídeo:

Águas-vivas e caravelas, nem pense em tocar!

Nas praias do litoral catarinense é comum durante o verão vermos muitas águas-vivas, na areia e na água. Algumas são tão lindas que até merecem uma foto, mas cuidado! As mais bonitas, com uma espécie de balão colorido, são as mais venenosas. E detalhe: elas não são águas-vivas, são caravelas. A professora de Biologia do Câmpus Itajaí, Laura Pioli Kremer, explica a diferença:

"Águas-vivas são aquelas massas gelatinosas que a gente vê na areia. Elas são em formato de prato de disco, às vezes em formato de guarda chuva. As caravelas são um pouco diferentes porque elas têm como se fosse uma bexiga, um flutuador que é roxo azulado. E, na verdade, elas vão ser uma colônia de indivíduos, são vários indivíduos integrados." A professora alerta que ambas têm tentáculos, mas nas caravelas eles são mais finos e bem maiores, podendo chegar a 30 metros de comprimento. Nestes tentáculos é que estão as células urticantes, responsáveis pela sensação de ardência e queimação quando encostam em nossa pele.


Água-viva do tipo medusa. Foto: Ruan Luz/UFSC


Tipo Caravela tem veneno potente. Foto: Alberto Lindner/UFSC

Como esses são organismos planctônicos, que se deslocam passivamente na água, arrastados pelas ondas e correntes marinhas, acontece que quando chegam na costa e encalham na areia, já estão em fragmentos e podem ter perdido os tentáculos.

Existe outro organismo que muita gente confunde com "filhotinhos de água-viva", por serem bolinhas incolores: "São as salpas, não são águas-vivas, não são caravelas, são de outro grupo bem diferente, não têm tentáculos e por isso elas não vão queimar."


Salpas são inofensivas. Foto Victor de Mira

Ok! Mas afinal, por que as águas-vivas e caravelas queimam? Laura explica no vídeo abaixo:

Atenção! Não é porque elas parecem uma massa gelatinosa e incolor que não oferecem riscos. O recomendado é que nunca se toque nesses organismos, nem para devolvê-los para água. Laura explica que o encalhe destas espécies é natural. "Quando isso acontece, a maioria delas já está bem deteriorada e se forem devolvidas para o mar a única coisa que vai acontecer é que ela vai continuar causando acidentes para as pessoas. O ideal é que a gente não interfira nesse ciclo."

As águas-vivas aparecem mais no verão?

Não é apenas impressão, elas aparecem mais no verão sim, pelo menos aqui em Santa Catarina. Laura explica que no Sul do Brasil há uma coincidência entre o período que as pessoas mais entram na água e o período de reprodução dessas espécies. "A gente gosta muito de entrar no mar na primavera, no verão, que é justamente quando a gente tem elevação da temperatura da água e é o período em que essas espécies que causam acidentes se reproduzem."

Existe ainda outro fator que pode influenciar na quantidade de águas-vivas na praia. Como essas espécies são empurradas pelas correntes, os ventos podem trazer mais organismos. No litoral de SC isso ocorre com o vento nordeste. "Essas espécies são empurradas para a praia e têm essa grande abundância de espécies mais em águas rasas, que é quando os acidentes acontecem em grande número."

Laura acredita que o aumento de banhistas contribui com o registro de acidentes, mas revela que há pesquisas mundiais em andamento para avaliar outros fatores ambientais.

"A gente está vendo que o oceano tem se degradado, há um aumento da temperatura oceânica e isso favorece a reprodução de muitas espécies. A gente vê também que muitas espécies de predadores das águas-vivas estão em declínio, como tartarugas e peixes. Isso favoreceria o aumento das populações de águas-vivas e caravelas."

E se você sentir uma água-viva ou caravela encostar em você, o que fazer? Veja no vídeo abaixo as orientações:

Qual a diferença entre insolação e intermação e como prevenir?

A professora Vanessa Luiza Tuono, do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis, explica que insolação é quando há o aumento da temperatura corporal por exposição ao sol. Os principais sintomas são aumento da temperatura corporal, calafrio, vermelhidão na pele, tontura e torpor.

