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Como está sua saúde mental durante a pandemia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 31 ago 2021 15:15 Data de Atualização: 01 set 2021 09:50

Há mais de um ano e meio estamos enfrentando a pandemia de Covid-19, que alterou radicalmente a vida da maioria das pessoas. Medo, incertezas, doença, luto, solidão, isolamento, mudança de rotina... como lidar com tantos sentimentos? E quem perdeu alguém por Covid-19? Só no Brasil, estamos falando de quase 580 mil famílias enlutadas - e este número continua crescendo.  E quem teve Covid-19? Estudos indicam que a doença pode afetar o organismo de forma sistêmica, inclusive com danos ao sistema nervoso, causando sintomas como ansiedade ou depressão. 

No mês de setembro é realizada a campanha  Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. Aproveitamos o momento para conversar com especialistas sobre saúde mental e a pandemia e trazemos algumas reflexões sobre como lidar com sentimentos difíceis. Também trazemos informações para quem está passando pelos sintomas prolongados da Covid-19 e o benefício do exercício físico para estes casos.

Vamos falar sobre as seguintes questões:

- Como a pandemia afeta nossa saúde mental? Quais os principais sintomas?

- Problemas emocionais como ansiedade e depressão e problemas cognitivos, como falta de memória e concentração, podem ser sintomas persistentes da Covid-19?

- O distanciamento social tem algum impacto sobre nossa memória e atenção?

- Qual a importância do exercício físico na recuperação das pessoas que tiveram Covid-19?

- Qual faixa etária está apresentando mais sintomas de ansiedade e depressão durante a pandemia?

- Podemos dizer que o número de suicídios aumentou?

- Como lidar com o luto?

- O que fazer com a percepção de que nem todos enxergam a pandemia da mesma maneira e a raiva decorrente disso?

- Como voltar à normalidade sem medo?

- Quais as lições da pandemia?

Como a pandemia afeta nossa saúde mental? Quais os principais sintomas?

Se você está sentindo angústia, medo, raiva, ansiedade ou sintomas de depressão, você não está sozinho. Segundo o psicólogo Diogo de Oliveira Boccardi, esses sentimentos são comuns e até esperados em momentos difíceis. Dizer que uma pessoa goza ou não saúde mental é algo relacionado às expectativas que se tem sobre ela, sobre como se deve reagir em determinada situação. Para ele, “se as pessoas estivessem apáticas, passassem ilesas por este momento, eu acharia que elas não estão bem. Eu acharia um péssimo sinal que todo mundo estivesse tranquilo”. O profissional também questiona: “saúde mental é estar feliz apesar das circunstâncias, ou é estar reagindo de maneira congruente ao que as circunstâncias nos apresentam? Eu fico com a segunda definição, eu acho que o fato de as pessoas sofrerem nesse momento horroroso que a gente está vivendo é um bom sinal”.

Os sentimentos relacionados à ansiedade (pessimismo, choro fácil, fantasias trágicas, sensação de falta de controle), bem como os sintomas físicos, como taquicardia, insônia, entre outros, têm aumentado muito durante a pandemia, segundo Boccardi. Esse conjunto de sensações pode levar a pessoa a se sentir deprimida, o que é muito diferente da depressão em si, que é uma doença séria e que precisa de um diagnóstico específico.

Veja a explicação mais detalhada no vídeo:

 

-> Blog do IFSC: Como manter a saúde mental nesta pandemia?

Problemas emocionais como ansiedade e depressão e problemas cognitivos, como falta de memória e concentração, podem ser sintomas persistentes em quem teve Covid-19?

Desde o surgimento dos primeiros casos da Covid-19, há a preocupação com os sintomas persistentes (com duração maior que o período de infecção pelo vírus) e possíveis sequelas (danos permanentes). 

-> Acesse aqui o post sobre sintomas e sequelas da Covid-19

Além dos sintomas físicos, muitos pacientes têm relatado sintomas relacionados a problemas cognitivos (perda de memória, concentração, raciocínio) e emocionais, como ansiedade e depressão. Estudo do Instituto do Coração (Incor) realizado com pessoas que tiveram Covid-19 indicou que em 80% dos participantes da pesquisa o coronavírus “ocasionou dificuldade de concentração ou atenção, perda de memória ou dificuldade para lembrar-se das coisas, problemas com a compreensão ou entendimento, dificuldades com o julgamento e raciocínio, habilidades prejudicadas, problemas na execução de várias tarefas, mudanças comportamentais e emocionais, além de confusão”. Estudos internacionais, como o realizado na China, apontam para o mesmo caminho.

Em Santa Catarina, estudantes de Fisioterapia e Medicina da UFSC e Psicologia da Unisul desenvolvem, em Araranguá, projeto de pesquisa que estuda os efeitos do exercício físico em pacientes com sequelas de Covid-19, com foco nas duas principais sequelas, o cansaço e a falta de ar (dispneia). Os alunos também estudam os efeitos da doença nas funções cognitivas, como memória, e funções executivas, como raciocínio lógico. Também são investigados sintomas emocionais, como ansiedade e depressão. 

O professor e pesquisador da UFSC que coordena o Laboratório de Biologia do Exercício Físico (LaBioEx), Aderbal Silva Aguiar Júnior, explica que,  há pouco tempo, descobriu-se que o vírus Sars-Cov-2 infectava neurônios. Em análises post mortem e in vitro, foi constatado que o vírus induz o aumento, nos neurônios, de uma proteína chamada TAU, associada à demência do tipo Alzheimer. De acordo com o professor, o estudo realizado em Araranguá não analisa especificamente essa proteína, mas os sintomas neurológicos em pacientes com teste positivo para o Sars-Cov-2.  “O prejuízo cognitivo que vemos fica muito longe de uma demência, não incapacita as pessoas, mas são sintomas que atrapalham as atividades diárias”, explica.

O distanciamento social tem algum impacto sobre nossa memória e atenção?

Para o psicólogo Diogo Boccardi, há uma crença que as emoções atrapalham o nosso raciocínio lógico. Quando estamos muito emocionados ou tristes perderíamos a capacidade de produzir, trabalhar. Para o profissional, “isso não é 100% verdade”. O problema é “negarmos” as emoções e não entendermos como elas nos afetam. “Não vamos demonizar as emoções, vamos conviver com elas”, resume.

-> Blog do IFSC: As emoções da pandemia e como lidar com elas

Contudo, o maior impacto sobre nossa saúde mental na pandemia está relacionado ao empobrecimento das relações. “A maior parte das pessoas sentiu sua vida encolher nesse momento. Por isso, pode sentir mais cansaço e dificuldade de atenção. Muitas vezes, as dificuldades de memória não são específicas, mas é porque a pessoa não tem atenção, aí a memória não tem o que reter”, explica Boccardi. Porém, é possível ter uma rotina estimulante mesmo estando em casa: jogos eletrônicos, aprender coisas novas como idiomas, cozinhar, brincar com as crianças, interagir mesmo que on-line com os amigos. 

Ficar mais tempo em casa também tem reduzido o tempo de atividade física para muitas pessoas. Segundo o professor Aderbal Aguiar, da UFSC, isso tem um impacto negativo também na saúde mental. “Nós, seres humanos, somos feitos para nos movimentarmos. Somos os animais que melhor correm distância no mundo. A gente já tinha um problema de sedentarismo, que foi turbinado com o confinamento”, alerta. 

Segundo o professor, o exercício físico é antiestresse, antidepressivo e nootrópico (aumenta a concentração). Por isso, ter momentos para realizar atividades físicas, com distanciamento social e segurança, é imprescindível durante a pandemia.

Nós, seres humanos, somos feitos para nos movimentarmos. Somos os animais que melhor correm distância no mundo. A gente já tinha um problema de sedentarismo, que foi turbinado com o confinamento - Aderbal Aguiar, professor e pesquisador da UFSC

-> Veja como utilizar a máscara facial durante a atividade física

Qual a importância do exercício físico na recuperação das pessoas que tiveram Covid-19? 

O estudo desenvolvido pela equipe do professor Aderbal Aguiar em Araranguá tem constatado que o exercício também contribui na recuperação de diversos sintomas, como ansiedade, problemas cognitivos e de memória, dores, diminuição de força muscular, sintomas depressivos, entre outros. “Alguns dados preliminares indicam que conseguimos diminuir em até 90% essas sequelas”, destaca o professor.

Para as pessoas que estiverem com sequelas da Covid-19, ele indica procurar um fisioterapeuta. O tratamento não é tão complicado, envolve exercícios de força, esteira e alongamento. O que é importante é a intensidade do exercício e a avaliação do profissional. “Muitos pacientes desenvolvem sequelas cardíacas, então, o exercício deve ser feito com segurança. Esse talvez seja o principal resultado do nosso projeto, mostrar que o exercício é seguro e eficaz em aproximadamente 90%. Mas essa segurança vem do controle que temos durante o exercício”.

O professor Aderbal Aguiar preocupa-se especificamente com o atendimento de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ele e sua equipe estão desenvolvendo um projeto em parceria com a prefeitura em Araranguá, financiado pelo Ministério da Saúde, para desenvolver uma metodologia, barata e eficaz, que possa ser implantada no SUS ou por qualquer profissional que queira utilizá-la, no Brasil ou no exterior. Uma experiência positiva já vem sendo desenvolvida em parceria com a prefeitura de Balneário Arroio do Silva. “Mesmo em uma cidade pequena foi possível implementar esse serviço”, destaca o professor.

Veja a explicação no vídeo:

 

Qual faixa etária está apresentando mais sintomas de ansiedade e depressão durante a pandemia?

No início da pandemia, os idosos foram muito afetados, de acordo com Boccardi. No decorrer da pandemia, ele observa, na própria prática clínica e no relato de colegas, uma maior incidência de problemas com os adolescentes, especialmente aqueles que estão concluindo o Ensino Médio, com preocupações relativas ao vestibular e complexidade dos conteúdos escolares frente ao “ensino remoto improvisado”. 

Ele ressalta, ainda, a preocupação com crianças até 10 anos de idade, pois a avaliação da saúde mental nessa faixa etária é bastante peculiar: “A gente não avalia a saúde mental dessas crianças olhando o presente. Em princípio, as crianças se adaptaram mais rápido que adolescentes e adultos, mas as reais dificuldades não vão aparecer imediatamente. Daqui a dois, três, cinco, ou até 10 anos, a gente vai descobrir que, talvez, as crianças sofreram até muito mais que outras faixas etárias”, alerta. 

Podemos dizer que o número de suicídios aumentou?

O psicólogo Diogo Boccardi diz que não é possível dizer que houve um aumento no número de suicídios durante a pandemia. As estatísticas existentes são escassas e não confiáveis e os estudos existentes são sobre situações específicas e pouco abrangentes. O que se sabe é que nos primeiros meses da pandemia pode ter havido uma redução no número de casos. “O que se imagina é que, por as pessoas estarem muito próximas, isso acabou inibindo muitas tentativas de suicídio, ou pelo menos o socorro está mais próximo”, explica o profissional. Por outro lado, em algumas famílias em que há violência doméstica, questões homofóbicas e outros tipos de conflito, alguns estudos mostraram tendência de aumento de casos de suicídio. 

De qualquer forma, não há um sistema confiável e abrangente de estatística, pois a notificação do óbito muitas vezes não indica o suicídio como causa. Além disso, a sobrecarga do sistema de saúde com a Covid-19 também pode ter contribuído para a subnotificação. “O que eu suspeito é que tenha havido um acréscimo nas tentativas, mas também não temos uma estatística sobre isso”, explica.

Segundo o psicólogo, é complicado perceber os “sinais” se uma pessoa está ou não em risco de suicídio. O importante é perceber se alguém próximo está sofrendo, perguntando e oferecendo ajuda. “Eu não subestimaria os contatos on-line. O on-line não é pior que o presencial, é preciso mostrar que se está disponível e atento, parar para conversar”, destaca.

Como lidar com o luto?

O luto vivenciado pela perda de pessoas com Covid-19 é bastante presente, e tem uma característica que o torna mais difícil: a impossibilidade de realizar despedidas e rituais funerários. “Quando a gente perde alguém muito importante, não é só aquele corpo que vai embora. Todas as possibilidades de futuro que a gente vislumbrava com aquela pessoa também desaparecem. É o presente que se fragmenta, mas também o futuro”, ressalta Boccardi. 

O que resta então para quem fica? O psicólogo orienta buscar as lembranças do passado, rever fotografias, vídeos, lembrar dos momentos bons vividos com a pessoa que se foi. Reunir os amigos e familiares mais próximos, mesmo que por videochamada, pode não substituir, mas oferecer uma oportunidade de despedida, de elaborar o luto, que foi privado pela pandemia. “Quando uma pessoa morre, a gente precisa repetir a mesma história, contar para as pessoas qual foi a última frase, o último encontro. A gente busca no passado, então, fazer isso em conjunto com a família, pode ajudar a atravessar essa perda”. Pode ser difícil em algumas situações, então, essa conversa pode ser “puxada” por quem se sentir mais disponível na família e, se necessário, um terapeuta.

-> Cuidado ao luto: projeto gratuito oferece acolhimento a quem perdeu alguém por Covid-19

O que fazer com a percepção de que nem todos enxergam a pandemia da mesma maneira e a raiva decorrente disso?

Para o psicólogo Diogo Boccardi, as relações interpessoais durante a pandemia estão extremamente violentas, na medida em que há um número de pessoas ignorando os riscos, expondo-se ao vírus e, consequentemente, expondo outras pessoas. Diante desses comportamentos, sentimentos como raiva e frustração são perfeitamente coerentes. 

Ao invés de tornar a raiva algo patológico, colocando a culpa em quem “sente” a raiva, é importante saber o que fazer com esse sentimento. “Engolir” a raiva não é a melhor solução, pois pode gerar ansiedade. Atitudes violentas ou ofensas nas redes sociais também não resolvem, não convencem ninguém. 

De acordo com Boccardi, ações coletivas são mais efetivas nesse momento. “A ideia é que quem tem raiva se reúna com quem tem raiva e pense em saídas coletivas. Nesse momento da pandemia, teríamos menos ansiedade se pudéssemos estar perto de quem sente isso, não só para fazer um grupo de suporte mútuo, mas pensar em alternativas, seja em pressão popular, ações de solidariedade com quem está com fome, doação de alimentos ou roupas. Se eu efetivamente participo de um grupo que organiza ações sociais, essa ‘pertença’ ao grupo vai servir para canalizar a revolta e diminuir a ansiedade”, ressalta. 

Para o profissional, “nem todas as pessoas precisam de terapia ou medicação”, mas se reunir para gerar mudanças na sociedade tem efeitos benéficos nos sintomas de ansiedade, insônia ou depressão. “Nesse momento, as saídas que temos de enfrentamento da pandemia não são exatamente mais atendimento especializado. Isso é uma das possibilidades, mas o que faria mais diferença seria as pessoas se mobilizarem de alguma forma”, finaliza.

Nesse momento, as saídas que temos de enfrentamento da pandemia não são exatamente mais atendimento especializado. Isso é uma das possibilidades, mas o que faria mais diferença seria as pessoas se mobilizarem de alguma forma - Diogo Boccardi, psicólogo

-> IFSC Verifica: Professoras destacam que é preciso pensar no outro

Como voltar à normalidade sem medo? 

Vamos ter dois estágios diferentes: nesse primeiro estágio de retorno às atividades, em que ainda há um grande número de contaminados e mortes, ainda será difícil as pessoas se habituarem, ficarem à vontade no transporte público ou no supermercado lotado, por exemplo. “Esse primeiro momento vai ser um período muito tenso”, prevê Boccardi. Ele observa que a volta ao trabalho presencial está sendo bastante angustiante para alguns pacientes. A saída, novamente, seria buscar soluções coletivas, com apoio mútuo, a solidariedade entre colegas, e a exigência do cumprimento dos protocolos de segurança pelas empresas. 

Em um segundo momento, quando tivermos menos vírus circulando e mais pessoas imunizadas, será mais fácil voltar ao normal. “Não sou pessimista de dizer que nunca mais vai voltar ao que era. Acho que algum momento vai voltar, mas não agora”, destaca.

Quais as lições da pandemia?

O psicólogo Diogo Boccardi elenca algumas lições que aprendemos com a pandemia:

- As coisas que a gente tem como certas na nossa rotina e na nossa organização social não são tão certas assim, precisamos lidar com o imprevisível;

- Precisamos estar atentos à nossa saúde e valorizar quem cuida dela. Aprendemos sobre a importância do SUS e a importância de investimentos no coletivo;

- Nos hábitos, passamos a valorizar mais o espaço doméstico. “Muita gente achava que não precisava cuidar e investir nas relações familiares. Se tinha um problema, podia sair, espairecer. Agora a gente percebeu o quanto a gente precisa cuidar disso, que as relações familiares são difíceis e precisamos investir nelas”;

- Pessoas que nunca passaram por quadros de ansiedade e tristeza perceberam que podem passar por isso, e podem ficar mais atentas ao sofrimento das pessoas próximas;

- Aumento da procura por tratamento psicológico. As pessoas ficaram mais atentas à saúde mental.

Veja o vídeo produzido pelo IFSC sobre as emoções durante a pandemia:

 

Setembro Amarelo

No mês de setembro, o Comitê de Direitos Humanos e os psicólogos do IFSC promovem a campanha “Precisamos falar sobre saúde mental”. Serão publicados a cada semana uma série de posts no Instagram do IFSC (@ifsc) em que serão abordadas questões referentes a estratégias para cuidar da saúde mental e em caso de sofrimento psíquico o que fazer e quem procurar. Além dessas publicações, estão previstas duas lives sobre o tema.

Saiba mais

A pandemia obriga a todos a estar em constante aprendizado. Saiba mais sobre a importância da informação no Blog do IFSC e no IFSC Verifica.