Já a intermação ocorre quando a pessoa fica em locais quentes, abafados, usam uniformes que não permitem a sudorese e a circulação de ar em torno do corpo. Na intermação, além do aumento da temperatura corporal, os sintomas são respiração ofegante e depois fraca, pulso rápido, vasodilatação e aumento do suor e maior pressão arterial.

Nesses dois casos, o corpo reage, tentando se reequilibrar, por meio do suor e aumentando a respiração. A professora Vanessa alerta que, se não tratados, esses sintomas podem virar uma emergência médica. “Elas podem levar ao desmaio e, inclusive, ao óbito, porque descompensam totalmente o sistema de regulação do nosso corpo”, alerta.

Veja no vídeo como agir nesses casos:

O que não se deve fazer em caso de insolação ou intermação?

Consumir sal ou um alimento salgado quando a pessoa está passando mal não é recomendado. “O sal vai desidratar ainda mais a pessoa. Nem em queda de pressão, pois não temos como definir se a pessoa está tendo um aumento ou queda de pressão a olho nu, sem aferir essa pressão”, alerta a professora Vanessa.

A desidratação também é um perigo?

Consumir mais líquidos durante o verão também é importante, principalmente durante a realização de exercícios físicos. Pode parecer algo simples, mas pode levar a pessoa a óbito.

Idosos e crianças são mais vulneráveis?

Deve-se dar mais atenção aos cuidados com idosos e crianças em dias de calor. A professora Vanessa aconselha que essas pessoas consumam mais líquidos que os adultos. “A gente orienta o consumo de 35ml de líquido por quilo de peso ao dia para os adultos. Na criança e no idoso, é necessário aumentar”. Outros tipos de líquidos, como sucos de frutas, também podem ser ofertados.

Além disso, crianças e idosos devem se expor menos ao sol, e apenas nos horários adequados, no início da manhã e no final da tarde. Idosos tendem a desidratar mais rapidamente e têm a pele mais sensível, por isso o maior cuidado com a exposição solar.

Bebês com menos de seis meses não devem ser expostos ao sol e nem usar filtro solar. Crianças pequenas devem usar filtro solar adequado e ficarem mais tempo à sombra, se possível.

Qual o perigo de infecções alimentares na praia?

Com o calor, os alimentos se deterioram mais rapidamente. Assim, é importante evitar alimentos que podem se deteriorar rapidamente, como molhos e maioneses. “O ideal é optar por alimentos leves, como frutas, verduras e saladas. Coisas que possam ser facilmente ingeridas e que estejam bem acondicionadas”, recomenda Vanessa. Avaliar a procedência dos alimentos e lavar as mãos antes do consumo é importante.

As viroses, muito comuns no verão, são resultado de alimentos ou água contaminados. Os principais sintomas são vômitos e diarreias. Em casos persistentes, de mais de 24 horas, deve-se buscar serviços médicos.

Os acometimentos gastrointestinais podem ser por intoxicação ou infecção alimentar. A infecção é menos grave e pode ser eliminada pelo vômito e diarreia. Já a intoxicação é grave e precisa de atendimento médico.

A automedicação não é recomendada. O que pode ser utilizado é o soro caseiro. Confira a receita:

É perigoso consumir bebidas alcoólicas na praia?

A professora Angela alerta que o uso de bebida alcóolica na praia é perigoso, pelos efeitos que o álcool produz. São duas etapas: na primeira, a pessoa sob o efeito do álcool entra em euforia e perde a capacidade de avaliar os riscos, ficando inconsequente. Na segunda fase, a depressão, a pessoa perde os reflexos naturais e a habilidade de lidar com situações arriscadas.

Além disso, não existe dose segura de consumo de álcool. “A gente sabe que no verão as pessoas querem descontrair, mas como existe essa questão da inconsequência e da inaptidão, você pode se tornar vítima de você mesmo”, alerta Angela.

O álcool começa a fazer efeito no organismo de cinco a seis minutos após a ingestão. O pico de absorção é de 30 a 50 minutos e a ação no organismo pode durar de seis a oito horas.

Outro dano causado pelo álcool é o potencial de causar desidratação. Segundo a professora Vanessa, cerveja ou outras bebidas não são hidratantes, pois promovem o trabalho acelerado dos rins. “Não é proibido o consumo de bebidas alcoólicas, mas deve ser feito com moderação, intercalando com a ingesta de outros líquidos não alcoólicos”, alerta.

Também deve-se ter cuidado com bebidas ácidas ou com frutas cítricas, como caipirinhas. Os ácidos podem manchar a pele ou causar queimaduras graves, pois potencializam a ação do calor e do sol. O recomendado é lavar as mãos imediatamente após o preparo dessas bebidas.

A exposição solar também pode causar danos à pele?

Além da desidratação e insolação, a exposição ao sol pode causar danos à pele, tanto em curto prazo, com as queimaduras, quanto a longo prazo, cumulativamente, podendo se tornar um câncer de pele.

Os números de câncer de pele têm aumentado exponencialmente no Brasil. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os tipos de câncer não melanoma (carcinomas) representam cerca de 180 mil casos por ano no Brasil. Já o tipo de câncer melanoma, mais raro, porém, mais perigoso, atinge em torno de 8,5 mil brasileiros ao ano, ocasionando em torno de 2 mil mortes anuais.

Neste vídeo, a professora Vanessa explica quais danos o sol pode causar à pele e o que pode ser feito como prevenção:

O que fazer em caso de queimaduras na pele?

As queimaduras na pele podem ser de vários graus, e cada uma necessita de um tipo específico de cuidado. Veja como cuidar de cada uma:

Queimadura de 1º grau: a pele fica vermelha. O tratamento pode ser feito com compressas frias, hidratação e cremes calmantes;
Queimadura de 2º e 3º graus: além da vermelhidão, surgem bolhas na pele e, no caso de queimaduras de 3º grau, há o aparecimento de feridas dolorosas. Além das compressas frias e hidratação, pode-se usar cremes calmantes à base de aloe vera ou pomadas com corticoides. Nos casos mais graves, é preciso buscar atendimento médico especializado. “É importante levar para o serviço de saúde para a reidratação, pois em caso de exposição solar, o corpo vai querer se reequilibrar e vai perder muito líquido. Por isso é importante repor esses líquidos e sais minerais”, completa Vanessa.

Em todos os casos, a pessoa não deve se expor ao sol antes de se curar totalmente. Pasta de dente, óleos, clara de ovo e outras soluções caseiras podem agravar os ferimentos. Também não se deve perfurar bolhas ou retirar a pele grudada na região queimada.

O que fazer em caso de picada de animais peçonhentos?

A professora Angela alerta que, no calor, os animais ficam mais ativos e como as pessoas saem mais ao ar livre, no campo, praia ou trilhas, aumentam as chances de picadas de animais venenosos. As serpentes, especificamente, ficam mais ativas à noite, por isso o alerta para quem for fazer caminhadas nesse horário.

Se mesmo assim houver uma picada, deve-se fotografar o animal para facilitar a identificação dele e a utilização do soro específico. Porém, isso só deve ser feito se for em segurança, sem o risco de a pessoa que está fotografando ser picada também.

Após o momento da picada de aranhas ou serpentes, é importante lavar bem o local com água e sabão, para proteger de infecções secundárias causadas por bactérias. No caso de picada de serpente, a vítima deve beber bastante água. Já se for picada de aranha, também é recomendado fazer compressas mornas (em torno de 39ºC) no local para inativar o veneno.

Realizar torniquetes no membro atingido não é recomendável, pois vai deixar o veneno concentrado naquele membro e poderá gerar uma amputação. Sucção no local da picada, pó de café e outras práticas não são recomendadas.

A professora alerta que a providência mais importante é levar a pessoa picada até o atendimento especializado. “É preciso identificar se o animal é de importância médica ou não, porque quando é de importância médica ele pode colocar a vítima em risco de morte. A gente tem a aranha marrom e a armadeira, que no caso são aranhas que têm mais risco”, alerta.

Para quem ligar em caso de emergência?

A professora Angela recomenda ter gravado no celular os principais telefones de emergência: seja o 192, do SAMU, em caso de parada cardiorrespiratória, ou 193, do Corpo de Bombeiros, especializado em resgate.

Outro número importante é o 0800 643 5252, do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina (CIATox/SC). O CIATox/SC possui equipe especializada de biólogos, farmacêuticos, médicos e outros profissionais que podem auxiliar na identificação dos animais peçonhentos e orientar sobre o que fazer em caso de picadas ou intoxicações em geral.