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Por que é dever da escola e das instituições de ensino promover ações que discutam orientação sexual?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 mai 2023 18:46 Data de Atualização: 31 mai 2023 11:15

Ao abrir as redes sociais, logo você vai encontrar alguma acusação de que uma escola ou uma universidade está praticando doutrinação de gênero, formando, nas palavras desses acusadores, “bichas” e “travestis”. É só promover um evento ou uma atividade pautado em relações de gênero que as acusações surgem – muitas delas feitas por políticos que questionam o papel da escola.

Em alusão ao 17 de maio, Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, o IFSC Verifica deste mês traz fatos para mostrar que as instituições de ensino devem sim falar sobre educação sexual, tanto que isso está previsto em lei.

Para saber mais sobre o tema, conversamos com os professores Lino dos Santos, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, Patrícia Rosa e Felipe José Schmidt, do Câmpus Florianópolis, Paula Zuanazzi, do Câmpus Itajaí, Diogo Moreno, coordenador de Juventudes e Diversidades do IFSC, e com a chefe do Departamento de Formação e Práticas Educativas do IFSC, Eliane Juraski.

 

Também conversamos com a pedagoga e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Sara Wagner York e a profissional da área da saúde, com formação em Medicina, Ale Mujica Rodriguez.

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A orientação sexual é considerada um tema transversal pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são definidos pelo Ministério da Educação. A justificativa é de que a sexualidade está presente em todos os momentos de nossas vidas.

Como tema transversal, ele não deve ficar restrita a uma disciplina, mas deve fazer parte dos planos pedagógicos das instituições de ensino fundamental e médio. Ou seja, os PCNs exigem que a abordagem seja muito mais ampla do que apenas discutir orientação sexual nas aulas de Biologia, quando se estuda o sistema reprodutor.

Apesar de ser um tema transversal, a orientação sexual ainda é pouco trabalhada nas escolas. A avaliação é do professor do câmpus Jaraguá do Sul, Lino dos Santos. Ele é trans e atua na área da moda. “Infelizmente nem na educação básica nem na superior a orientação sexual é vista como um tema transversal. São relegados para algumas disciplinas e alguns professores são responsabilizados como se tivessem o dever de abordar o tema enquanto outros não. Costuma ficar a cargo da História, da Biologia ou da Sociologia falar sobre isso, mas a Matemática também poderia abordar o tema ao analisar, por exemplo, os assassinatos de pessoas trans no Brasil. No ensino superior, infelizmente, os cursos escolhem os temas a serem tratados e questões de gênero estão muito mais relacionados à pesquisa e à extensão do que ao ensino e chegam muitas vezes nas universidades por pressão dos movimentos sociais.”


 

Ele também considera que é preciso que os gestores das instituições de ensino compreendam a importância desse assunto. “A responsabilidade de abordar esses temas não deve ficar apenas para o professor, os gestores das instituições de ensino precisam compreender a importância de falar sobre orientação sexual ou mesmo gênero. Não adianta eu formar os professores com cursos nessa área se o gestor não entende a relevância do tema. Inclusive, quando chegam os ataques ao trabalho de um determinado professor, a instituição precisa se posicionar, porque o que a gente vê são uma série de ameaças à pessoa do professor ou do educador, sem um posicionamento da instituição. A gente está falando da vida de pessoas, de ameaças de morte. É preciso barrar este tipo de atitude com o mínimo de efeito positivo para o outro lado, ou seja, com o mínimo possível de likes e comentários. O que a gente percebe é que esse discurso de ódio gera muito engajamento ao mesmo tempo em que não gera conteúdo. A minha perspectiva é que, quanto mais ataques de ódio, mais atividades temos que promover.”

A professora de Filosofia do Câmpus Florianópolis Patrícia Rosa avalia que os ataques se intensificaram na medida em que as pautas progressistas foram ganhando espaço. “Esses movimentos têm crescido no mundo todo há uns 15 anos. Ainda não sei qual nomenclatura deveríamos dar a eles, alguns utilizam o termo fascismo, mas eu não considero ser o mais correto, porque fascismo está localizado historicamente. A forma deles agirem é que se baseia numa concepção fascista de política do medo. A minha perspectiva é que temos que trabalhar por direitos por todas as humanidades porque existem modos diferentes de ser humano.”


 

A pedagoga e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Sara Wagner York explica que uma das táticas desses ataques de ódio é o de descredibilizar o professor. “Nestes posts é comum colocar em xeque a credibilidade de formação e de currículo do profissional que promoveu a atividade ou mesmo da própria instituição. Observamos também a constante produção de fake news, que é a produção intencional de notícias falsas, para causar um dano a alguém ou ainda quando há uma intencionalidade de criar uma narrativa descontextualizando algumas informações. As palavras mais perversas e absurdas que eu já ouvi sobre questões sexuais foram ditas por uma ministra que é hoje senadora da república sendo que ela nunca comprovou o que denunciou.”

Sara é transexual e professora e avalia que é fundamental que a educação vá além do binarismo homem e mulher. Nesse sentido, ela avalia que a presença de professores e alunos trans em sala de aula contribuem para esse debate. “Quando essa diferença for tratada como uma realidade da escola, a gente vai de fato estar fazendo educação.”


 

Uma demanda dos estudantes

O professor do Câmpus Florianópolis e presidente do Comitê de Direitos Humanos do IFSC, Felipe José Schmidt, dá aulas de Filosofia e explica que muitas demandas para abordar temas relacionados à orientação sexual chegam dos próprios estudantes. “Quando eu ministro ética e autocuidado eu trabalho a saúde enquanto um direito humano e surgem temas como gravidez na adolescência e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Foi a partir de um trabalho como esse que fizemos uma parceria com o grêmio estudantil onde passamos a disponibilizar preservativos no câmpus. Trouxemos também um caminhão de vacinação, onde, além de atualizar suas vacinas, os estudantes também conseguiram fazer uma série de exames.”

A chefe do Departamento de Formação e Práticas Educativas do IFSC, Eliane Juraski, avalia que é papel da escola pautar estas questões. “Nós temos que acolher o conhecimento do senso comum e fazer com que ele passe pelo crivo científico para ressignificá-lo. Nós não estamos aqui para agradar ninguém, mas para desempenhar o nosso papel enquanto uma escola para formação de trabalhadores e trabalhadoras. Quando surgem esses ataques, a instituição precisa prestar o apoio a esses educadores. O bate-boca virtual não resolve e essas pessoas precisam ser punidas na vida real. Ser denunciadas e investigadas.”


 

Ela cita que a pró-reitoria de Ensino do IFSC está trabalhando em duas frentes para formação dos servidores como forma de incentivo à inserção desses temas nas práticas pedagógicas. “Estamos promovendo semanas pedagógicas integradas e realizando ciclos de formação continuada com todos os servidores em que serão abordados temas como direitos humanos, política de assédio e combate à violência.”

Estudantes trans

No IFSC, não há um censo sobre a quantidade de estudantes que se identificam enquanto trans, mas, no momento, sabe-se que 147 alunos optaram pela utilização do nome social.

Desde 2010, há uma regulamentação no instituto que permite a utilização do nome social nos registros acadêmicos por estudantes transexuais. Sendo que o nome social é aquele ao qual o estudante escolhe ser chamado e difere do seu nome civil.


 

O coordenador de Juventudes e Diversidades do IFSC, Diogo Moreno, explica que o IFSC tem trabalhado para promover ações específicas para atendimento desses estudantes. “Nós temos recebido uma série de demandas sobre como pensar em banheiros para os estudantes trans, este é um assunto que a gente vem debatendo para criar uma diretriz. Outro assunto que estamos discutindo, em conjunto com os professores de Educação Física, é sobre a inserção dos estudantes nos Jogos do IFSC (Jifsc). A gente sabe que muitos estudantes trans têm resistência a praticarem atividades físicas e a gente precisa mudar isso. Estamos também pensando em cotas nos editais específicas para atender esses estudantes e temos ainda que pensar na linguagem não-binária que é também uma reivindicação.”

Uso de banheiros

No Brasil, segundo a resolução nº 12, de 2015, do Programa “Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual” é garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito. Mas, apesar de existir uma legislação específica para isso, é comum ouvir de estudantes trans que se sentem constrangidos ao usar o banheiro. “Eu já ouvi o relato de uma estudante que fica o dia inteiro sem usar o banheiro por conta do medo da violência e do histórico de violência que ela já sofreu neste espaço”, relata o professor Felipe José Schmidt, do Câmpus Florianópolis.

Com relação ao uso de banheiros, o professor Lino Santos, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, avalia que é preciso repensar na forma como esses espaços são projetados. “Eu vejo que criar um banheiro só para alunos trans não é o caminho porque, ao invés de incluir, excluí. O banheiro tem que ser pensado como nas nossas casas, de uso individual. Ele é uma porta, um vaso e uma pia. Eu entendo que nas escolas por uma questão de custos e mesmo de infraestrutura acabam se pensando nesses espaços de uso compartilhado, mas é preciso rever o planejamento desses espaços.”

Participação de estudantes trans em jogos esportivos

A jogadora da Superliga Feminina do vôlei Tiffany é considerada uma referência na inserção de atletas trans no esporte. Mas casos como os dela, no esporte de alto rendimento, ainda são raros. Como profissional da área da saúde, com formação em Medicina, Ale Mujica Rodriguez é trans e explica que “o controle dos corpos trans é muito maior do que o controle que é feito aos corpos de atletas cisgêneros”. “O corpo humano é muito mais complexo do que dividi-lo no binarismo homem e mulher em que a força estaria associada ao masculino e a suavidade ao feminino. O que a gente observa é que os corpos costumam ser educados para isso. As pessoas não se dividem apenas em XX e XY, há um debate muito interessante sobre esta questão do esporte que é promovido por pessoas intersexo e é preciso trazer essas discussões para a sala de aula.”

Nesse sentido, como pensar no caso de um estudante trans do IFSC que queira participar do Jifsc, por exemplo? Ele pode? Como ele deve ser inscrito? “O que a gente observa é que muitos estudantes trans evitam fazer aulas de Educação Física e por conta disso não aprendem na escola a jogar, eles têm medo de não serem aceitos e de sofrer violência no banheiro ou mesmo no vestiário. Se a escola não der este espaço, talvez ele nunca tenha outro, não vai desenvolver o gosto pela atividade física, não vai saber nem como o corpo reage a determinadas práticas. Nós precisamos de fato garantir a esses estudantes o direito à escola”, avalia a professora de Educação Física do câmpus Itajaí Paula Zuanazzi.

Você sabia?

O dia 17 de maio é declarado como Dia Internacional de Combate à LGBTfobia e esta data é considerada um marco porque foi em 1990 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo homossexualismo da lista de distúrbios mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID). A partir de então, o termo homossexualismo, que antes caracterizava a orientação sexual como doença, deixa de ser utilizado e dá lugar ao termo homossexualidade. A transexualidade também já fez parte da lista de transtornos mentais da CID, mas foi retirada em 2019 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).


 

Os trabalhos do biólogo e sexólogo americano Alfred Kinsey (1894-1956), autor dos livros Comportamento sexual do homem e Comportamento sexual da mulher foram fundamentais para a revisão desses conceitos. Ao estudar os hábitos sexuais de homens e mulheres nos Estados Unidos, ele observou a multiplicidade de manifestações sexuais humanas que iam além das categorias heterossexual e homossexual. Foi a partir de seus estudos também que a homossexualidade deixa de ser vista enquanto doença e passa a ser vista como um estado natural humano.

LGBTfobia é crime

O termo LGBTfobia é utilizado para se referir ao preconceito e à discriminação ocorrida em virtude da orientação sexual ou da identidade de gênero. A Lei de Racismo (7716/89) prevê pena de um a três anos, além de multa, a quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da pessoa. Se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa.

IFSC VERIFICA

Como descartar roupas e tecidos de forma adequada?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 25 abr 2023 15:16 Data de Atualização: 25 abr 2023 17:01

Você já parou para pensar de onde vem a sua roupa? Do que ela é feita? E para onde ela vai depois que você não a quiser mais (seja por ter estragado, por ter deixado de servir, por você ter cansado dela)? Se lhe faltam respostas a uma (ou mais) destas perguntas, muito provavelmente, suas roupas fazem parte do problema ambiental que é a indústria da moda.

Para falar sobre esse tema, o IFSC Verifica convidou a designer Bruna Lummertz Lima, professora do Câmpus Gaspar do IFSC, doutora em Design pela  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e do Núcleo de Moda Sustentável da UFRGS.   

(Quase) Todo mundo usa

Que tipo de pessoa você é? Do tipo que não pensa muito no meio ambiente e vive a sua vida sem grandes questionamentos sobre o tema? Do tipo que é ecologicamente correta quando dá? Ou está sempre procurando um produto menos agressivo ao meio ambiente, uma forma de ser mais amigável a esse planeta que tanto dá ao ser humano?

Seja qual for o tipo de posicionamento ecológico escolhido por você (conscientemente ou não), é muito provável que você more em um ambiente ao menos minimamente urbanizado e use roupas em mais de 90% do seu tempo no dia a dia. Com raras exceções à parte, se você faz parte da cultura moderna atual, está automaticamente consumindo produtos de vestuário. E por que se preocupar com o que fazer com eles depois que não há mais necessidade ou condições de uso?

O lixo têxtil

Um levantamento divulgado em 2022 pela Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados em anos recentes. Em oito anos, segundo o levantamento, essa quantidade aumentará em 60%. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Modefica em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), somente no Brasil são produzidas mais de 8 bilhões de peças de roupa por ano, correspondendo a 42 novas peças por pessoa em 12 meses.

Além das roupas que descartamos, as sobras de tecido provenientes de confecção também são consideradas lixo têxtil – material que, comumente, é depositado forma irregular em aterros sanitários. “Atualmente, a maioria das composições dos tecidos de peças de vestuário está ligada ao poliéster ou a poliamida, que em linguagem popular, podemos entender que se aproximam ou são plásticos. Esse material vai levar anos e anos para se decompor”, explica a professora Bruna.

O lixo têxtil pode conter uma variedade de substâncias prejudiciais ao meio ambiente quando descartadas inadequadamente. Algumas das substâncias mais comuns são:

  • Corantes: Muitos corantes usados na indústria têxtil podem ser tóxicos e poluir a água e o solo.
  • Plásticos: Como alertou a professora Bruna, muitos tecidos contêm fibras sintéticas, como o poliéster, que são derivadas do petróleo e podem levar centenas de anos para se decompor. Quando descartadas no meio ambiente, essas fibras podem se quebrar em pequenos fragmentos, chamados de microplásticos, que podem atingir as águas e/ou ser ingeridos por animais e entrar na cadeia alimentar.
  • Produtos químicos: Alguns produtos químicos podem ser usados na produção de roupas e muitos deles podem ser tóxicos e prejudicar o meio ambiente e a saúde humana.

Como descartar corretamente?

“Sempre é importante pensar nas possibilidades. A primeira é: essa roupa/ calçado/acessório pode ser consertado? Se a resposta for positiva, o primeiro ponto é levar para arrumar. Certamente o valor do conserto é bem mais em conta do que comprar uma roupa nova” explica Bruna.

Uma outra opção é pensar em trocar roupas com suas amigas e amigos. “Às vezes, naquele encontro de fim de semana, você pode promover um momento para trocar peças entre as pessoas. É uma chance de trocar o guarda-roupa sendo sustentável e não gastando dinheiro. Também é possível avaliar a possibilidade de doar suas peças para alguma instituição de caridade que esteja precisando ou comercializar num brechó do seu bairro ou cidade. No caso de brechós, normalmente se trabalha com consignado. A pessoa deixa a peça e assim que a mesma é vendida, o valor é depositado”, detalha a professora.


Imagens: Dall-e

Se não houver mais chance de uso, roupas em más condições podem ser recicladas, transformando-se em novos produtos ou materiais. Algumas marcas e empresas brasileiras já oferecem programas de reciclagem de roupas, como a Malwee, a Puket e a rede varejista C&A. No caso de retalhos e sobras da indústria, o indicado é que elas sejam recolhidas por empresas especializadas, e que façam a reciclagem, no chamado processo de desfibragem.

Mas se a ideia é pensar além do descarte, evitando a poluição em toda a cadeia produtiva, é preciso discutir a questão do consumo consciente e em moda sustentável.

Moda sustentável

A indústria da moda tem um papel importante na economia global e na cultura de diferentes países. No entanto, ao longo das últimas décadas, a moda tem sido alvo de críticas e preocupações em relação ao seu impacto ambiental e social. A produção em larga escala de roupas, acessórios e outros produtos fashion tem gerado problemas como a poluição dos rios e oceanos, a exploração de mão de obra e a produção excessiva de resíduos. Diante desse cenário, a moda sustentável surge como uma alternativa para transformar a indústria e garantir um futuro mais justo e equilibrado para o planeta e para as pessoas.

A moda sustentável ou moda ética é um movimento que busca produzir roupas e acessórios de forma mais consciente e responsável. Isso envolve a adoção de práticas e materiais que minimizem o impacto ambiental e social da produção, bem como a promoção de uma cultura de consumo mais consciente e duradoura.

Uma das alternativas seria o slow fashion, termo cunhado pela autora Kate Fletcher em 2008 como uma alternativa ao fast fashion. “O fast fashion surgiu nos anos 2000, através da organização de produção da marca Zara. O sistema consiste em realizar a produção de peças, da produção à comercialização, num curto espaço de tempo. Os profissionais envolvidos, especialmente os cortadores e costureiras, ficam sobrecarregados. Considerando que as tendências de moda são efêmeras, esse ciclo se repetia muitas e muitas vezes”, conta Bruna. “Já o slow fashion considera formas alternativas de produção, respeita e remunera adequadamente os trabalhadores e empresas envolvidas, pensa no material empregado em cada peça e propõe um ciclo de moda durável, que não impõe ao usuário a troca de guarda-roupa a cada nova estação”, completa.