Você também pode baixar o aplicativo CBMSC Cidadão para Android ou IOS, do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, com informações importantes para curtir o verão.

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IFSC VERIFICA

Todo alimento ultraprocessado é ruim?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 31 out 2023 10:29 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:20

“Saco vazio não para em pé”. O ditado popular que ouvimos desde pequenos traduz de forma simples o que a Ciência e a prática comprovam: o corpo humano precisa de alimento para funcionar. Mas não é qualquer alimento. A base para o desenvolvimento e crescimento dos seres humanos - tanto em nível físico quanto cognitivo - é uma boa alimentação. E quando se fala de alimentação saudável, os alimentos ultraprocessados estão sempre na lista do que deve ser evitado. Por que será? 

O post do IFSC Verifica deste mês irá responder esta pergunta e mais:

  • O que é um alimento ultraprocessado?
  • Todo alimento ultraprocessado é ruim?
  • Por que devemos evitar consumir alimentos ultraprocessados?
  • Como identificar um produto ultraprocessado?
  • Como buscar práticas alimentares saudáveis?

Para isso, conversamos com a nutricionista e professora do IFSC Elinete Eliete de Lima, que é especialista em Terapia Nutricional e em Qualidade de Alimentos, além de coordenar o curso técnico em Nutrição e Dietética do Câmpus Florianópolis-Continente.

Quais os tipos de alimentos?

Para entender quais as melhores opções de consumo, é importante conhecer os tipos de alimentos. Existem quatro grandes grupos: alimentos in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. 
Os alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de animais ou plantas e que são consumidos sem qualquer alteração. É o caso das folhas, frutas, verduras, legumes, ovos, carnes e peixes. Ao pensar num cardápio, esses alimentos são sempre a escolha mais saudável.

Outra opção saudável para montagem do prato são os alimentos minimamente processados, que são aqueles submetidos a algum processo - como limpeza, moagem e pasteurização -, mas que não envolve a agregação de substâncias ao alimento original. A famosa dupla “arroz e feijão” é um exemplo deste tipo de alimento, além de lentilhas, cogumelos, frutas secas, farinhas de mandioca e de milho, entre outros.

E então temos os alimentos fabricados pelas indústrias. Os produtos processados contam com a adição de sal, açúcar ou outro produto que torne o alimento mais durável, palatável e atraente. Já os alimentos ultraprocessados são formulações industriais com pouco ou nenhum alimento inteiro e sempre com algum aditivo. 

O que é um alimento ultraprocessado?

A professora do IFSC Elinete Eliete de Lima explica que há uma tendência de se chamar produtos alimentícios ultraprocessados de “não alimentos”, justamente para marcar a diferença. “Produtos alimentícios ultraprocessados, que podem ser comidas e bebidas, são produtos fabricados com pouco ou nenhum alimento in natura e contém ingredientes de nomes pouco familiares”, define. 

Normalmente, esses produtos contêm quantidades consideráveis de açúcar, óleos e gorduras de uso doméstico, mas também isolados ou concentrados protéicos, óleos interesterificados, gordura hidrogenada, amidos modificados, entre outros. Para piorar, frequentemente são adicionados os chamados aditivos cosméticos, como corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes e outras substâncias para dar a esses produtos uma aparência e um gosto semelhantes aos encontrados em alimentos não ultraprocessados. E mais: para que tenham um prazo de validade maior, esses produtos também recebem conservantes. 

-> Como funciona o prazo de validade dos alimentos?

Exemplos de produtos ultraprocessados não faltam. Os mais conhecidos são: refrigerantes, salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, doces e chocolates, barras de “cereal”, sorvetes, alguns pães, margarinas, pratos de massa e pizzas pré-preparadas, macarrão instantâneo, nuggets de frango e peixe, salsichas, bebidas lácteas, néctar de frutas e misturas em pó para preparo de bebidas com sabor de frutas.

Todo alimento ultraprocessado é ruim? 

Todos os alimentos ultraprocessados são ruins, mas nem todos alimentos industrializados são prejudiciais. “Alguns alimentos industrializados apresentam somente ingredientes que a gente consegue reconhecer, ou seja, que são alimentos de verdade, como o iogurte natural, composto somente por leite e fermento lácteo”, destaca Elinete.