Dentre as principais práticas da moda sustentável, destacam-se:

  • Uso de materiais sustentáveis: prioriza o uso de materiais ecológicos, como algodão orgânico, linho, cânhamo, bambu e materiais reciclados, como o PET.
  • Produção local e artesanal: valoriza o trabalho de artesãos e pequenos produtores locais, incentivando a economia regional e a preservação de técnicas tradicionais de produção.
  • Redução do desperdício: busca reduzir o desperdício de matéria-prima e de produtos, utilizando técnicas de reaproveitamento de tecidos e materiais.
  • Transparência na cadeia produtiva:  valoriza a transparência e a ética na cadeia produtiva, garantindo a rastreabilidade e a responsabilidade social e ambiental da produção.

O movimento da moda sustentável tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil e no mundo. Diversas marcas e estilistas têm adotado práticas mais responsáveis em suas produções e buscado inovar em suas estratégias de sustentabilidade.

No Brasil, algumas marcas que se destacam nesse cenário são a Re-Roupa, que produz peças a partir do reaproveitamento de roupas usadas, e a Osklen, que utiliza materiais sustentáveis em suas coleções, além das marcas já citadas acima.

No cenário internacional, podemos destacar a marca Stella McCartney, que tem um forte compromisso com a sustentabilidade e produz roupas a partir de materiais ecológicos e sustentáveis, como algodão orgânico, seda ecológica e couro vegano. Outra marca que se destaca nesse cenário é a Patagonia, que utiliza materiais sustentáveis em suas produções e também atua em projetos de preservação ambiental.

“Não compre por impulso e escolha melhor no momento de comprar, prezando por peças com qualidade, preço justo e sobretudo entendendo sobre a cadeia daquele produto. Se a empresa está envolvida em algum escândalo de trabalho escravo, não compre. Indico o relatório anual de transparência publicado pelo Fashion Revolution aqui no Brasil. É um material bem importante de estudo e conscientização para as pessoas. Vale a leitura. E gosto de sugerir que assistam ao documentário The True Cost. Ele explica bastante coisa, especialmente da cadeia têxtil”, sugere Bruna sobre como contribuir e se informar sobre moda sustentável.

 

 

Ela comenta também sobre a moda muito barata, disponível em aplicativos como a Shein ou em lojas do bairro Brás, em São Paulo. “Há pelo menos dois fatores determinantes para evitar ou reduzir as compras deste tipo de varejo. Onde há preços muito baixos, normalmente, temos um problema de baixa remuneração dos prestadores de serviço, que normalmente são as facções de costura sub contratadas. Essas pequenas ou microempresas recebem bem pouco por cada peça costurada. O outro fator são os materiais, quase sempre de qualidade inferior”, destaca.

O IFSC possui ao menos três ações que tratam do reaproveitamento de lixo têxtil. Dois são do Câmpus Jaraguá do Sul - Centro. Um deles, chamado Upcycle: sobras de debrum viram acessórios de moda com o uso do crochê, foi apresentado recentemente na Feira de Inovação do 9º Seminário de Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação (Sepei) do IFSC. O outro foi executado ano passado e reaproveitou sobras da indústria para produzir sacolas e materiais de decoração.

Já no Câmpus Gaspar, estudantes tiveram o desafio de transformar fardas antigas doadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em novas peças de roupas.

IFSC VERIFICA

Escassez de água: entenda por que esse problema também é seu

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 mar 2023 19:18 Data de Atualização: 29 mar 2023 13:44

É uma conta que não fecha: a quantidade de água disponível no planeta é estável, mas a escassez é um problema que vem causando preocupação crescente. Como um recurso abundante e renovável pode estar se tornando escasso? 75% do globo terrestre é coberto por água, então como é possível que haja escassez de oferta e desigualdade de acesso?

A ideia pode soar estranha, mas a quantidade de água que existe no planeta Terra é a mesma desde os tempos mais primórdios. Ela circula e se renova por meio do ciclo hidrológico, movimento contínuo pelo qual a água evapora, se condensa, se precipita e alimenta novamente nascentes, rios, lagos, oceanos, mananciais subterrâneos. A água passeia também pelas calotas polares, pelos alimentos e até pelos organismos vivos – os humanos, por exemplo, têm 70% do corpo formado por água.

Porém, cada vez mais existe preocupação global em torno da escassez de água – noção que deve ser compreendida como o oposto da abundância. E isso se deve ao reconhecimento de que a água doce corresponde a uma parcela ínfima em relação ao montante total, formado majoritariamente pelos oceanos.

“Até os anos 1990, sempre se teve uma ideia de que o mundo tinha abundância de água: observando os mares, rios, oceanos, de forma empírica, sempre pareceu que tinha muita água”, observa o professor de Geografia do Câmpus Joinville Maurício Ruiz Câmara, que tem mestrado na área e pesquisas sobre desenvolvimento urbano. Foi na última década do século 20 que a distribuição de água no mundo pôde ser quantificada, o que revelou que a disponibilidade de água doce é, na verdade, muito pequena. Em todo o planeta, 97,5% da água está nos oceanos, ou seja, essa imensa maioria é água salgada. A fração de água doce é de apenas 2,5%. Mas esses 2,5% não necessariamente estão ao nosso alcance, já que a maior parte está congelada nas calotas polares (70%) ou escondida nos aquíferos subterrâneos (29%). A água doce superficial representa apenas 1% da quantidade total.


 

Não bastasse o choque de realidade em relação à diminuta quantidade de água doce no mundo, ainda é preciso lidar com as desigualdades de acesso a esse recurso essencial à vida. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 1,4 milhão de pessoas de todas as idades morrem anualmente por causas que poderiam ser prevenidas se, para elas, existisse acesso adequado à água potável e ao saneamento básico. E esse problema leva a outro, pois a falta de saneamento está diretamente relacionada com a poluição: em todo o mundo, segundo a ONU, 2 bilhões de pessoas usam água vinda de fontes contaminadas com coliformes fecais.

Mas qual é a situação do Brasil, e mais especificamente da região em que vivemos, nessa questão da disponibilidade de água? Por que, afinal, a água é essencial à vida? Que alternativas são discutidas para que o acesso a ela seja democratizado? Que setores são responsáveis pela contaminação dos nossos recursos hídricos? Podemos dessalinizar a água do mar? Qual a importância de encontrar água em outros planetas? Conversamos com pesquisadores do IFSC em busca de algumas dessas respostas.

Água, direito de todos e essencial à vida

Desde 2010 o acesso à água potável é considerado um direito universal pela Organização das Nações Unidas (ONU). Isso quer dizer que todas as pessoas têm direito de usufruir da água de forma suficiente, contínua e segura, para uso pessoal e doméstico – o que inclui a própria ingestão de água, seu uso no preparo da alimentação e os procedimentos de higiene necessários para uma vida considerada saudável.

A ingestão regular de água é tão importante para a saúde humana que ela pode ser considerada um alimento, de acordo com a nutricionista da Pró-Reitoria de Ensino (Proen) Carolina Abreu Henn de Araújo, mestra e doutoranda em Saúde Coletiva. “A água nutre nosso organismo e é essencial para que as funções vitais do corpo funcionem perfeitamente”, ressalta. A média ideal de consumo para um indivíduo adulto é de cerca de dois litros por dia, ingeridos gradualmente. “Algumas pessoas precisam de maior ingestão, como os idosos, que têm perda de massa muscular, além de pessoas com doenças crônicas como diabetes e hipertensão”, explica. A ingestão gradual, ao longo do dia, é importante para manter as funções do corpo e repor as perdas que ocorrem, como na eliminação pela urina ou pelo suor.

A ilusão da abundância no Brasil

A realidade global, porém, é de alto risco para 785 milhões de pessoas, que, segundo dados da ONU, não têm acesso à água potável – no Brasil, são 35 milhões, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). “A escassez não ocorre somente nos países desérticos, semiáridos. Nós não temos a abundância que imaginávamos. De fato, o Brasil é abundante em água, mas grande parte dela está disponível na Amazônia. Então ela não está distribuída de forma igual”, observa o professor Maurício Ruiz Câmara.

Entender a relação escassez/disponibilidade exige que se pense na quantidade de água disponível em relação à população. No Norte do Brasil está concentrada 68% da água do país, enquanto a população corresponde a apenas 6% do total. A relação é invertida no Sudeste, onde mora 43% da população brasileira, mas a água equivale a apenas 6% do total. A região Sul, onde a frequente ocorrência de enchentes induz a um imaginário de excesso de água, tem 15% da população do país e apenas 7% da água. “Nós nos referimos à região Nordeste como um lugar onde falta água, mas na realidade a falta de água está aqui mesmo”, observa Maurício.

Para a professora Sabrina Pinto Salamoni, doutora em Microbiologia Agrícola e do Ambiente e docente no Câmpus Jaraguá do Sul, a escassez está relacionada à qualidade da água e à sua distribuição, e a desigualdade na distribuição em relação à densidade populacional é um fator agravante. “É sabido que o aumento da população demanda mais recursos hídricos para diferentes fins, principalmente para a indústria e agricultura, sendo esta última uma das atividades que mais demanda água”, analisa.

As águas residuais decorrentes dessas atividades têm elevado teor de contaminantes e não necessariamente são tratadas, embora haja exigências legais sobre isso. “Assim, ao se falar em escassez é importante mencionar que a qualidade da água está comprometida, que há a necessidade de tratamento para que ela se destine ao consumo humano, por exemplo.” A ONU estima que o processo de escassez pode causar um déficit de 40% na disponibilidade do recurso até 2030.


 

Cenário complexo

O cenário, então, é o seguinte: a quantidade de água doce existente no mundo é uma pequeníssima fração do total de água no planeta; uma quantidade menor ainda está ao alcance das pessoas; mesmo assim, a distribuição dessa água não é equânime por razões geográficas e populacionais; e a água disponível não necessariamente apresenta bom estado, já que a poluição por esgotos, resíduos industriais e agrotóxicos compromete grave e crescentemente sua qualidade. A questão da água é uma problemática tão imensa e complexa que motivou a realização de uma nova Conferência da ONU sobre Água, nos dias 22 a 24 de março de 2023, em Nova York. O Dia Mundial da Água é celebrado em 22 de março desde 1992, ano da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente no Brasil (Rio-92).

Na análise do professor Maurício, a falta de saneamento básico é um problema antigo que leva, inclusive, ao comprometimento da balneabilidade das praias – e à contaminação da água salgada dos oceanos. Mas o processo produtivo é, segundo ele, o maior responsável pela poluição e também o maior demandante de recursos hídricos. Para a produção de 1 quilo de carne bovina, por exemplo, são utilizados 17 mil litros de água. “A região Centro-Oeste tem 15,7% da água doce do Brasil, lá estão as nascentes de vários rios importantes. Mas também há nessa região uma forte expansão do agronegócio. Dada a alta produtividade desse setor, nós podemos dizer que, indiretamente, o Brasil está exportando água”, alerta.

Todo o processo produtivo do agronegócio brasileiro depende da disponibilidade de água. O exemplo vai muito além da pecuária: são precisos 2,8 mil litros de água para a produção de 1 quilo de soja, 2.500 litros para 1 quilo de arroz e 5.280 litros para 1 quilo de queijo. “O volume de água virtual que o Brasil exporta seria suficiente para abastecer 1,5 bilhão de pessoas”, salienta o professor.

Fontes de contaminação incluem produtos químicos

O uso e consumo de água contaminada não só por esgotos, mas também por agrotóxicos e resíduos industriais, chama a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS): dados de 2019 apontam que 140 milhões de pessoas em 50 países estão bebendo água com níveis excessivos de arsênico, substância utilizada em agrotóxicos, venenos, tintas e cerâmicas. Já o consumo de água contaminada por coliformes fecais é a realidade de pelo menos 2 bilhões de pessoas, segundo dados de 2022 da OMS.

“Hoje nós podemos encontrar resíduos de pesticidas em qualquer copo de água de qualquer torneira, de qualquer sistema de abastecimento de água”, afirma o oceanólogo Mathias Alberto Schramm, doutor em Ciência dos Alimentos e professor do Câmpus Itajaí. “Analisando as pesquisas de alguns anos para cá, é possível dizer que as contaminações vêm aumentando, cada vez mais”, acrescenta. Pesquisa orientada pelo professor Mathias em 2021 constatou a presença de 12 agrotóxicos na água potável consumida no câmpus – inclusive, com a presença de substâncias proibidas como o carbofurano (produto usado no combate a insetos, ácaros, cupins e outros agentes, proibido desde 2017). As consequências disso recaem não só sobre as pessoas, mas também sobre os organismos marinhos e o ambiente como um todo. E a legislação regulatória não é suficiente para minimizar esse problema, em especial no Brasil, onde os parâmetros de análise tendem a ser mais permissivos do que em outros países (leia artigo de pesquisadores da Universidade do Planalto Catarinense-Uniplac, em inglês, sobre esse assunto).

A alternativa da dessalinização

A tecnologia necessária para remover os sais das águas salgadas e salobras - a chamada dessalinização - já está bem desenvolvida e é aplicada em países como as Ilhas Maldivas, Bahamas e Malta, onde a água consumida é 100% proveniente desse processo, segundo informações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Na Arábia Saudita, a água dessalinizada é transformada na água potável consumida por metade da população. Aqui no Brasil, há experiências de dessalinização nos estados do Nordeste e em Minas Gerais, beneficiando 330 mil pessoas.

Porém, o processo não é mágico: dele resultam resíduos com sais concentrados, ou seja, bem mais salgados que a água original e que precisam ser tratados. Se despejados no ambiente sem tratamento, essa “salmoura tóxica” pode causar séria degradação dos ecossistemas. Segundo o PNUMA, 80% dos resíduos de dessalinização no mundo vão para locais inadequados. Resolve-se um problema imediato de um lado, mas cria-se outro que pode ter consequências de longo prazo.

Acredite: a água não é uma exclusividade da Terra

Ainda não há resposta para a questão sobre estarmos sozinhos ou não no Universo. Mas já há consenso científico em torno da existência de água - igualzinha à água terrestre, a fórmula H2O - fora do nosso planeta. Já se sabe que há água em outros planetas, luas e outros corpos celestes do Sistema Solar, assim como em exoplanetas – planetas que orbitam outras estrelas que não o nosso Sol. “Tem muita água nos planetas do Sistema Solar, nos planetas anões, nos cometas e nas luas, que são os satélites naturais desses planetas. Mas nem sempre se trata de água líquida”, explica o físico Marcelo Girardi Schappo, doutor na área e professor do Câmpus São José. Na Lua, por exemplo, há água congelada em regiões onde o Sol não incide, em especial nos polos e no fundo de crateras. Nosso vizinho Marte também tem água congelada em calotas polares, além de sinais geológicos de que tenha havido, num passado muito remoto, um oceano de água líquida na superfície. A lua Europa (que orbita Júpiter), o planeta anão Ceres (que fica entre Marte e Júpiter), os anéis de Saturno e os cometas também já têm a presença de água confirmada.

Além desses corpos celestes que podemos considerar “vizinhos” da Terra, já há presença de água confirmada em exoplanetas. Schappo explica que a pesquisa em outros sistemas é muito mais complexa e também bastante recente – o primeiro exoplaneta foi descoberto em 1992, e desde então já se identificou a existência de mais de 5 mil deles. “Ainda estamos começando a conhecer esses novos mundos, que são novos planetas que orbitam outras estrelas, mas certamente vamos lidar com água neles também”, afirma o professor.

Por que encontrar água em outros planetas é tão importante para a ciência astronômica?

Como a água é absolutamente essencial para as formas de vida da Terra, encontrá-la em outros planetas pode ser um indício de que, neles, possa haver também vida de alguma forma. Além disso, identificar os elementos e substâncias presentes nesses planetas e corpos celestes é uma forma de incrementar o conhecimento sobre eles e sobre nós. “É importante confirmar a presença dela [a água] no cosmos porque estamos tentando nos identificar. Olhando para a nossa casa, a Terra, a gente sabe que a água é fundamental para a nossa forma de vida, e foi essencial no próprio processo de formação da vida aqui”, analisa. “Mas isso não significa que todas as formas de vida possíveis sejam condicionadas à existência de água. Seria muita petulância achar isso”, pondera Marcelo Schappo.

A água de outros planetas pode ajudar a resolver a escassez na Terra?

A pesquisa astronômica é fascinante, mas também não é mágica. Embora já esteja confirmada a presença de água em muitos lugares fora da Terra, a hipótese de “importar” água interplanetária para suprir as necessidades de consumo na Terra não está na pauta. “Nós estudamos a água em Marte para conhecer Marte, caracterizar esse planeta, saber o que tem lá, sua composição, temperatura. A ideia é saber da água para conhecer o próprio ambiente que está sendo estudado. A possibilidade da disponibilização dessa água para uso humano só existe na hipótese de uma missão tripulada de longo prazo – e isso está na ordem do dia, é pauta zero da astronomia, da astrofísica, dos estudos planetários, viabilizar uma missão tripulada para Marte”, frisa o professor Marcelo Schappo. Portanto, as alternativas para frear o problema da escassez de água no planeta Terra terão que ser encontradas aqui mesmo, pelos humanos, com os pés bem firmes no chão.

Saiba mais

Se você se interessou pelo assunto, sugerimos outros conteúdos sobre temas ambientais que já publicamos por aqui e que dialogam com a pauta da água:

-> O que você deve saber ao consumir ostras e mariscos?

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IFSC VERIFICA

Quais os impactos do ChatGPT e da Inteligência Artificial na Educação?

INOVAÇÃO Data de Publicação: 28 fev 2023 19:49 Data de Atualização: 01 mar 2023 13:26

A Inteligência Artificial (IA) está transformando a educação de várias maneiras. Ela está ajudando a personalizar o ensino, oferecendo feedback imediato aos alunos e avaliando o progresso de maneira mais eficiente. Além disso, a IA está permitindo aos professores economizarem tempo ao automatizar tarefas repetitivas e liberando-os para se concentrar nas necessidades individuais dos alunos. A IA também está ajudando a aumentar a inclusão, pois pode proporcionar acesso a recursos educacionais a alunos com necessidades especiais ou com dificuldades de aprendizagem. No entanto, é importante que sejam tomadas medidas para garantir que a IA seja usada de maneira responsável e ética na educação.

Você deve ter percebido que a abertura deste texto é bastante otimista em relação ao impacto da Inteligência Artificial na educação. E talvez o motivo seja simples: o parágrafo acima foi escrito por uma ferramenta de Inteligência Artificial. Lançado em novembro de 2022, o ChatGPT vem causando furor e anunciando grandes transformações na indústria de tecnologia. A plataforma que responde a perguntas e demandas diversas simulando a linguagem humana está em sua terceira versão e alcançou cerca de 100 milhões de usuários em dois meses – para se ter uma ideia da rapidez, o TikTok, rede social do momento, levou nove meses para atingir esta marca.

Se a comoção em torno da ferramenta é exagerada ou não, o fato é que o gigante Google, que até hoje hegemoniza os serviços de busca, acabou anunciando que também está trabalhando em um chatbot baseado em IA, o Bard, que pode fazer frente ao ChatGPT. A Microsoft renovou a parceria com a OpenAI para um "investimento multibilionário" na plataforma e já anunciou, entre as novidades, que deve integrar seu buscador Bing ao ChatGPT, transformando a ideia por trás das ferramentas de busca, e incorporar o sistema ao Microsoft Teams, que permite a realização de reuniões virtuais: o ChatGPT poderá "escutar" a reunião, redigir notas e o que foi encaminhado na conversa. O assunto é tão impactante que repórteres de tecnologia do jornal norte-americano The New York Times, Cade Metz e Karen Weise compararam o surgimento do ChatGPT com outros momentos disruptivos da história da internet.

O que há de novo no ChatGPT e que transformações esta ferramenta - e outras relacionadas à Inteligência Artificial - podem provocar especialmente na educação? É o que vamos discutir no post deste mês do IFSC Verifica. Para isso, conversamos com os professores Mario de Noronha Neto, do Câmpus São José, Michele Alda Rosso Guizzo, do Câmpus Criciúma, com o pró-reitor de Desenvolvimento Institucional, Jesué Graciliano da Silva, com o pró-reitor de Ensino, Adriano Larentes, e com o pedagogo do Câmpus Criciúma, Fabrício Spricigo.


Arte: Dall-E

O que é o ChatGPT?

Ele é um robô virtual capaz de responder a perguntas e atender a demandas que vão desde compor uma canção a escrever um artigo acadêmico sobre um tema determinado. É possível resolver problemas matemáticos, desenvolver códigos de programação e até pedir sugestões de ideias para projetos ou questões pessoais, ainda que o próprio ChatGPT avise que não possa emitir opiniões.

O sistema foi criado pela OpenAI, empresa norte-americana fundada em 2015. Abastecido com um volume muito grande de textos e informações disponíveis na internet e treinado por técnicas de aprendizado de máquina, o modelo de linguagem usado dá ao robô a capacidade de prever palavras e frases que são escritas em um contexto específico a partir do "prompt" feito pelo usuário, ou seja, as perguntas - ou os comandos. É como um corretor automático do celular, que deduz estatisticamente qual a próxima palavra que você usaria, mas com essa capacidade turbinada com um volume muito grande de informações lidas previamente pelo robô.

GPT é uma sigla para "Generative Pre-Trained Tranformers". "Em termos menos técnicos, a técnica Tranformers consegue entender como cada palavra está relacionada com todas as outras da frase. A técnica identifica as palavras mais importantes e as coloca em ordem, em um processo de tradução", afirma o professor da área de Telecomunicações Câmpus São José Mário de Noronha Neto, que pesquisa questões relacionadas à tecnologias de comunicação sem fio, análise de dados e Inteligência Artificial. Generative significa que o modelo pode gerar textos semelhantes aos que foram utilizados no treinamento prévio, ou seja, Pré-Trained, realizado com uma grande quantidade de dados.

"O fato do ChatGPT gerar textos parecidos com os de humanos vem do processo de treinamento não rotulado, ou seja, dados sem um propósito específico que foram utilizados para o modelo identificar a estrutura e as especificidades do idioma em que está sendo treinado, que faz o modelo aprender estrutura e especificidades de um idioma, sendo capaz de gerar textos com muita similaridade aos que foram utilizados em seu processo de treinamento", explica Noronha, que já foi chefe do Departamento de Inovação do IFSC e Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação.


Arte: Midjourney

Por que tanto alvoroço em torno do ChatGPT?

"Hoje existe uma quantidade muito grande de aplicações da Inteligência Artificial. Antes de falar delas, é legal entender o conceito de IA", sugere "Uma forma de classificar IA é se referenciando à IA estreita ou específica, e à IA geral. Tudo que ouvimos falar sobre IA hoje está relacionado à IA específica, que é implementada por técnicas de aprendizado de máquina e por aprendizado de máquina profundo. A IA geral vai na linha da Inteligência Artificial reproduzir a inteligência humana, capaz de realizar uma ampla variedade de tarefas cognitivas, e não há, pelo menos que eu saiba, exemplos de aplicações", explica.

Muitas pessoas já estão acostumadas a usar assistentes como a Alexa para atividades do cotidiano.Gostamos quando o YouTube gera legendas automaticamente para vídeos ou o Google nos ajuda com traduções. Nas grandes empresas, a Inteligência Artificial pode ajudar a prever questões como o comportamento do consumidor e a falta de produtos no depósito. Até mesmo a medicina caminha cada vez mais para o uso de Inteligência Artificial para aumentar a precisão de diagnósticos.Sistemas de reconhecimento facial vêm sendo utilizados para aumentar a segurança de dados, controlar acesso a grandes eventos ou para operações e investigações policiais

A Inteligência Artificial faz parte inclusive de projetos de pesquisa desenvolvidos no IFSC. Recentemente, uma formanda do curso de Engenharia Mecatrônica do Câmpus Criciúma desenvolveu um equipamento treinado para identificar, por imagens, a presença de um inseto que ataca a lavoura de maçã. Ana Cristina Castro fotografou a praga em diferentes estágios, gerou um banco de imagens e treinou o equipamento para identificar o inseto quando capturado na plantação.

Se a Inteligência Artificial já está presente em nosso cotidiano, trazendo praticidade em alguns casos e levantando preocupações importantes em outros, por que este alvoroço específico em torno do ChatGPT? Além do grandioso número de usuários alcançado rapidamente e da interface simples de usar mesmo por pessoas leigas, o ChatGPT chama a atenção principalmente pela sofisticação de suas respostas e porque simula muito bem uma conversa com um humano.

Por mais que o ChatGPT incorra em erros de informação, tenha um estilo textual mais genérico, não saiba responder a algumas perguntas e possa gerar discussões sobre o viés ideológico de suas respostas, é inegável sua habilidade em emular a linguagem usada em conversações, oferecendo textos coerentes, com razoável percentual de acerto, que podem ser usados em diferentes situações do cotidiano.

As funções vão além do texto: a aplicabilidade da ferramenta descortina muitas possibilidades - e as próximas atualizações devem aperfeiçoá-la ainda mais. O ChatGPT é capaz de escrever códigos de programação, resolver equações matemáticas e ajudar com ideias para projetos ou solução de problemas. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) apresentou uma ferramenta baseada no Chat GPT para gerar textos comuns às atividades administrativas do tribunal, como e-mails, portarias e resoluções.

Para a pesquisa deste texto, por exemplo, solicitamos que o ChatGPT sugerisse alternativas para a automatização do controle de qualidade de pisos cerâmicos. As respostas estavam condizentes com projetos existentes, conforme atestado por professores da área no Câmpus Criciúma.

Em comparação com sistemas como Alexa e Siri, o ChatGPT teria a desvantagem de não dar respostas sobre a previsão do tempo no dia ou sobre acontecimentos a partir de 2021, uma vez que suas respostas não são pesquisas instantâneas no Google, mas baseadas em tudo que aprendeu até aqui. Por outro lado, é capaz de gerar respostas sofisticadas por escrito, com estrutura coerente e de acordo com o formato, o tom e o objetivo solicitados pelo usuário.

Com muitos usos possíveis, vêm os riscos e temores. E o primeiro deles, como acontece quando surgem grandes inovações tecnológicas, diz respeito à possível extinção de empregos. "É importante lembrar que a IA é uma ferramenta e como tal, pode ser usada para melhorar ou simplificar o trabalho humano, mas também para substituí-lo", respondeu o ChatGPT quando perguntado sobre a questão.


Arte: Dall-E

Como o ChatGPT pode impactar na Educação?

A questão do emprego e do papel dos educadores também se torna um debate quando falamos da presença da Inteligência Artificial na educação. Fabrício Spricigo, pedagogo do Câmpus Criciúma do IFSC e doutor em Educação pela Udesc com uma tese sobre as transformações da educação no contexto da sociedade 4.0, lembra que algumas instituições de ensino já adotam, por exemplo, robôs para a correção de provas de estudantes, o que pode reduzir postos de trabalho e prejudicar a qualidade do ensino.

"Outra questão que assusta os professores é a questão do próprio plágio e da fonte. Se o estudante consulta suas produções textuais somente a partir dessa base de dados, como já temos o Google, o Chat GPT vem nesta mesma linha mas de modo mais aperfeiçoado, porque a Inteligência Artificial já faria esse trabalho [de conexão dos conteúdos], o que poderia ser utilizado de forma a burlar o sistema educativo, a forma como a avaliação é realizada hoje", afirma.

-> O que pode ser considerado plágio? Entenda no post do Blog do IFSC!

"O ChatGPT põe em xeque questões de autoria e produção de conhecimento, e esses são os principais resultados que o professor espera obter com uma boa aula. Assim, a utilização de uma ferramenta que ‘pensa’ pelo aluno assusta com a ideia de que não será mais possível observar no dia a dia a evolução da aprendizagem dos nossos estudantes", explica a professora do Câmpus Criciúma Michele Alda Rosso Guizzo, doutora em Informática na Educação pela UFRGS.

Algumas soluções parecem estar sendo usadas para driblar o uso do ChatGPT. Outras instituições buscam driblar o uso do ChatGPT pelos estudantes, adotando mais avaliações escritas à mão. Também existem ferramentas capazes de detectar se determinado texto foi escrito com auxílio de Inteligência Artificial - uma delas foi desenvolvida pela própria OpenAI, criadora do ChatGPT.

O problema não fica restrito à sala de aula. A prestigiosa revista científica Nature anunciou que não aceitará o ChatGPT como autor de um trabalho de pesquisa, mas permitirá o uso de ferramentas de Inteligência Artificial desde que essa informação apareça na metodologia ou nos agradecimentos, por exemplo.

Além do ChatGPT, outra ferramenta criada pela OpenAI é o DALL-E, que funciona como o ChatGPT mas, em vez de textos, é capaz de gerar imagens e ilustrações a partir de pedidos feitos por escrito. No mesmo sentido, o Midjourney funciona dentro do Discord, plataforma já muito utilizada por estudantes, e de forma colaborativa também gera imagens a partir de demandas por texto. Todas as artes desta reportagem foram elaboradas por IA.


Arte: Midjourney

ChatGPT: inimigo ou aliado?

A discussão que se abre diz respeito às possibilidades trazidas pelo ChatGPT e ferramentas similares. E sobre a postura que a escola deve adotar diante delas.

"Esse será mais um desafio a ser enfrentado. Já ficou provado por meio de outras tecnologias que proibir não é o caminho. As tecnologias estão aí, mudaram a maneira como realizamos várias atividades no nosso dia a dia, então com a educação não seria diferente. O professor precisa compreender essa tecnologia e buscar estratégias, de modo que ela possa ajudá-lo no processo de ensino e aprendizagem. Assim, ela poderá ser uma nova ferramenta para ajudá-lo na busca de estudantes mais críticos, reflexivos e preparados para avaliar ideias e construir seus próprios argumentos", diz a professora Michele Guizzo.

Em direção semelhante, o professor Mario de Noronha Neto lembra que ainda temos pouca experiência com o uso do ChatGPT na educação para identificar qual seria a postura mais adequada das instituições de ensino. Se por um lado a ferramenta pode ajudar estudantes com ideias ou com a melhora na escrita, também pode trazer informações erradas. "Neste sentido, se o aluno não tiver um conhecimento prévio do assunto e não buscar outras fontes de informação, poderá entender de forma equivocada assuntos importantes para sua formação. Neste ponto, é muito importante que a instituição incentive o pensamento crítico e a pesquisa nos alunos", afirma Noronha.

O professor do Câmpus São José concorda que é infrutífero tentar evitar que os estudantes utilizem a ferramenta. "Uma ação importante é trabalhar o uso ético dessas e de outras tecnologias. Este ano provavelmente veremos bons e maus exemplos de uso do ChatGPT na educação. Caberá a nós avaliarmos, entendermos e explorarmos o potencial dessa ferramenta para melhoria do processo de ensino", propõe.

Se proibir não é o caminho e "driblar" o ChatGPT também é uma forma de tentar ignorar sua existência, caberia ao professor ser criativo e estimular a autonomia dos estudantes diante dessas ferramentas. O Pró-reitor de Desenvolvimento Institucional do IFSC, Jesué Graciliano da Silva, produziu, com auxílio do próprio ChatGPT, um manual de 110 páginas com dicas para que professores façam bom uso da ferramenta.

A aposta do professor é usar o ChatGPT não como um ponto de chegada, mas como um ponto de partida para desafiar os estudantes e estimular a participação."Ao criar tarefas interativas e desafiantes para os alunos, o ChatGPT ajuda a aumentar a participação e o interesse dos estudantes, o que é fundamental para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem", escreve, ponderando quanto aos erros e limitações da plataforma.

Jesué sugere que os professores utilizem o ChatGPT como apoio para a preparação de aulas e para estimular e enriquecer discussões em sala de aula, por exemplo. O grande pulo do gato, neste particular, é focar menos no que o ChatGPT vai responder e mais na qualidade do que vamos perguntar.

Em recente coluna publicada no jornal Folha de S. Paulo, o pesquisador e professor especializado em tecnologia, Ronaldo Lemos deu exatamente esse exemplo . Ele não só não proíbe como exige que seus alunos do Schwarzman College, da Universidade de Tsinghua, na China, utilizem o ChatGPT para fazer seus trabalhos. Porém, em vez de avaliar a resposta que a ferramenta oferece, o professor avalia a qualidade dos "prompts", como são chamadas as perguntas - ou os comandos - feitos para o robô.

O pró-reitor do IFSC sugere quatro passos para uma boa pergunta ao ChatGPT: ser claro e objetivo na demanda, escrever corretamente e com precisão, usar linguagem respeitosa e profissional e fornecer contexto para que o sistema compreenda o que você está procurando.

No âmbito da Pró-Reitoria de Ensino do IFSC, o entendimento neste momento é que o tema deve fazer parte das atividades de formação dos servidores tanto na Reitoria quanto nos câmpus da instituição, a fim de que a comunidade acadêmica possa entender melhor o fenômeno e as principais consequências na educação.O tema é assunto de debates e alguns câmpus já preparam atividades de formação para servidores e estudantes.

"Em momentos como este, de incertezas e dúvidas, é preciso valorizar os momentos de estudo e de avaliação coletivos e presenciais, que estimulem o desenvolvimento cognitivo, a criticidade e a elaboração própria dos estudantes. E também nunca esquecer do papel central que tem cada professor e professora como produtores e organizadores dos conteúdos escolares e dos processos de construção do conhecimento e humanização dos nossos estudantes", afirma o pró-Reitor de Ensino, Adriano Larentes da Silva, doutor em História e realizou cursos de pós-doutorado nas áreas de Educação e Políticas Públicas e Formação Humana.

Adriano defende um debate mais amplo sobre os interesses por trás do ChatGPT, partindo da discussão sobre a instrumentalização das tecnologias para a maximização dos lucros no atual contexto do capitalismo. Na educação, diz o pró-Reitor, é fundamental que todos os envolvidos estejam atentos a novidades como o ChatGPT, mas defende uma postura equilibrada. Nem otimista, nem catastrófica, mas crítica.

"É importante sempre evitar análises e conclusões muito otimistas ou eufóricas, que mostram as tecnologias como redentoras dos inúmeros dilemas educativos, e também perspectivas que, atentas apenas às conjunturas muito recentes, acabam por vezes, de forma apressada e enviesada, tornando-se catastróficas", conclui Adriano.


Arte: Dall-E

Qual é o futuro da escola?

O pedagogo do IFSC Fabrício Spricigo sustenta que as mudanças são mais amplas que o uso de assistentes virtuais ou outros recursos por alunos e professores. As transformações no mundo do trabalho provocadas pela tecnologia exigem que a própria escola se transforme. Se a Inteligência Artificial pode executar tarefas repetitivas, ocupando até mesmo o lugar do humano, e auxiliar estudantes e professores na busca de informações e na solução de problemas, o papel da escola deveria se ampliar, promovendo uma formação de cidadãos capazes de encarar o mundo em constante transformação.

"O mundo do trabalho está exigindo cada vez mais o desenvolvimento de habilidades sócio-emocionais. A maioria das empresas contrata profissionais pela dimensão cognitiva, mas o número de demissões é cada vez mais pela dimensão sócio-emocional. Esse mundo cada vez mais incerto e imprevisível exige do sujeito cada vez mais o domínio dessa dimensão que é extra-cognitiva. Eu acredito que, para além do cognitivo, a dimensão sócio-emocional da instituição de ensino nunca vai se perder", afirma.

Spricigo reforça que acesso à informação é diferente de conhecimento, e é papel da escola formar cidadãos críticos e com capacidade de reflexão e ação diante dos problemas que se apresentam. Mais do que o acesso à informação, será necessário que o profissional e cidadão do futuro seja capaz de transformá-la em conhecimento, a partir da reflexão sobre a ação.