Por que não devemos consumir produtos ultraprocessados?

“Os produtos ultraprocessados não são saudáveis, nem sustentáveis e ainda tendem a afetar negativamente a cultura e a vida social”, destaca a professora do IFSC. Pesquisas científicas têm mostrado que padrões alimentares com base em produtos ultraprocessados estão relacionados ao risco aumentado de ganho de peso, diabetes, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, depressão, alguns tipos de câncer, mortes prematuras, entre outros.

-> Qual é a relação entre consumo de ultraprocessados e risco de mortalidade?

Elinete chama atenção para o fato de que o crescimento alarmante da obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis tem sido relacionado ao consumo excessivo de ultraprocessados pela população. Em geral, esses produtos são mais calóricos por conterem mais açúcar e mais gorduras. “Para se ter uma ideia, 100 gramas de biscoitos recheados ou de salgadinhos de pacote fornecem em torno de 500 quilocalorias, enquanto que a mesma quantidade de arroz com feijão fornece aproximadamente 130 quilocalorias”, comenta a professora. 

-> Por que os alimentos ultraprocessados favorecem o consumo excessivo de calorias?

E a lista de problemas dos produtos ultraprocessados é grande, como pontua Elinete:

  • são formulados para terem hiper sabor, ou seja, recebem a adição de açúcares, gorduras, sal e aditivos - como aromatizantes e corantes;
  • geralmente, são alimentos mais secos quando comparados aos alimentos in natura, o que afeta os sistemas que controlam a saciedade no organismo humano;
  • são feitos com gorduras não saudáveis, como as gorduras parcialmente hidrogenadas e as gorduras interesterificadas, fontes de gorduras trans e saturadas, respectivamente;
  • contêm menos fibras dietéticas, proteínas, vitaminas, sais minerais e compostos bioativos;
  • a forma em que tais produtos são consumidos e comercializados favorecem o consumo exagerado.

“Os produtos ultraprocessados não são saudáveis, nem sustentáveis e ainda tendem a afetar negativamente a cultura e a vida social”
 

Se os alimentos ultraprocessados fazem mal para a saúde humana, a forma como são produzidos e comercializados os tornam ruins também para o planeta. Elinete explica que o número reduzido de espécies vegetais que normalmente são utilizadas para produção de ultraprocessados - soja, milho, trigo e cana-de-açúcar – leva à perda da biodiversidade. “Tais alimentos provêm de sistemas agrícolas intensivos e baseados em monoculturas, que exigem grandes extensões de terra, uso denso de mecanização, elevado consumo de água e de combustíveis fósseis, uso intenso de fertilizantes químicos, sementes transgênicas, agrotóxicos e antibióticos e, ainda, a necessidade de uso de embalagens e transporte por longas distâncias”, ressalta.

-> Diálogo sobre ultraprocessados: soluções para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis 

Os produtos ultraprocessados têm um impacto negativo também na cultura alimentar. “Com a globalização, um número pequeno de empresas coloca no mercado mundial produtos idênticos, desde marcas, embalagens e conteúdo, desrespeitando a cultura alimentar, os padrões alimentares locais e alimentos produzidos no país”, observa Elinete. 

Até mesmo a vida social pode ser afetada pelo consumo desses produtos. “Seu uso torna a preparação de alimentos, a mesa de refeições e o compartilhamento da comida totalmente desnecessários”, afirma a professora.

Como identificar um produto ultraprocessado?

Podemos identificar os produtos alimentícios ultraprocessados ao analisar a lista de ingredientes presentes nas embalagens dos alimentos. A dica é: leia o rótulo e, se a lista mencionar apenas alimentos in natura, adicionados ou não de sal, açúcar ou óleo, não são alimentos ultraprocessados. Agora se a lista estiver repleta de nomes de ingredientes que você nunca ouviu falar e não vê por aí no dia a dia, então deve ser um alimento ultraprocessado.

-> Como identificar alimentos ultraprocessados a partir dos rótulos?

Como buscar práticas alimentares saudáveis?