"A escola, historicamente, sempre privilegiou o conhecimento puramente teórico. Porém, essa realidade vem mudando. A mudança nas políticas educacionais contemporâneas aponta para a necessidade de desenvolvimento de outros conhecimentos que perpassem o saber-pensar e o saber-agir, diminuindo a distância entre teoria e prática no intuito de promover mudanças e produzir novos conhecimentos que beneficiem o organismo social", diz o pedagogo do Câmpus Criciúma. "Nesse processo, o papel do professor não será como o de outrora em que tal personagem era a única fonte de conhecimento. Hoje e no futuro se desenham cenários em que a docência exercerá muito mais o papel de mediação pedagógica entre os objetos de conhecimento e os estudantes. Por isso, o educar pela pesquisa e extensão se tornam tão significativos", propõe.

O que pensa o ChatGPT?

Para encerrar essa reflexão sobre os impactos da Inteligência Artificial na educação, decidimos perguntar ao próprio ChatGPT o que ele pensa sobre a questão. Confira a breve "entrevista" realizada com a ferramenta.

• Qual você acha que será o impacto do ChatGPT nas escolas?

Acredito que o impacto do ChatGPT nas escolas pode ser bastante positivo, uma vez que ele pode ser utilizado como uma ferramenta educacional eficaz para ajudar os estudantes a aprender de forma mais rápida e eficiente. Ele pode ser utilizado para responder rapidamente a perguntas de pesquisa, fornecer informações e dicas para resolução de problemas, e até mesmo para simular diálogos em sala de aula para treinar habilidades sociais e de comunicação. Além disso, o ChatGPT pode ser acessível e conveniente para estudantes em todo o mundo, o que pode ajudar a ampliar o acesso à educação de qualidade.

• Os estudantes não ficarão dependentes da ferramenta? Não deixarão de aprender por conta própria, sabendo que as respostas estarão todas aqui no ChatGPT?

É possível que alguns estudantes possam ficar mais dependentes do ChatGPT e, como resultado, possam perder o hábito de aprender por conta própria. No entanto, creio que o uso do ChatGPT pode ser uma ferramenta complementar ao processo de aprendizagem, e não uma substituição. É importante que os professores e os pais orientem os estudantes a usar o ChatGPT como uma ferramenta para aprimorar suas habilidades de pesquisa e aprendizagem autônoma, e não como uma fonte de respostas fáceis. Dessa forma, o ChatGPT pode ser uma ferramenta valiosa para ajudar os estudantes a desenvolver habilidades críticas de pensamento e aprendizagem ao longo da vida.

• Como combater o plágio? Qual deve ser a política de citações e referências na utilização do ChatGPT como fonte de pesquisa?

Combater o plágio é uma responsabilidade compartilhada entre os professores, os pais e os estudantes. Quando se trata do uso do ChatGPT como fonte de pesquisa, é importante ensinar aos estudantes a prática adequada de citação e referência, independentemente da fonte utilizada. Aqui estão algumas dicas para ajudar a evitar o plágio ao usar o ChatGPT como fonte de pesquisa:

  • Ensine aos estudantes a identificar informações que precisam ser citadas.
  • Mostre a eles como citar informações corretamente, seguindo as normas estabelecidas pela escola ou instituição.
  • Incentive-os a usar suas próprias palavras ao redigir trabalhos, e não simplesmente copiar e colar informações de fontes externas, incluindo o ChatGPT.
  • Verifique o trabalho dos estudantes antes de entregá-los, e corrija qualquer uso inadequado de citação ou referência.
  • Converse com os estudantes sobre a importância da integridade acadêmica e a consequência do plágio.
  • Lembre-se de que o objetivo é ajudar os estudantes a se tornarem aprendizes independentes e responsáveis, e não simplesmente fornecer-lhes respostas. Ao ensiná-los a citar e referenciar corretamente, eles estarão aprendendo a valorizar o trabalho dos outros e a desenvolver suas próprias habilidades de pesquisa e escrita.

Saiba mais

Se você se interessou pelo assunto, sugerimos outros conteúdos para você se aprofundar e ter insights sobre o ChatGPT e a Inteligência Artificial na educação.

Live: os professores do IFSC Jesué Graciliano da Silva e Mario Noronha realizam um debate sobre o ChatGPT.
Podcast: ouça o episódio do podcast Braincast sobre o ChatGPT.
Reportagem: "ChatGPT revolucionará o ensino em universidades e escolas?" - leia reportagem da Deutsche Welle (DW).

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IFSC VERIFICA INOVAÇÃO

O que você deve saber ao consumir ostras e mariscos?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 dez 2022 10:48 Data de Atualização: 01 mar 2023 13:25

É verão e férias. Durante esse período, o litoral catarinense recebe muitos turistas que buscam curtir uma praia, conhecer a cultura e a gastronomia local. Há uma série de sugestões de locais para visitar e de pratos para apreciar. Talvez você não saiba, mas Santa Catarina é referência nacional no cultivo de ostras e mariscos, o que faz do Estado o maior produtor de moluscos do Brasil. Um título que vem sendo conquistado ano após ano desde 2013.

Segundo dados da Epagri, o Estado é responsável por mais de 95% da produção nacional de ostras e mariscos. No post do IFSC Verifica, nós te explicamos sobre a importância do monitoramento do cultivo de moluscos e da análise constante da água do mar para garantir a segurança alimentar de quem consome esses produtos.

Começando do começo

Moluscos são animais filtradores que se alimentam de microalgas e por isso é preciso ficar atento se há floração de algas que possam liberar toxinas potencialmente nocivas. É quando temos um fenômeno conhecido popularmente como maré vermelha. Nesse caso, a ingestão dos moluscos pode causar intoxicação alimentar, problemas hepáticos ou neurológicos. E como um mero consumidor vai saber disso? É aí que entra a ciência.

 

Santa Catarina é o único estado no país a fazer o monitoramento sistemático e contínuo da qualidade da água e dos moluscos de cultivo. Caso haja uma floração de algas nocivas, são emitidos alertas e a comercialização e o consumo dessas espécies ficam temporariamente proibidos. Um trabalho que foi pensado e estruturado por pesquisadores que compõem o quadro de servidores do Câmpus Itajaí do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

O Laboratório Oficial de Análise de Resíduos e Contaminantes em Recursos Pesqueiros (Laqua), do Câmpus Itajaí, reúne pesquisadores que são referência no estudo de microalgas e ficotoxinas – toxinas liberadas pelas algas –, como o professor Luís Proença, que desde a década de 1980 estuda a floração de algas. Ele conta que em 1998 quando detectou a maré vermelha no litoral de Santa Catarina, procurou algumas instituições para fazer o alerta e que na época não havia um fluxograma como hoje para fechar as áreas de cultivo e proibir o consumo. Uma ação que antes só cabia ao Ministério Público. “Nós observávamos que havia a necessidade de constituição de um laboratório oficial que pudesse monitorar a presença de algas para garantir a segurança alimentar e emitir laudos que fossem reconhecidos enquanto oficiais.”

Nesse período também, o governo federal começou a trabalhar para a criação de laboratórios oficiais de análise de organismos marinhos que funcionassem em instituições públicas e o IFSC se habilitou a ser uma delas. Dessa forma, em 2012, o Ministério da Pesca e da Aquicultura designou quatro instituições públicas para abrigarem laboratórios oficiais, sendo que o IFSC foi designado a receber o laboratório de análises de biotoxinas marinhas, que iria compor a Rede Nacional de Laboratórios do Ministério da Pesca e Aquicultura (Renaqua) e passaria realizar diagnósticos e análises oficiais sobre moluscos bivalves de áreas de cultivo em Santa Catarina.

De 2012 a 2017, o laboratório realizou mais de 10 mil análises de amostras de moluscos bivalves de cultivos de diferentes regiões de Santa Catarina. O laboratório também recebia amostras de organismos vindos de outros estados como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.  Por sete anos, as amostras coletadas eram encaminhadas ao IFSC, onde era feita a análise dos materiais e emitidos os laudos. Em caso da presença de algas nocivas, como a toxina diarreica (DSP), que pode causar uma intoxicação alimentar, ou da toxina amnésica (ASP), que pode levar à morte, um alerta era emitido e cabia a secretaria da agricultura do Estado fechar as áreas de cultivo e proibir a comercialização dos moluscos enquanto houvesse a presença dessas espécies.

Um trabalho que se tornou referência com a implementação do Programa de monitoramento de algas nocivas, ficotoxinas e bactérias em áreas de cultivo pela Cidasc. “Santa Catarina é o único estado do Brasil a fazer o monitoramento sistemático da presença de ficotoxinas em moluscos bivalves, o que fez com que as ostras cultivadas aqui se transformassem em uma referência nacional”, explica o professor do Câmpus Itajaí Mathias Schramm.

Em 2018, as análises de toxinas que eram feitas no IFSC passaram a ser realizadas pelo Laboratório Nacional Agropecuário do Rio Grande do Sul (Lanagro), instalado em São José (SC). Desta forma, os trabalhos do laboratório do IFSC se concentraram nas análises de amostras de água coletadas para fazer os ensaios de contagem de algas, no desenvolvimento de metodologias analíticas e no trabalho de capacitação de equipes técnicas que atuam nesta área.

O que a ciência tem a dizer sobre essas toxinas

O que causa essa proliferação de algas nocivas?

Dentre as microalgas existentes, estima-se que apenas 100 delas produzem toxinas que podem ser nocivas para peixes e seres humanos. As mais conhecidas são as do gênero Dinophysis. O professor Thiago Pereira Alves, do Câmpus Itajaí, explica que esse é um fenômeno natural e que há uma série de condicionantes ambientais que podem afetar a proliferação dessas microalgas como correntes marinhas e fenômenos meteorológicos ou mesmo emissão de efluentes, dragagens e obras de infraestrutura costeira.

Há relação entre maré vermelha e poluição?

O professor Thiago explica que não existe uma relação direta de poluição com maré vermelha. “Muitas pessoas tendem a associar o fenômeno das marés vermelhas como uma consequência da perda de balneabilidade ou contaminação das águas costeiras por esgoto doméstico, mas isso não é verdade. Nossa maior frequência de maré vermelha é no outono e no inverno, onde temos a melhor balneabilidade. A falta de saneamento é um problema crônico, enquanto que a maré vermelha é um processo natural. Há lugares paradisíacos no pacífico que tem uma água muito boa e lá também acontece a maré vermelha do mesmo jeito. A degradação ambiental da zona costeira e a poluição das águas contribuem para a perda de qualidade ambiental que muitas vezes reduz a diversidade da fauna e flora aquática e pode contribuir para que determinadas espécies de microalgas prevaleçam na água. Isso pode favorecer a ocorrência de um fenômeno de maré vermelha, porém esse não representa um fator determinante.”

O professor do Câmpus Itajaí Luís Proença explica que a quantidade de materiais orgânicos presentes na água pode interferir no volume de microalgas, já que elas servem como alimento para essas espécies de moluscos. “Há alguns estudos nos Estados Unidos em que se associou o uso de fertilizantes com ureia em plantações ao aumento de florações de maré vermelha. Nesse sentido, estuda-se que a ureia poderia potencializar esse fenômeno. Mas é bom lembrar que a maré vermelha é um fenômeno natural e que há uma série de registros históricos que mostram casos de intoxicação alimentar causados pela ingestão de ostras e mariscos. No Brasil, há um registro do naturalista Aldo Vieira da Rosa sobre o relato de pessoas que morreram por conta do consumo de marisco em 1904”, explica o professor.

Outro registro histórico que também pode estar associado ao fenômeno da proliferação de algas nocivas é o do marinheiro britânico George Vancouver que, no final do século XVIII, navegava pela América do Norte. Em seus registros, há o relato de que quatro tripulantes ficaram doentes ao comerem mexilhões e um deles morreu horas depois de paralisia no sistema respiratório.

Quais são os efeitos dessas ficotoxinas?

O efeito no corpo humano depende da toxina encontrada. Em caso de toxina diarreica (DSP), o mais comum é intoxicação alimentar. Outras substâncias podem causar dermatites e até inflamações das vias respiratórias (intoxicações por aerossóis - spray marinho). Já no caso da toxina amnésica (ASP) ela pode levar à paralisia do corpo e à morte. “No caso da toxina diarreica, ela inibe uma proteína que nós temos no nosso intestino e que é responsável pelo balanço hídrico. Isso gera os distúrbios gastrointestinais. O que faz dela uma intoxicação alimentar diferente de uma causada por salmonela”, afirma o professor Thiago.

Essas toxinas podem ser neutralizadas com o congelamento ou o cozimento desses alimentos?

As toxinas não são destruídas com o congelamento ou cozimento dos moluscos. A única forma de detectá-las é por ensaios ou análises químicas. Quando é detectada, a defesa sanitária interdita o local e a venda dos produtos fica proibida durante o período em que for detectada a ficotoxina na água e nos moluscos.

A purificação da água do mar onde será feito o cultivo é uma garantia para a segurança da ingestão?

O professor Thiago explica que por mais que a água seja purificada, caso haja a presença de ficotoxinas, não há como garantir a segurança alimentar. “Quando se purifica a água, consegue-se apenas retirar as ficotoxinas do sistema digestório dos moluscos, mas não há a garantia de que não exista a presença dessas microalgas nocivas em outras partes do animal.”

A maré vermelha é vermelha mesmo?

Apesar do nome, nem sempre a maré vermelha é vermelha. No Brasil, é mais comum inclusive que a cor do mar fique de um tom de verde, branco ou marrom, sendo que a coloração vermelha é mais comum no Caribe e no Índico. “As marés vermelhas são um fenômeno natural resultante da rápida proliferação de algas microscópicas unicelulares (microalgas) e que muitas vezes altera algumas características e propriedades da água como cor, cheiro ou a produção de espuma. A grande maioria das marés vermelhas, não tingem a água de vermelho, e são benéficas para a rede trófica aquática uma vez que as microalgas são a base da cadeia alimentar marinha, servindo de alimento para muitos organismos como peixes, crustáceos ostras e mariscos”, afirma o professor Thiago.

A proliferação dessas microalgas acontece apenas no mar?

Não, também há a presença de ficotoxinas em água doce, inclusive há registros em águas de abastecimento.

Qual a melhor forma de prevenir os casos de intoxicação?

Os professores são unânimes em dizer que a melhor forma de prevenir é o monitoramento do cultivo e que é necessário que outros estados também tenham laboratórios que façam essas análises de forma sistemática.

 

Após o fechamento das áreas de cultivo, em quanto tempo eu posso voltar a consumir os moluscos?

No caso de maré vermelha, não há perda de produção, já que os mesmos moluscos podem ser comercializados após as toxinas serem dissipadas. Mas não há um tempo estimado para que isso aconteça.

 

Essas ficotoxinas também podem ser prejudiciais para peixes?

Sim. “O Chile produz em média 40 mil toneladas de salmão por ano e na safra de 2015 e 2016 que foi afetada pela maré vermelha a produção caiu para 5 mil toneladas. O que fez disparar o preço do salmão”, explica o professor Luís Proença.

E agora que você “ouviu” o que a ciência tem a dizer e viu como ela é uma importante aliada para garantir a nossa sobrevivência, que tal desfrutar de um bom prato de ostras? Só fique atento aos alertas!

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ostras moluscos mariscos maricultura maré vermelha

O tempo está passando mais rápido?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 nov 2022 15:04 Data de Atualização: 30 nov 2022 10:31

Mais um ano chegando ao fim. Para você, 2022 voou? Será que o tempo está passando mais rápido ou é apenas uma sensação diante da correria em que vivemos? O assunto ganhou uma pitada polêmica este ano, quando foi anunciado o dia mais curto já registrado desde a metade do século passado. Mas como, o tempo de um dia não é exato? A Terra não leva sempre 24 horas para dar uma volta de rotação? Não é bem assim.

Com o passar dos séculos, a forma de medir o tempo mudou - passou da mera observação da posição do Sol até a tecnologia de alta precisão dos relógios atômicos - são eles os responsáveis pela hora que você está vendo aí no seu relógio. 

Além das questões físicas, existem várias abordagens sobre como nós, seres humanos, percebemos a passagem do tempo. E claro, as vivências de cada um influenciam. Podemos perceber isso com um exemplo bem simples: uma hora numa fila demora a passar, mas basta encontrar alguns amigos e jogar conversa fora para essa percepção mudar rapidinho.

Para abordar este tema, convidamos professores do IFSC para responder, tanto do ponto de vista físico, quanto filosófico e sociológico, algumas perguntas:

- O tempo de rotação da Terra está mudando?
- O que interfere nesse tempo de rotação e consequentemente na duração dos dias?
- Como é definida a hora mundial?
- Como varia a percepção de tempo do ser humano ao longo da história?

Marcelo Schappo, professor de Física do Câmpus São José, vai explicar porque o  fato de 2022 ter tido o dia mais curto não significa que o tempo está passando mais rápido. Pelo contrário! Ao longo dos séculos, a velocidade de rotação da Terra vem diminuindo. Ele e o professor de Geografia Paulo Henrique Amorim, também de São José, detalham os fatores que interferem neste movimento. 

Já o professor de Filosofia do câmpus, Volmir Von Dentz, esclarece que, ainda que exista algo de objetivo no tempo, não se pode negar que há algo de sociológico, cultural, histórico e até psicológico nas funções do tempo. "Nesse sentido, a depender da cultura, do contexto histórico ou das condições dos indivíduos mudam as compreensões sobre o tempo."

Tempo de rotação da Terra

Vamos começar com as explicações físicas. O professor Marcelo Schappo detalha no vídeo abaixo porque não podemos dizer que o tempo de rotação da Terra é tão exato:

 

No vídeo, o professor compara o movimento da Terra ao de uma bailarina. E você pode fazer esse teste em casa. Ao sentar em uma cadeira giratória, perceba como o movimento fica mais rápido ou mais devagar na medida em que você abre ou fecha os braços enquanto gira. Com o nosso planeta, vários fatores influenciam nesse movimento.

O que interfere na velocidade de rotação da Terra?

Paulo Henrique Amorim, professor de Geografia do Câmpus São José, afirma que abalos sísmicos, formação ou derretimento de geleiras, erupções vulcânicas e movimentação de fluidos no interior e até na superfície terrestre e na atmosfera, como correntes marítimas e atmosféricas, interferem na rotação. "Em comum, todos esses fenômenos têm o fato de que, em níveis diferentes, eles acabam provocando certa redistribuição da massa na Terra, ou seja, dos elementos que compõem o nosso planeta."

Para entender como isso ocorre, vamos considerar o caso das geleiras, ou seja, grandes corpos d'água em estado sólido. A maioria delas está localizada em regiões de altas latitudes, pois ali há menor incidência de energia solar e, logo, menores temperaturas. "Porém, com o recente aumento da temperatura média global causado pelas mudanças climáticas provocadas pela humanidade, as geleiras têm sofrido intenso derretimento. Assim, a água que estava em estado sólido na geleira passa ao estado líquido e, assim, pode ser deslocada para outras regiões a partir de correntes marítimas, por exemplo", explica Paulo.


Foto: Carmina Jinga | Dreamstime.com

Outro exemplo recente que ajuda a entender essa influência é o terremoto de Tohoku, que ocorreu em 2011 no Japão e provocou o tsunami que afetou a usina de Fukushima. Segundo Paulo Henrique, além de enormes prejuízos materiais, o sismo provocou grande redistribuição da matéria na Terra: na superfície, o tremor causou o desprendimento de glaciares no Ártico e estudos apontam que houve também deslocamento de massa no interior da Terra em direção ao núcleo.

"Para simplificar, podemos dizer que fenômenos que deixem a massa da Terra mais afastada do seu eixo de rotação, como o aumento da quantidade de água em oceanos na região equatorial, tendem a dificultar a rotação. Por outro lado, fenômenos que concentrem massa de forma próxima ao eixo de rotação terrestre, como a formação de geleiras em regiões polares ou abalos sísmicos de grande magnitude, acabam diminuindo o momento de inércia da Terra, o que leva o movimento de rotação a atingir maior velocidade."

A medição do tempo ao longo dos séculos

Imagine muitos horários diferentes em um único país - e não estamos falando de fuso ou horário de verão. Até a metade do século XIX, cada localidade definia o horário à sua própria maneira, sem uma referência comum, segundo o professor Marcelo Schappo.

Ele explica que à medida que a sociedade avançou, foi necessário estabelecer um modo compartilhado para marcação das horas, para que o sistema financeiro pudesse determinar o momento exato de transações, e os trens, as indústrias e as telecomunicações, por exemplo, pudessem operar com base em horários sincronizados em diferentes cidades.

"Um avanço importante nesse sentido ocorreu em 1884, quando diferentes países acordaram utilizar o GMT (Tempo Médio de Greenwich ou Greenwich Mean Time em inglês, também conhecido por Hora de Greenwich) como referência, um horário definido por meio de observações astronômicas realizadas em Londres. A partir dele, diferentes países e regiões podiam simplesmente adicionar ou remover horas ou frações de horas para determinar a hora local."

Mas foi em 1963 que o horário acordado mundialmente mudou, deixando de ser determinado astronomicamente, para ser medido por relógios de alta precisão, os relógios atômicos. Passamos a utilizar o UTC - Tempo Universal Coordenado.

Como medimos o tempo hoje?

"O segredo está no mundo dos átomos", afirma Schappo. Ele explica que o “segundo” é a unidade padrão para as medidas de tempo, e, atualmente, ele é definido como o intervalo de tempo necessário para que ocorram 9 bilhões, 192 milhões 631 mil 770 oscilações completas de uma onda eletromagnética específica emitida por um átomo de césio. 

Esta medição do tempo a partir das oscilações de uma onda eletromagnética é a base de funcionamento dos relógios atômicos, que entraram em operação na década de 1960. 

Neste vídeo, a agência governamental de tecnologia do Departamento de Comércio dos Estados Unidos - National Institute of Standards and Technology (NIST) - explica como funciona um deste relógios atômicos.

Atualmente são centenas deles espalhados pelo planeta. No mapa, estão algumas destas cidades, entre elas o Rio de Janeiro.

"O Bureau Internacional de Pesos e Medidas é responsável por colher as medidas de tempo de todos os relógios credenciados para fazer um cálculo que leva em consideração tanto a precisão de cada um como alguns efeitos relativísticos para determinar o que se chama de Tempo Atômico Internacional".

Mas como foi explicado no vídeo pelo professor Marcelo, o dia solar tem uma duração que sofre pequenas variações dia após dia, diferentemente do dia civil, que, por ser governado pelo horário UTC, tem sempre 24 horas exatas. 

"Isso acaba gerando uma discrepância que vai se acumulando ao longo do tempo e que, portanto, precisa ser corrigida. É um problema bem parecido com o que ocorre com o nosso calendário e que resulta nos anos bissextos. No caso das horas, a IERS (Serviço Nacional de Sistemas de Referência e Rotação da Terra) é responsável por manter o acompanhamento constante da duração dos dias solares e sempre comparar como anda a discrepância entre o ciclo do Sol e a hora UTC. Dessa forma, sempre que necessário, ela determina a aplicação dos chamados 'segundos intercalares' sobre o horário mundial. Quando isso ocorre, temos dias específicos que acabam durando ou 1 segundo a mais ou 1 segundo a menos que as 24 horas habituais." O último segundo intercalar aplicado foi no dia 31 de dezembro de 2016.

"No entanto, se a Terra permanecer muito tempo com a tendência recente, de dias solares mais curtos, talvez, pela primeira vez na história, seja necessário escolher um dia para que seja retirado 1 segundo das 24 horas oficiais. Vamos aguardar, pois só o tempo dirá", brinca Marcelo.

O tempo da Filosofia

Como vimos nas explicações físicas, precisamos de referência para percebermos o tempo, sejam as horas estabelecidas pelos relógios atômicos ou a observação do passar dos dias, meses e anos. Mas “o tempo em si” não é algo observável, como destaca o professor de Filosofia Volmir Von Dentz: 

Volmir afirma que podemos, portanto, falar em um tempo cosmológico, um tempo da natureza, que é o tempo das estações do ano, dos ciclos das plantas, das fases da lua, do ciclo das marés, etc. Mas também podemos falar de um tempo sociológico, que é o tempo do calendário, das festividades anuais, da organização da vida em sociedade, o tempo do relógio, cronometrando nossas atividades cotidianas. Ou então podemos falar das experiências subjetivas nas quais o tempo tem uma dimensão mais psicológica.

E sob o ponto de vista filosófico? Volmir explica que a filosofia busca uma visão de conjunto, pois almeja abarcar os fatos em sua totalidade e os fenômenos em sua complexidade. "E é possível colecionar inúmeras abordagens, se levarmos em conta as diferentes culturas, ou mesmo a história dos diferentes grupos humanos, das etnias e civilizações", afirma.

Ele exemplifica alguns períodos da história da humanidade:

- Na Grécia Antiga, o tempo na mitologia era representado pelo deus Chronos, que devorava seus filhos, simbolizando a força implacável do tempo que tudo consome, é o tempo corrido, cronológico. Havia também o deus Kairós, para simbolizar o tempo das oportunidades, que suaviza a crueldade da pressão e premência do tempo cronológico. 

- Na Filosofia Pré-Socrática, Parmênides argumentou que no fundo nada muda, na essência tudo permanece o mesmo, prevalece o ser, aquilo que é, e o ser é eterno. Por outro lado, Heráclito argumentou que tudo está no "vir-a-ser", todas as coisas são consumidas pelo tempo, tudo muda o tempo todo. Platão, por sua vez, pensou que haveriam “dois mundos” -  um das idealidades, das coisas eternas, que não mudam nunca, pois já são perfeitas ou perfeitamente boas, e outro das coisas imperfeitas, subordinadas ao tempo, à mudança, ao devir. 

- Na Idade Média, conforme a visão cristã, é Deus que controla o tempo. E Deus é eterno, atemporal. É ele o criador do universo e, portanto, do tempo, do dia e da noite, e de tudo o que existe. O pensador medieval, Santo Agostinho (354-430 d.C.) explicou que nós enquanto seres humanos não temos a possibilidade de compreender algo eterno, pois estamos imersos na temporalidade. 

- No período mais recente dessa longa história do pensamento filosófico, a Filosofia vem experimentando uma guinada culturalista de grandes proporções que nos faz pensar a partir de outras referências. Por exemplo, em sociedades tradicionais a necessidade de se orientar no tempo está mais ligada às atividades laborais voltadas para a subsistência que são coordenadas tendo por base os ciclos da natureza, tempo de plantar, tempo de colher, etc. Ao passo que nas sociedades industriais vigora o tempo do relógio, uma invenção humana, um tempo artificial, que regula de maneira rígida a cronologia diária, o ritmo de trabalho, entre outras inúmeras atividades. Enfim, o tempo pode ser comprado e vendido, há um controle do tempo, o tempo pode ser acelerado. 

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IFSC VERIFICA NEWS
verifica tempo mais rápido fisica astronomia filosofia rotação terra

Reciclagem e reutilização: é possível transformar o lixo em lucro?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 24 out 2022 22:40 Data de Atualização: 27 out 2022 14:00

O Brasil produz cerca de 66,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos domiciliares e urbanos ao ano, uma média de pouco mais de um quilo por habitante a cada dia. Estão inclusos no cálculo materiais recicláveis secos como papéis, plásticos, metais, entre outros; resíduos úmidos, como restos de alimentos e podas de árvores; e os rejeitos, materiais que não podem ser reciclados ou reutilizados.

O post de hoje do IFSC Verifica vai mostrar quais as barreiras para ter um maior percentual de material reciclado no Brasil e como o uso da tecnologia pode ajudar a transformar os resíduos sólidos em matéria-prima para novos produtos, ajudando a preservar o meio ambiente, reduzindo a emissão de gases do efeito estufa e gerando emprego e renda.

Conversamos com a professora Elivete Carmen Clemente Prim, engenheira sanitarista e doutora em Engenharia Ambiental, professora do curso técnico subsequente em Saneamento do Câmpus Florianópolis, e o coordenador do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, professor engenheiro ambiental Juliano da Cunha Gomes, para explicar o que é reciclagem e reaproveitamento, por que os índices de reciclagem no Brasil são tão baixos e o que podemos fazer para melhorá-los.

Também conversamos com a professora de Administração do Câmpus Garopaba e mestre em Administração Rafaela Escobar Bürger para falar sobre iniciativas empreendedoras envolvendo a reciclagem e mostramos ainda alguns exemplos desenvolvidos no curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, que usam a tecnologia para transformar realidades e promover a educação ambiental.

Vamos abordar as seguintes questões:

  • - Qual a diferença entre reutilização e reciclagem?
  • - Que tipo de produto pode ser reciclado?
  • - Qual a destinação correta para a matéria orgânica?
  • - O que é logística reversa?
  • - Por que os percentuais de reciclagem no Brasil são tão baixos?
  • - Investir em reciclagem pode ser um bom negócio?
  • - É possível aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico?
  • - Como a reciclagem pode garantir empregos?
  • - Como o cidadão pode contribuir para diminuir o problema dos resíduos?

Qual a diferença entre reutilização e reciclagem?

O coordenador do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, Juliano da Cunha Gomes, explica que reutilização é a continuação do uso de um produto, seja na mesma função ou não. Já a reciclagem é a transformação física e/ou química de um material descartado, com o intuito de se obter uma matéria-prima ou um novo produto.

Que tipo de produto pode ser reciclado?

Os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) podem ser divididos em recicláveis secos como papéis, plásticos, metais, vidro, entre outros; e resíduos úmidos, como restos de alimentos e podas de árvores. Há ainda os rejeitos, materiais que não podem ser reciclados ou reutilizados, e resíduos tóxicos, que devem ser descartados de forma apropriada de acordo com a legislação específica.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o Brasil recicla 1,07 milhão de toneladas ao ano de resíduos secos e 0,27 milhão de toneladas de resíduos úmidos, que são transformados em adubo orgânico por meio do processo da compostagem.

Segundo a professora Elivete Prim, do Câmpus Florianópolis, alumínio é o material mais reciclável no Brasil e em nível mundial devido à melhor reciclabilidade: não tem resíduos e o material reciclado é mais próximo da matéria-prima original. Atualmente, mais de 97% das latas de alumínio são recicladas no Brasil. Em segundo lugar está o papel (66,9%), aço (47,1%), caixas de leite longa vida (38%), vidro (25,8%) e plástico (23,1%), segundo o Cempre – Compromisso Empresarial para Reciclagem.

Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) coletados no Brasil em 2021

Qual a destinação correta para a matéria orgânica?

De todo o RSU produzido no Brasil, 51% é de matéria orgânica, porém, somente 3% desse total é reciclado por meio da compostagem. “Imagina esse resíduo todo sendo transformado em adubo orgânico e não indo para o aterro sanitário. Assim, um aterro sanitário que teria 25 anos de vida útil, se 50% dos resíduos que vão para o aterro fossem retirados para um pátio de compostagem, esse aterro sanitário iria durar 50 anos”, explica a professora Elivete sobre a importância de reciclar também o material orgânico.

A decomposição de matéria orgânica resulta na emissão de gás metano. Os aterros sanitários queimam o metano e transformam em gás carbônico, que é 21 vezes menos poluente. Porém, já há aterros de médio e grande porte que utilizam esse metano para produção de energia elétrica. Já o adubo orgânico resultante da compostagem pode ser usado na produção de alimentos e recuperação de áreas degradadas.

O que é logística reversa?

A logística reversa é o processo de retorno de um resíduo para o fabricante para que ele incorpore esse resíduo no ciclo de vida para o seu produto. No Brasil, existem alguns resíduos que são obrigatórios de se fazer logística reversa, como por exemplo pilhas e baterias, pneus, embalagens de agrotóxicos, lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.

Essa logística reversa pode ser realizada pela própria empresa ou em parceria com o setor público. “O consumidor precisa entender que, ele tendo um resíduo com logística reversa, ele não pode descartar no lixo comum. Ele precisa separar esse material e entregar onde foi comprado ou em local adequado”, destaca o professor Juliano Gomes.

Por que os percentuais de reciclagem no Brasil são tão baixos?

Atualmente, apenas cerca de 3% dos Resíduos Sólidos Urbanos são reciclados no Brasil, um número bem abaixo dos campeões mundiais da reciclagem: Alemanha (60%), Coreia do Sul (59%), Áustria e Eslovênia (58%). Em se tratando somente de resíduos secos, o percentual é de 5,3%.

Segundo a professora Elivete, trata-se de uma questão política, social e ambiental. “Para se ter uma ideia, apenas 22 milhões de habitantes do Brasil são atendidos pela coleta seletiva. Então, temos um retorno da gestão de resíduos muito baixo porque reciclar, é preciso coletar”, afirma a professora.

Elivete explica que a Lei 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos é a principal regulamentação do setor, que tramitou no Congresso Nacional por 20 anos e trata de diversos tipos de resíduos, menos o radioativo, que tem uma legislação específica. “Acho que a lei está bem escrita, o problema é colocar em prática”, destaca. Por exemplo, a lei determina que os municípios criem seus Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos e dá a possibilidade de municípios menores se organizarem em sistema de consórcio intermunicipal para destinação de resíduos e construção de aterros sanitários.

Porém, não são todos os municípios que seguem a orientação. Florianópolis pode ser considerada um bom exemplo: quase 100% da população é atendida com coleta seletiva e ainda há a Lei da Compostagem, publicada em 2019, que regulamenta o recolhimento dos resíduos orgânicos no município. Do mesmo modo, Santa Catarina está na frente, pois foi o primeiro estado a eliminar os lixões antes de 2014, como determinou a legislação publicada em 2010, graças a uma iniciativa do Ministério Público que fiscalizou e orientou os municípios para que pudessem transformar seus lixões em aterros controlados.

Investir em reciclagem pode ser um bom negócio?

Existem várias maneiras de se realizar a reciclagem e reutilização de materiais das mais diversas origens. Veja o vídeo em que o professor do CST em Gestão Ambiental Juliano da Cunha Gomes e a professora de Empreendedorismo do Câmpus Garopaba Rafaela Escobar Bürger explicam como é possível desenvolver um negócio tendo os resíduos sólidos como matéria-prima, gerando empregos e o desenvolvimento social:

 

 

É possível aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico?

Segundo o professor Juliano Gomes é possível a sociedade se desenvolver economicamente, socialmente e promovendo a preservação ambiental. “Esse é o conceito de desenvolvimento sustentável, onde a economia cresce com respeito ao meio ambiente, aos processos. Então, o exemplo dos resíduos, da separação adequada, da reciclagem, já é uma ação para que se cresça com sustentabilidade”, completa.

No próprio Câmpus Garopaba, são desenvolvidos projetos que visam aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico. É o caso dos projetos Bitucas de Cigarro e Artesanato Sustentável e Repropositar – coleta de lixo eletrônico, que fazem parte do Hotel Tecnológico do Câmpus Garopaba.

A aluna do CST em Gestão Ambiental, Fernanda Martins, já trabalhava com a economia solidária quando conheceu uma empresa de São Paulo que transforma bitucas de cigarro em uma massa celulósica que pode ser moldada e transformada em novos objetos. A ideia é transformar os resíduos em souvenires com temas ligados ao turismo local, além de promover a coleta de bitucas nas praias e na cidade. O projeto está em fase de testes, inclusive com o desenvolvimento de uma cola orgânica, à base de tapioca, que será utilizada na confecção das peças. Segundo Fernanda, o projeto visa promover uma fonte de renda para mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Já o projeto Repropositar está coletando resíduos eletrônicos em Garopaba e região. Os estudantes que participam do projeto também promovem palestras de conscientização e educação ambiental em escolas. Saiba mais sobre o projeto no Instagram da Repropositar.