Na última década, o Brasil teve dois grandes avanços na área de alimentação e promoção da saúde da população. Em 2014, o Ministério da Saúde publicou a segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira. “O Guia é um importante documento que visa apoiar e incentivar práticas alimentares saudáveis tanto no âmbito individual, como coletivo, e tem por objetivo também subsidiar políticas, programas e ações que visem a incentivar, apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população brasileira”, explica a professora do IFSC.

-> Alimentação saudável: dicas e receitas para desenvolver bons hábitos

O segundo avanço, segundo Elinete, foi a publicação de uma nova legislação sobre a rotulagem nutricional dos alimentos, que entrou em vigor neste mês, e dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. Uma das novidades dessa nova legislação é a rotulagem nutricional frontal de advertências que você já deve ter visto no supermercado. 

-> Você sabe como identificar os nutrientes dos alimentos pelo rótulo? Entenda como a nova legislação pode te ajudar

 

Um símbolo de lupa informa ao consumidor, de forma clara e simples, sobre o alto conteúdo não saudável de sódio (sal), açúcar e gordura saturada. “Espera-se com isso desencorajar os consumidores na aquisição de produtos ultraprocessados e incentivar melhorias no perfil nutricional dos produtos, por parte dos fabricantes”, afirma a professora.

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IFSC VERIFICA

A Física Quântica pode mesmo ajudar a nossa saúde?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 nov 2023 09:36 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:20

A Física é uma ciência essencial à Medicina. É definida como “ciência que investiga as leis do universo no que diz respeito à matéria e à energia, que são seus constituintes, e suas interações “ (Dicionário Oxford). Sendo o corpo humano parte do universo, não poderia ser diferente: a Física e suas aplicações estão presentes em exames e tratamentos. Mas, como uma das ciências consideradas mais difíceis de serem compreendidas, a Física também tem sido uma das mais usadas para nomear tratamentos sem comprovação cientifica, especialmente aqueles supostamente relacionados à física quântica.

Para esclarecer um pouco mais sobre os tratamentos de saúde quânticos, benefícios e riscos , o IFSC Verifica desse mês conversou com o professor do Câmpus São José Marcelo Girardi Schappo e Vanessa Tuono, professora do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis.

A Física Quântica

A física quântica é uma área da física que trata do estudo da matéria a nível molecular, atômico e subatômico: o mundo das partículas e dos átomos. “O termo quântico surge no contexto da Física, por volta do início do século 20, quando se tentava desvendar os processos de emissão de radiação eletromagnética por corpos aquecidos. Não é nada simples explicar o fenômeno com poucas palavras, mas, em linhas gerais, um físico chamado Max Planck foi o primeiro a propor que a energia relacionada a essa radiação deveria ser emitida e absorvida de modo descontínuo, análogo ao que acontece com um canhão de lançamento de bolas de tênis, por exemplo: ele só pode lançar uma bolinha por vez. A proposta de Planck, da energia do processo ser "quantizada", acabou resolvendo o problema, é aí onde surge a chamada "Física Quântica", explica Marcelo Schappo.

De acordo com o professor, os fenômenos quânticos verdadeiros estão diretamente relacionados aos comportamentos das partículas na estrutura da matéria, na escala dos átomos e moléculas. Para se ter uma ideia prática: átomos e moléculas têm tamanhos da ordem de nanômetros, e um nanômetro é o equivalente a um bilionésimo de um milímetro. É a fìsica quântica verdadeira que explica várias coisas ao nosso redor, como as cores dos fogos de artifícios, os processos de emissão da luz laser e os exames de ressonância magnética nuclear.

“Todas as pesquisas de percepção pública da ciência mostram que as pessoas confiam na ciência, uma vez que ela é uma forma de investigação da natureza que demanda metodologias específicas para tirar conclusões sobre como o mundo funciona, e suas afirmações válidas precisam ser baseadas em boas evidências. Assim, tudo que tiver ‘aparência científica’ tende a ser mais bem aceito, de modo imediato, pelas pessoas, uma vez que grande parte da população, embora confie na ciência, conhece pouco de ciência, e, por isso, são fisgados pelo vocabulário da ciência e acabam tacitamente acreditando na informação a que são expostos, sem condições de avaliar criticamente se elas fazem sentido científico ou não. Assim, as pseudociências ganham terreno e vão sendo passadas adiante como sendo produtos de ciência, quando, na verdade, não passam de estruturas com ideias sem pé nem cabeça sobre como a natureza funciona”, afirma o físico.