Outros dois projetos estão relacionados à reciclagem de resíduos orgânicos (úmidos), em duas propostas diferentes. O reator biológico giratório foi desenvolvido a partir de um projeto de pesquisa e tem como objetivo diminuir o tempo para compostagem de resíduos orgânicos, bem como o espaço destinado à compostagem.

Já a Associação Amorosa foi criada por um grupo de amigos, alguns deles estudantes do IFSC, que realizam a coleta de resíduos e distribuição de adubo – substrato resultante da compostagem, na Praia do Rosa e outras localidades de Garopaba.

Saiba mais sobre esses projetos no vídeo:

Como a reciclagem pode garantir empregos?

Além de alguns exemplos já citados, em que a reciclagem pode ser oportunidade de negócios e empregar pessoas nas mais diferentes atividades, do artesanato à compostagem, ela também é geradora de renda para quem trabalha com a coleta.

A Lei 12.305/2010 regulamentou a profissão de catador de materiais recicláveis, indicando as condições mínimas de trabalho a serem oferecidas a esses profissionais. A professora Elivete também cita Florianópolis como exemplo nessa área: a maioria dos catadores já não está mais nas ruas, mas trabalham nos galpões de separação da prefeitura. O material enfardado é vendido a atravessadores que fazem o transporte para a indústria.

 Porém, de acordo com a professora Elivete, essa não é a realidade da maioria dos municípios: “Falta incentivo e entendimento dos nossos governantes de que a gente precisa mudar essa estrutura. A lei tem entre suas metas acabar com os lixões. Logo após, é implantar a compostagem nos municípios. Florianópolis está avançando muito nisso, tanto compostagem quanto nas hortas urbanas”.

Segundo a Lei 12.305/2010, após a coleta, os resíduos têm dois caminhos: a destinação final e a disposição final. A destinação seria encaminhar para uma estação de triagem e reciclagem, inclusive o orgânico. A disposição acontece quando não é possível reciclar: é gerado o rejeito, que vai para o aterro sanitário ou o aterro controlado, que são as duas técnicas aceitas no Brasil. Essa seria a destinação correta, porém, ainda não é uma realidade em todos os locais: existem ainda mais de 3 mil lixões em nosso país.

Como o cidadão pode contribuir para diminuir o problema dos resíduos?

O professor Juliano Gomes explica que a população pode contribuir para a melhora dos índices de material reciclável separando os materiais basicamente em três tipos: matéria orgânica, que é o reciclável úmido; o reciclável seco, que são papeis, plásticos, metais, e aquilo que é rejeito, que não tem como reciclar, e que deve ser depositado em aterros sanitários.

A professora Elivete orienta a população a encaminhar o resíduo separado e o mais limpo possível, para facilitar o trabalho dos catadores e separadores e evitar o aparecimento de vetores, como ratos e baratas, nas instalações de triagem.

Além de uma estrutura de coleta e destinação de resíduos, é preciso que os municípios invistam em educação ambiental, para que os cidadãos auxiliem na separação e coleta adequadas dos materiais.

A educação ambiental pode ser realizada de duas maneiras: a formal, em sala de aula, e a não formal nas empresas. Segundo o professor Juliano, os profissionais formados no IFSC em cursos que atuam com a temática, como o CST em Gestão Ambiental, podem estar aptos a elaborar planos de gestão e de educação ambiental.

-> Para saber mais sobre como cada tipo de material é reciclado, acesse a página do Cempre – Compromisso Empresarial para Reciclagem.

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Como a impressão 3D facilita a nossa vida?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 set 2022 16:22 Data de Atualização: 27 set 2022 16:59

A impressão 3D tem ficado cada vez mais popular e acessível. Dá para acreditar que, há pouco mais de 30 anos, adquirir um equipamento para imprimir uma peça em 3D custava mais de R$ 100 mil, chegando até a R$ 1 milhão? Hoje, com a popularização dessa tecnologia, com pouco mais de R$ 1 mil é possível comprar uma impressora pronta para ter em casa ou na sala de aula. E, tem mais facilidades: para uso na área da educação, por exemplo, é possível acessar projetos disponíveis/abertos na internet e construir do zero a própria impressora 3D.

Para saber um pouco mais sobre como a impressão 3D impacta e facilita nossas vidas e também para sabermos um pouco mais sobre os projetos do IFSC sobre o tema, conversamos com o professor Otávio Gobbo, do curso de Engenharia de Controle e Automação e com o estudante do curso técnico integrado em Informática Alan Bonetti, ambos do Câmpus Chapecó; com Jonathan Maia, estudante de Engenharia Mecânica do Câmpus Joinville; e os professores Stefano Zeplin e Juliana da Silva, do Câmpus Joinville.

A origem da impressão 3D

Mas, afinal, como surgiu essa tecnologia? E por que custava tão caro? Em termos gerais, a “impressão 3D” é como ficou mais conhecida a “manufatura aditiva”, que ao pé da letra podemos explicar como um sistema com técnica de produção artesanal e divisão do trabalho. “Ou seja, a manufatura aditiva ou impressão 3D é a fabricação de uma peça por adição de material”, explica o professor Otávio Gobbo, da graduação em Engenharia de Controle e Automação do Câmpus Chapecó do IFSC.

“Existem várias tecnologias de impressão, sendo que a mais popular é quando um filamento plástico é derretido e depositado na mesa da impressora, camada por camada, até formar a geometria final da peça”, continua o professor.

Assim como uma impressora comum - a chamada 2D – que imprime um desenho ou uma escrita em um papel, a impressora 3D faz o mesmo trabalho, mas é mais “evoluída”: transforma modelos em três dimensões, que estão desenhados em um programa de computador, em objetos palpáveis.

Como começou essa história? 

Segundo os registros encontrados sobre a história da impressão 3D, tudo começou lá por 1980, quando o japonês Hideo Kodama começou a trabalhar com a formação de objetos por camadas, utilizando a solidificação de resina através da luz ultravioleta. Essa técnica foi chamada de estereolitografia e foi considerada a “mãe” da impressão 3D. Logo depois, em 1984, o norte-americano Chuck Hull criou a primeira impressora 3D e tornou-se conhecido como o “pai” dessa tecnologia.

Outros nomes surgiram nessa história com o passar dos anos, mas Chuck continuou conhecido por patentear sua invenção e fundar a Corporação “3D Systems”. A empresa é uma das líderes de mercado até hoje, comercializando impressoras 3D para uma série de setores, entre eles para a produção de jóias e indústrias aeroespacial e automotiva.

No vídeo abaixo, Gobbo fala um pouco das vantagens da impressão 3D:

“Existem duas principais vantagens da impressão 3D: uma delas é que se fôssemos fabricar uma peça plástica por processo tradicional, seria necessária a construção de um molde, com um custo muito alto e se tornaria inviável para pequenas quantidades de peças. Uma segunda vantagem é que a impressão 3D nos permite fabricar uma peça personalizada, desde que nós tenhamos o desenho ou possamos construir o desenho”, explica o professor Otávio Gobbo.

Mesmo as impressoras mais em conta já conseguem imprimir produtos voltados para aplicações diversas nas áreas de educação, saúde, arquitetura, peças de reposição, protótipos, peças finais a serem comercializadas, e por aí vai.

Estudante de Engenharia Mecânica no Câmpus Joinville, Jonathan Maia participa de dois projetos voltados a impressão 3D no IFSC e já trabalha em uma empresa da área. Entre os benefícios dessa tecnologia estão uma maior facilidade em imprimir objetos com modelagens/geometrias complexas. “Também conseguimos customizar muito mais os projetos e alterar durante a execução, e tudo isso no mesmo espaço, não preciso terceirizar os serviços para atingir resultados”, relata.

Além disso, conta Jonathan, alguns materiais plásticos para impressão, como o PLA que tem sido utilizado em sua maioria nos projetos que participa, são biodegradáveis. “E, claro, as impressoras baixaram muito o custo, o que facilitou com que nós alunos tenhamos mais contato com essa tecnologia de ponta”, afirma.  

Os 50 anos da chegada do homem à Lua

Como fora da sala de aula a impressão 3D popularizou, é natural que, dentro do IFSC, essa tecnologia também esteja se tornando cada vez mais conhecida e utilizada por professores e estudantes. Pelo menos 15 projetos relacionados a impressão 3D  estão em desenvolvimento e registrados no Sigaa nos câmpus Araranguá, Caçador, Chapecó, Florianópolis, Gaspar, Jaraguá do Sul, Joinville e Itajaí.

Em Joinville, por exemplo, o estudante Jonathan Maia participa de dois projetos. Um deles aproxima os estudantes do integrado em Eletroeletrônica e de escolas públicas da química, por meio da impressão de protótipos em 3D de compostos orgânicos básicos para o estudo da Química Quântica.

O outro projeto trata-se de um “Sistema interativo da conquista espacial com ajuda da manufatura aditiva”, no qual alunos de escolas públicas e dos cursos técnicos integrados em eletroeletrônica e mecânica terão contato com um conjunto eletrônico, que terá um audiodescritivo, com informações sobre os 50 anos da chegada do homem à Lua. 

Ainda haverá controles para o usuário simular o acionamento dos foguetes do módulo. “Esperamos que com isso possa tornar a lembrança desse importante evento para a humanidade mais atrativo e despertar o interesse dos usuários sobre como o sistema foi montado e o interesse na área técnica”, conta Jonathan.

 

Projetos para as pessoas com deficiência

Os professores Stefano Zeplin e Juliana da Silva, do Câmpus Joinville, também apostaram nessa tecnologia para imprimir jogos tradicionais de tabuleiro, como trilha, jogo da velha, damas e xadrez, e realizar oficinas de sensibilização com os estudantes do câmpus. “O objetivo foi sensibilizar os alunos do câmpus sobre as dificuldades diárias enfrentadas pelos deficientes visuais”, conta o professor Stefano.

O projeto, intitulado “Desenvolvimento de materiais adaptados no contexto da singularidade cognitiva e sensorial do deficiente visual utilizando manufatura aditiva e sistemas embarcados”, teve a participação dos docentes e de estudantes - como a bolsista Milene Ferreira da Silva - e foi voltado ao contexto do paradesporto, aplicado na ementa da disciplina de Educação Física, para estudantes dos técnicos integrados de Mecânica e Eletroeletrônica.

Em Chapecó, o estudante Alan Bonetti participou de um projeto parecido, de “tabuleiros em braile”, voltado especificamente para deficientes visuais. “Transformamos palavras em braile para arquivos em 3D e a impressora ajudou a imprimir cada palavra que precisávamos. Foi perfeito para imprimir as identificações que precisávamos para o jogo e também para imprimir as bordas onde os jogos foram colados”, relata Alan.

Também no Câmpus Chapecó, o projeto “Desenvolvimento de produtos de tecnologia assistiva de baixo custo” focou nas pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. “Essas pessoas enfrentam várias dificuldades no dia a dia devido às suas limitações físicas, que prejudicam sua independência. Então, o projeto desenvolveu produtos de tecnologia assistiva de baixo custo, por meio da impressão 3D”, conta o professor Otávio Gobbo Junior. Também participaram os estudantes Eduardo Balbinot, Rafael Augusto Schwengber, Yahsmin Maria Golin e Arthur Schmitd Sanches.

Ao todo, foram fabricados 10 diferentes produtos e impressos 118 unidades, que foram doados para a FCD Chapecó e disponibilizados para o setor de educação especial do IFSC. Entre eles um adaptador de chave, uma presilha para muletas, suporte para copos, régua de assinatura para PCD visual, pinça para auxílio da escrita, suporte para tesoura, suporte para celular com lupa, suporte para caneta capacitiva de celular, teclado colmeia, mouse adaptado com botões externos, entre outros.

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Devemos nos preocupar com a monkeypox?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 ago 2022 09:20 Data de Atualização: 31 ago 2022 08:34

Em 23 de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o atual surto de varíola dos macacos (monkeypox) constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional. Desde maio, foram notificados mais de 44 mil casos em pelo menos 97 países. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em junho e, atualmente, o País já é o terceiro em número de casos com mais de 4 mil ocorrências confirmadas e 5 mil suspeitas. Dois anos após o mundo enfrentar a pandemia de Covid-19 - que ainda não acabou -, será que teremos outra?

No post deste mês do IFSC Verifica, conversamos com a professora do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis do IFSC Ângela Kirchner e com a epidemiologista e professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC Alexandra Boing para abordar as seguintes questões:

  • - O que é a monkeypox?
  • - Quais os principais sintomas da doença?
  • - Quais os cuidados para evitar a contaminação?
  • - O que fazer em caso de suspeita?
  • - Qual o cenário da doença em Santa Catarina e no Brasil?
  • - Há chance de a monkeypox virar uma pandemia?
  • - Como deve ser a vacinação para a doença?

Varíola dos macacos ou monkeypox?

A monkeypox é uma doença causada pelo orthopoxvírus, da mesma família do vírus que causava a varíola comum, extinta na década de 80. É uma doença que pode infectar tanto seres humanos quanto animais e foi por isso que acabou sendo conhecida como varíola dos macacos - uma vez que a descoberta inicial do vírus foi em macacos em um laboratório dinamarquês em 1958. 

Embora “monkey” signifique macaco em inglês, a professora do IFSC Ângela Kirchner recomenda usar a terminologia científica “monkeypox” ao invés de varíola dos macacos. “É uma tentativa de que a gente minimize os riscos dos pobres animais que acabam sendo vítimas dos seres humanos, que não têm o entendimento de que eles também são meros hospedeiros transitórios, como nós, e que não são os originários”, explica. Inclusive, segundo a OMS, atualmente a maioria dos animais suscetíveis a este tipo de varíola são roedores, como ratos e cães-da-pradaria, e não macacos.

Como a monkeypox é transmitida?

A doença pode ser transmitida por contato direto com uma pessoa contaminada ( por gotículas respiratórias, lesões e fluidos corporais) e indireto, por meio de objetos como roupas, toalhas, roupas de cama, pratos, copos e talheres. Uma pessoa pode transmitir a doença desde o momento em que os sintomas começam até as feridas na pele cicatrizarem completamente. “Diferente da varicela (catapora), que quando já está em crosta a pessoa não precisa mais fazer isolamento, a monkeypox tem que manter o isolamento até acabarem todas as crostas”, alerta a professora do IFSC. Segundo Ângela, em média, esse isolamento dura 21 dias, mas o período dependerá da cicatrização das erupções cutâneas, já que, enquanto elas não sanarem, ainda há risco de transmissão do vírus.

Os principais sintomas da doença são febre, dores no corpo, dor de cabeça, inchaço dos linfonodos (ínguas) e erupções cutâneas (feridas). Ângela alerta que o quadro inicial pode parecer uma gripe e, por isso, é importante que, se houver sintomas, a pessoa já utilize máscara facial - para evitar a transmissão para outras pessoas - e procure um atendimento médico para confirmar ou descartar o diagnóstico da doença. 

-> Tire suas dúvidas sobre a doença neste material desenvolvido pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina

No vídeo abaixo, a professora do IFSC explica as formas de transmissão da doença e os cuidados que devemos ter para evitar a contaminação:


A confirmação da doença é feita por meio de um teste de PCR - que não é o mesmo feito para Covid-19 - após uma avaliação clínica. “Podem ser pedidos os exames de sangue para diagnóstico diferencial, mas o diagnóstico de confirmação é através do PCR”, reforça Ângela. 

A maioria dos casos é leve e o tratamento é feito com o isolamento em casa e analgésicos para a dor gerada pelas lesões. “A maior parte das pessoas que necessitam de atendimento hospitalar internam para tratar a dor, que é muito intensa, ou ainda pode haver casos em que a pessoa evolua para uma complicação respiratória grave”, explica Ângela. Em 26 de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a dispensa de registro para que o Ministério da Saúde importe e utilize no Brasil o medicamento Tecovirimat, para tratamento da doença monkeypox.

Segundo a professora do IFSC, por ser uma doença nova ainda, não há estudos suficientes sobre sequelas da monkeypox.  “Até o presente,  o que se tem relatado como sequelas são as cicatrizes das lesões, que podem levar à cegueira em caso de lesões nos olhos e a encefalite”, informa.

Ângela explica que, mesmo sendo um vírus que infecta humanos desde 1970, devido a sua característica endêmica, não foram desenvolvidas pesquisas significativas sobre seu comportamento. “Quando dizemos que é uma doença nova, é no sentido de ainda não haver estudos suficientes para apontar respostas consistentes sobre o comportamento e evolução da doença em uma perspectiva de global”, complementa.

Existem grupos de risco quando se trata de monkeypox?

A professora de Enfermagem do IFSC destaca que não existe um grupo que tenha mais chances de contrair a doença, mas que, em algumas pessoas, há mais chance de haver complicações:


A professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC Alexandra Boing reforça que agora os casos estão se espalhando para toda a população. “A gente já tem casos em mulheres, grávidas, crianças, adolescentes”, destaca. A epidemiologista esclarece que, quando se fala em grupo de risco, trata-se também das pessoas que podem ter maiores complicações se forem contaminadas. “Quem tem maiores complicações são principalmente as pessoas com imunossupressão e as crianças, então é importante a gente estar atento para esses grupos”, alerta.

Teremos uma nova pandemia?

Embora a OMS já considere o atual surto de monkeypox como uma emergência de saúde pública, a epidemiologista e professora da UFSC destaca que não é motivo para pânico, mas é preciso ficarmos em alerta - uma vez que os números de casos já são expressivos e estão crescendo de forma exponencial. “Mesmo que a monkeypox não assuma maiores proporções, porque ela é diferente da Covid-19 tanto em relação à gravidade como à mortalidade, a gente vai precisar continuar acompanhando, avaliando o impacto e pode sim se tornar um evento pandêmico, mas de proporções diferentes do que a gente vivenciou e está vivenciando com a pandemia da Covid-19”, explica Alexandra.