 

Conceitos como sobreposição (ou superposição), que, resumidamente, de acordo com uma das interpretações da física quântica, sustenta que, até ser observado, um elétron pode estar em várias posições ao mesmo tempo, criam uma atmosfera mística aos leigos e dá oportunidades para que pseudocientistas e charlatões possam dizer coisas como “podemos nos curar com processos quânticos, pois, no nosso corpo estão, ao mesmo tempo, as vibrações da saúde e da doença”.

Um dos marcos considerados para o início do chamado "charlatanismo quântico" - os usos indevidos e pseudocientíficos dos termos e fenômenos da física quântica - é a publicação do livro O Tao da Física, de Fritjof Capra, na década de 1970, que propõe diversos paralelos, sem base científica, entre Física e misticismo. A moda parece que “pegou”, e a lógica de usar fenômenos quânticos para dar contexto a misticismo, religião, terapias alternativas e até produtos ‘milagrosos’ disseminou-se na sociedade”, diz Schappo.

Assim, hoje se encontram ideias quânticas para tentar dar suporte à ideia de vida após à morte, para fazer “leituras futurológicas” pseudocientíficas, para vender pulseiras de equilíbrio e força, e, claro, para vender produtos e terapias alternativas como sendo boas opções de tratamento de saúde.

“Um exemplo desse último caso acabei conhecendo no 1º Congresso Catarinense de Saúde Quântica. Fui enviado especial da Revista Questão de Ciência, em 2019, para acompanhar o evento e depois fazer uma análise científica do que lá foi debatido. O resultado foi publicado em um artigo para a revista, e aí se torna bastante claro o motivo pelo qual o que eles argumentam não faz sentido: eles adaptam fenômenos quânticos reais para fora dos limites de validade desses fenômenos, fazendo apenas “analogias e jogo de palavras” vazias de significados reais para tentar vender os produtos e os tratamentos que anunciam”, lembra o professor.

 

Confira o trecho do artigo em que Schappo fala do uso errado do conceito da dualidade das partículas segundo a física quântica – segundo esse conceito, a luz por vezes pode se comportar tanto como ondas, tanto como partículas:

As distorções sobre esse fenômeno: esse fenômeno é usado para tentar justificar a ideia de que órgãos, células, saúde e doença também possuem “frequências”. Aqueles indivíduos que conseguem fazer seu corpo vibrar adequadamente, formando uma espécie de “sinfonia da saúde”, estarão livres das doenças. Para citar um exemplo, um dos médicos palestrantes do evento chega a dizer que aquilo que aprendeu sobre bioquímica na faculdade de Medicina, em relação aos mecanismos de ataque aos invasores do nosso organismo e processo de defesa do sistema imune, é besteira. Segundo ele, a explicação correta é uma questão quântica “frequencial”: um agente invasor emite uma frequência que as células de defesa rastreiam, como mísseis guiados para o combate.
Problema na argumentação: um leigo pode entrar nessa, crente que está aprendendo algo científico. Mas fique alerta. O problema da argumentação está numa característica que os charlatães devem “acabar esquecendo” de contar ao público: quanto maior o tamanho do objeto, mais insignificante o caráter ondulatório que ele apresenta. Assim, células (milhares de vezes maiores que um átomo), órgãos humanos e o próprio corpo humano, para qualquer fim prático, se comportam de forma muito melhor descrita por partículas sólidas do que como ondas oscilantes. Além disso, em ciência, quando falamos em frequência, sempre dizemos claramente qual o mecanismo que a gera, e também como podemos medi-la em laboratório. Na saúde quântica, essas frequências são usadas apenas como recurso de linguagem. No Congresso, em nenhum momento foi apresentada uma forma de medir e caracterizar um espectro dessas frequências.

Isso não quer dizer que nada que seja relacionado à física quântica possa ajudar na nossa saúde. Cirurgias a laser e exames de ressonância magnética são práticas de medicina convencional que se baseiam em processos quânticos. O problema não é ter o termo “quântico” associado a um produto ou a um tratamento. Schappo alerta: “O problema é bem mais sutil, pois tem muito mais a ver com a forma como se alega que a física quântica está relacionada no contexto. Veja o exemplo que citei anteriormente, do uso indevido das ideias de frequência e vibração na mecânica quântica: se o indivíduo não conhece a física quântica, pode muito bem ser enganado por ela. Mas se alguém usar a regra de ‘sempre que tiver quântica na saúde, devo saber que é falcatrua’ pode errar por excesso, ou seja, considerar pseudociência coisas que realmente são produtos de ciência genuína na medicina”.

Em linhas bem gerais, é possível dizer que sempre que se anunciar uma aplicação da física quântica para tecidos, órgãos, células e corpo humano vale ligar o sinal de alerta: receba a informação com cautela e procure por alguém da Física para esclarecer se aquilo faz sentido ou não.

“Todos os que buscam tratamentos ou serviços de saúde precisam desenvolver o senso crítico. Com o excesso de informações sendo disseminados nas redes sociais, há alguns pontos de alerta para determinados tratamentos propagados e oferecidos como ‘cura’, ‘milagre’, ‘revolucionário’ ou ainda ‘aquilo que a big pharma não quer que você saiba’”, alerta também a professora Vanessa Tuono. “Dizer que algum tratamento é baseado em estudos científicos, não quer dizer que é confiável. Evidência de eficácia se dá por meio de testes clínicos randomizados, estudos comparativos, com populações amostrais representativas. Chamamos de estudos robustos de alto nível de qualidade da evidência”.

 

Para Tuono, os profissionais de saúde, na graduação básica, não aprendem a consumir ciência de forma crítica. “Assim como a população em geral, os clínicos precisam ser críticos e basearem suas decisões clínicas em estudos de alta validade. Um relato de caso, mesmo que publicado em uma revista científica, não serve como evidência para decisão clínica. Faz parte do juramento de todo profissional de saúde, precisamos nos atualizar, precisamos pesquisar”, defende.

Tanto Tuono quanto Schappo destacam que o principal risco das terapias quânticas – assim como dos demais tratamentos pseudocientíficos – é a pessoa abandonar tratamentos convencionais, com melhores resultados com base em evidências. “Se alguém acredita que as doenças são causadas por ‘falta de vibrações positivas, pensamentos positivos ou frequências positivas’, por que ela estaria disposta a tomar antibióticos e a fazer cirurgias? Bastaria alterar ‘as vibrações quânticas do pensamento’. Mas isso não tem base científica”, afirma o físico. “A pseudociência afasta o indivíduo adoecido de tratamentos que comprovadamente podem agir sobre o processo saúde-doença”, completa Tuono.

A enfermeira lembra ainda das questões financeira e de gestão pública envolvidas. “Na maioria dos casos é um grande desperdício de dinheiro, tempo e energia. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) paga por terapias pseudocientíficas, então, também há desperdício de dinheiro público. Nem toda terapia ou prática integrativa em saúde é pseudociência. Algumas não foram testadas no método científico e, portanto, não possuem evidências, precisariam ser testadas. Outras foram testadas em ensaios clínicos e não fazem efeito, e outras foram testadas e demonstraram eficácia para algumas indicações clínicas”.

 

Sem falar, claro, nos casos em que, além de não fazer bem, o pseudotratamento prejudica a saúde. Há casos de intoxicação renal e hepática por excesso de vitaminas e suplementos, reações a fitoterápicos. Efeitos indesejáveis em corpos mais vulneráveis, como crianças e idosos, além de muitos relatos de abandono dos tratamentos ditos convencionais. “Enquanto busca tratamentos quânticos ou mágicos, baseados em energia, a população em geral não faz o básico para manutenção e promoção a saúde. Não aprende a se alimentar, exercitar-se e cultivar bons hábitos, o que é sim um prejuízo à saúde de cada um e da população”, aponta Tuono.

Schappo ressalta que nem mesmo a sensação de bem-estar que, supostamente, as pessoas sentem com os tratamentos sem comprovação científica. “A principal reflexão que eu faço é: realmente precisamos apelar para pseudociências – o que significa propagar informações completamente sem sentido sobre como a natureza funciona – só para gerar bem-estar e melhorar o estado de espírito? Será que precisamos deseducar as pessoas sobre ciência para fazê-las se sentir melhor? Realmente, isso é o melhor que nossa sociedade tem a oferecer?”

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