A professora do IFSC também não descarta a possibilidade da monkeypox virar uma pandemia. No vídeo abaixo, Ângela destaca os cuidados essenciais para evitar que isso aconteça:


O que o Brasil precisa fazer para enfrentar a Monkeypox?

Para a professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC, o Brasil não pode cometer os mesmos erros que fez no enfrentamento da Covid-19. Alexandra é uma das autoras de um artigo publicado neste mês por um grupo de pesquisadores de instituições de pesquisas brasileiras e da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) que sugere ações para o enfrentamento à monkeypox. No artigo intitulado “Monkeypox: o que estamos esperando para agir?”, os pesquisadores criticam a  negligência  e lentidão do Brasil para a resposta ao enfrentamento da doença.

Os cientistas chamam a atenção para a falta de estrutura laboratorial para diagnóstico rápido da monkeypox, a desestruturação dos serviços de vigilância, as limitações de se  estabelecer  um sistema de informação em saúde transparente, ágil e apto para registrar e disseminar dados em tempo real, além das limitadas ações de capacitação aos trabalhadores de saúde e insuficientes iniciativas de comunicação adequadas para a população e de combate ao estigma. 

No vídeo abaixo, Alexandra comenta o que o País deveria fazer para enfrentar a doença:


O artigo foi publicado em 1º de agosto. Na semana passada, em 22 de agosto, o Ministério da Saúde lançou uma Campanha Nacional de Prevenção à Varíola dos Macacos. No entanto, para a professora da UFSC, o Brasil ainda precisa avançar mais nas estratégias e ações para lidar com a doença. Na sua avaliação, a campanha de comunicação do Governo precisa ser mais robusta e efetiva e o plano de contingência recentemente publicado possui muitas deficiências. Apesar de ter havido investimentos e ampliação da capacidade dos laboratórios diagnósticos no País, a epidemiologista considera ainda insuficientes. “A gente precisa avançar de forma importante, com base em experiências internacionais. Sabemos o que precisa ser feito, temos informação e evidência científica disponível, então é necessário implementar”, destaca.

Cenário da monkeypox em Santa Catarina

De acordo com o relatório divulgado pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina (Dive) em 30 de agosto, o Estado já contabiliza 94 casos confirmados de monkeypox, sendo que os municípios com maior ocorrência até o momento são Florianópolis (34), Joinville (11), Balneário Camboriú (9) e Blumenau (9). Além disso, 291 casos suspeitos estão em investigação. Os dados estão sendo atualizados semanalmente neste site da Dive.

A professora da UFSC observa que este é um número significativo. “É importante sim estarmos em alerta, assim como o país inteiro”, afirma a epidemiologista. Pelo boletim divulgado pelo Ministério da Saúde em 30 de agosto (nº 43 SE 35), Santa Catarina é o sétimo estado brasileiro com maior número de incidência de monkeypox. A atualização dos casos pode ser acompanhada aqui.

Segundo a Dive, todos os serviços de saúde do Estado estão cientes para que haja reforço na identificação precoce dos casos e na orientação da importância do isolamento da pessoa infectada para evitar a transmissão para outras pessoas, em especial aquelas dos grupos mais vulneráveis como crianças, gestantes e imunodeprimidos. Os casos identificados e confirmados são acompanhados pela Vigilância Epidemiológica Estadual. 

-> Veja as notas técnicas publicadas pela Dive alertando as unidades de saúde sobre a monkeypox e com orientações sobre o encaminhamento de casos suspeitos 

Vacinação contra a monkeypox

Uma das estratégias para conter o aumento de casos de monkeypox é a vacinação, que já começou a ser feita em outros países. Em 25 de agosto, a Anvisa aprovou a dispensa de registro para que o Ministério da Saúde importe e utilize no Brasil a vacina Jynneos/Imvanex para imunização contra a monkeypox. O imunizante é destinado a adultos com idade igual ou superior a 18 anos.

A expectativa é que a vacinação na população brasileira seja iniciada nos próximos meses, mas a epidemiologista Alexandra pondera que o número de imunizantes que deve chegar ainda é insuficiente pelo número de casos já registrados e para o tamanho da população que irá precisar dessa vacina. “É importante que a gente tenha uma proatividade do governo em nível nacional para conseguir negociar e conseguir uma quantidade muito maior de vacinas”, avalia.

A princípio, a vacina contra a monkeypox não deve ser uma vacinação em massa - como aconteceu com a Covid-19. “Ela vai ser focada provavelmente em grupos de risco e grupos prioritários e alguma ação específica focada na pós-exposição, ou seja, pessoas que tiveram contatos com casos para que a gente tente quebrar essa cadeia de transmissão”, explica a professora da UFSC.

No Brasil, quem nasceu antes da década de 80 já foi vacinado para varíola comum. No entanto, isso não garante proteção contra a monkeypox. “Pensando que já faz 40 anos, então a gente não tem mais uma imunidade residual que desse conta e não vai fazer uma diferença você ter recebido a vacina”, afirma a professora do IFSC Ângela Kirchner. 

Para a epidemiologista Alexandra, esta é uma questão ainda em aberto. “Apesar de alguns estudos apontarem para uma imunidade de longa duração, a gente sabe também que existe uma perda”, pondera. A professora do UFSC chama a atenção para o cuidado com este tipo de informação, que pode dar a entender que algumas pessoas não precisam se preocupar por já terem imunidade. “Está em aberto, a gente não sabe qual é essa proteção conferida, então a gente precisa realmente lançar mão de estratégias que a gente tem certeza da sua evidência e do seu impacto”, enfatiza.

Cuidados necessários

Ambas as especialistas destacam a importância do uso de máscara e da higienização das mãos para evitar a contaminação pelo vírus que causa a monkeypox. “Os cuidados continuam sendo importantes para evitar a Covid-19 e também para a monkeypox”, ressalta Alexandra. 

A professora do IFSC também lembra que ainda estamos passando por uma pandemia. “A Covid-19 continua fazendo vítimas diariamente, então protejam-se e cuidem dos demais”, recomenda Ângela.

Infográfico com cuidados com a monkeypox

Mais informações

-> Acesse a lista completa de recomendações da OMS relacionadas à monkeypox
-> Acompanhe os casos confirmados de monkeypox pelo mundo num mapa da OMS
-> Acesse a página do Ministério da Saúde com informações sobre a monkeypox
-> Acompanhe as informações da monkeypox em Santa Catarina

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Como funciona o prazo de validade dos alimentos?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 jul 2022 09:23 Data de Atualização: 27 jul 2022 11:18

Ao comprar um alimento no mercado, você observa o prazo de validade? E mais: em casa, quando nota que um produto já está vencido, é daqueles que já descarta ou que acha que não tem problema consumir? Existe toda uma ciência por trás do prazo de validade dos alimentos e por isso é importante respeitá-lo.

O prazo de validade é o intervalo de tempo no qual o alimento permanece seguro e adequado para consumo, desde que armazenado de acordo com as condições estabelecidas pelo fabricante. Seguindo a legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), todos os alimentos devem conter uma data de validade. A responsabilidade de indicar a validade e de manter a qualidade do alimento sempre é do fabricante. 

Neste post do IFSC Verifica, conversamos com a farmacêutica bioquímica Roberta Garcia Barbosa, docente da área de processamento de alimentos do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC, e com a nossa egressa do curso superior de tecnologia em Alimentos e técnica de laboratório do eixo de produção alimentícia do Câmpus Canoinhas, Daiana Alves Machado, para esclarecer os seguintes pontos:

- Como se estabelece o prazo de validade dos alimentos?
- Quem é responsável pela indicação do prazo de validade?
- Quais os fatores que influenciam o prazo de validade de um alimento?
- Por que não é recomendável consumir alimentos vencidos?

Como é estabelecido o prazo de validade de um alimento?

Para entender este processo, primeiro é importante ter claro o conceito de vida útil, que é o período de tempo durante o qual as características sensoriais e de desempenho do produto atendem as especificações do fabricante. “O produto é consumível ou utilizável durante este período, desde que sejam cumpridas as condições de armazenamento recomendadas'', explica a professora Roberta. É justamente para garantir a vida útil de um alimento que se fazem estudos relacionados às suas características sanitárias, nutricionais e sensoriais e, a partir disso, se define seu prazo de validade.

O estabelecimento do prazo de validade envolve três avaliações: uma relacionada à segurança, outra que trata da qualidade nutricional e, por fim, análises sensoriais. “A primeira avaliação requerida é quanto às análises que garantem que o alimento permanece seguro neste prazo, não causando infecções e intoxicações alimentares, devendo o fabricante realizar análises de substâncias tóxicas e/ou presença de microrganismos patogênicos”, informa a professora do IFSC. Tanto os microrganismos patogênicos, que causam doenças ao consumidor, quanto os deteriorantes, que estragam a aparência do alimento, devem atender aos limites estipulados pela legislação nacional. 

A segunda avaliação é a de qualidade nutricional, ainda mais relevante em alguns alimentos como fórmulas para lactentes, suplementos alimentares ou alimentos com fins nutricionais. “Nestes tipos de produtos não podem ocorrer perdas significativas de nenhum nutriente ou componente ao longo da vida útil do alimento”, destaca Roberta.

Por último, são feitas as análises sensoriais, onde o alimento é avaliado em relação a suas características de sabor, aroma, odor, cor etc. “Estas alterações, em muitos casos, limitam a vida útil, devendo ser então realizados os testes que garantam a manutenção das características sensoriais dos alimentos”, detalha Roberta. 

O prazo de validade pode ser determinado por meio de avaliações técnicas, estudos de estabilidade e laudos de ensaios laboratoriais utilizando métodos diretos ou indiretos. “Os métodos diretos, como estudos de estabilidade e testes de desafio, utilizam condições reais de armazenamento, sendo mais precisos, mas demoram mais tempo. Os métodos indiretos, como teste de estabilidade acelerada, são mais rápidos, porém são menos precisos, podendo haver a necessidade de ajustes na validade do alimento quando já estiver ocorrendo a comercialização”, explica a técnica de laboratório do IFSC e tecnóloga em Alimentos, Daiana Alves Machado.

Segundo Daiana, antes de iniciar qualquer método de determinação da validade ou da segurança microbiológica do produto, é necessário assegurar que o processamento mantenha as mesmas características do produto em todos os lotes produzidos. “Para isso, é imprescindível padronizar as operações realizadas na produção do alimento, através da implementação das Boas Práticas de Fabricação (BPF), dos Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) e do sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC)”, ressalta.

Para auxiliar na determinação da vida útil dos alimentos, a Anvisa publicou um guia para determinação de prazos de validade de alimentos (nº 16/2018). Este documento traz orientações que as empresas podem utilizar para nortear a determinação da vida útil dos alimentos. 

-> Acesse aqui o Guia da Anvisa

Todos os alimentos têm prazo de validade?

Nem todos os alimentos têm uma data de validade. A resolução nº 259/2002 da Anvisa traz uma lista daqueles que estão dispensados de declarar essa informação no rótulo. Não é exigida a indicação do prazo de validade para: 

- frutas e hortaliças frescas, incluídas as batatas não descascadas, cortadas ou tratadas de outra forma análoga;
- vinhos, vinhos licorosos, vinhos espumantes, vinhos aromatizados, vinhos de frutas e vinhos espumantes de frutas;
- bebidas alcoólicas que contenham 10% (v/v) ou mais de álcool;
- produtos de panificação e confeitaria que, pela natureza de conteúdo, sejam em geral consumidos dentro de 24 horas seguintes à sua fabricação;
- vinagre;
- açúcar sólido;
- produtos de confeitaria à base de açúcar, aromatizados e ou coloridos, tais como: balas, caramelos, confeitos, pastilhas e similares;
- goma de mascar;
- sal de qualidade alimentar (não se aplica para sal enriquecido). 

Uma portaria da Anvisa também dispensa a obrigatoriedade da indicação do prazo de validade em vegetais frescos embalados. Em todos esses casos, mesmo sem a obrigatoriedade, se o produtor ou a empresa pode indicar a validade. O prazo de validade deve ser indicado antes do produto ser adquirido para consumo.

Quem é responsável pela indicação do prazo de validade?

No Brasil, não existe uma legislação que define ou oriente qual o prazo ideal para considerar o alimento seguro para consumo, sendo as indústrias responsáveis pela determinação da vida útil dos alimentos. Cabe à empresa ou pessoa fabricante garantir a qualidade dos alimentos comercializados, ou seja, entregar aos consumidores alimentos em condições sanitárias e sensoriais ideais de consumo dentro do prazo estipulado na embalagem. A técnica em laboratório do IFSC destaca que o responsável técnico da empresa é o profissional que irá garantir a veracidade da informação fornecida no rótulo do produto. 

Dentro das empresas, normalmente existe uma equipe técnica denominada Pesquisa & Desenvolvimento. “Esta equipe pode ser composta por engenheiros químicos, engenheiros de alimentos, tecnólogos de alimentos, farmacêuticos e outros profissionais de áreas afins que trabalham em conjunto para realização dos testes de vida útil dos alimentos”, explica a professora Roberta. Nestes cursos citados, os alunos aprendem técnicas de desenvolvimento de produtos e as análises necessárias para garantir a qualidade dos alimentos.

Mesmo os pequenos produtores também devem indicar o prazo de validade em seus rótulos seguindo as normas da Anvisa. Segundo Roberta, para conseguir indicar de maneira satisfatória a validade de seus alimentos, muitas vezes os pequenos produtores e pequenas indústrias utilizam como modelo alguns produtos similares encontrados no mercado. Dessa forma, podem ter uma ideia das validades já praticadas no comércio dos mesmos alimentos, e, após isso, reproduzem essa validade com os alimentos elaborados em sua empresa, avaliando as características sensoriais dos produtos até o limite de vida útil testado. 

No entanto, a professora destaca que, mesmo que dois produtos pareçam semelhantes, seus prazos de validade podem ser bastante diferentes. “Portanto, não é seguro extrapolar o prazo de validade de um alimento para outro, sendo necessário conhecer o processo de produção e entender os fatores que irão influenciar suas características de armazenamento antes de se estabelecer o prazo de validade apropriado para cada alimento”, ressalta.

Se o produtor é responsável por indicar o prazo de validade, o consumidor também deve se atentar às condições especiais para a conservação contidas nos rótulos dos alimentos. Daiana explica que a validade também sofre alterações quando o produto é aberto para consumo. “Portanto, o consumidor deve estar atento a recomendação do rótulo quanto ao prazo de consumo do produto depois de aberto, além das condições de armazenamento que também podem sofrer alterações”, ressalta a técnica em laboratório do IFSC.

Quais os fatores que influenciam o prazo de validade de um alimento?

Muitos fatores podem afetar o prazo de validade de um alimento. Eles podem ser intrínsecos, quando se relaciona ao próprio alimento - como umidade e pH ( que indica a acidez ou basicidade de uma solução) - e extrínsecos, quando são externos ao produto - como condições de embalagem e de armazenamento. “Quando entendemos a influência de cada um desses fatores, é possível adotar medidas para prolongar a validade do alimento ou, por outro lado, conhecer as alterações da composição, formulação e processamento que podem tornar os alimentos mais suscetíveis à deterioração ou mesmo ao crescimento de microrganismos patogênicos”, explica Roberta.

As condições de armazenamento - como temperatura, luminosidade e umidade - influenciam os alimentos durante a distribuição, armazenamento, exibição no varejo e armazenamento pelo consumidor, podendo favorecer a deterioração e, portanto, reduzir o prazo de validade. Se a temperatura de conservação indicada no rótulo for descumprida em um supermercado que desliga seus equipamentos de frio durante a noite, por exemplo, possivelmente a vida útil do alimento será afetada, não apenas com riscos sanitários ao consumidor, mas também com alterações sensoriais no produto. “A manutenção das condições necessárias para garantir a segurança do produto é essencial em toda a cadeia produtiva, incluindo os pontos de venda, como supermercados, e o armazenamento pelo consumidor”, destaca a técnica de laboratório do IFSC Daiana.

Como o prazo é dado pela empresa fabricante, a data de validade independe do local de fabricação. “Porém sempre devemos observar que, dependendo da região que o produto será comercializado, a data de validade pode diminuir para determinados alimentos”, alerta a professora Roberta. “Por exemplo, quando comercializamos alimentos mais susceptíveis ao calor e iremos comercializar em regiões quentes como o norte e nordeste do país, uma atenção especial deve ser dada para definição desta data pela empresa”, explica a docente. 

Por que não é recomendável consumir alimentos vencidos?

Todos os alimentos devem ser consumidos dentro do prazo de validade. “Fora desse período, não existiu nenhum teste ou análise prévia do produto desenvolvido que garanta sua qualidade”, destaca a professora Roberta. Dessa forma, tanto o prazo de validade quanto a indicação de conservação caseira devem ser respeitados. 

Roberta explica que o risco de consumir um alimento vencido depende das características do próprio alimento. “Alguns alimentos que possuem alta umidade e alto valor de pH, como os embutidos cárneos, podem desenvolver níveis de contaminação de bactérias patogênicas elevados após a data de validade, podendo causar sintomas simples como dor de cabeça, indisposição, mas ainda diarreia, vômito e podem, dependendo da imunidade da pessoa que irá consumir, até mesmo evoluir para a morte”, alerta.

E se você é daqueles que acredita que não tem problema consumir um produto caso tenha passado poucos dias do prazo de validade, as especialistas do IFSC reforçam que isso não é recomendável. “No momento em que consumimos algo fora deste prazo, mesmo que o alimento tenha baixo risco de contaminação e esteja com boa aparência, estamos assumindo o risco de encontrar um produto sem qualidade, independente dos dias a mais em que foram ultrapassados o prazo estabelecido no rótulo”, explica Roberta.

Segundo a técnica de laboratório do IFSC, os alimentos vencidos estão mais propensos à ação de fungos e bactérias, que podem se desenvolver sem ocasionar alterações perceptíveis, além de substâncias dos próprios alimentos que começam a se modificar, causando intoxicações e infecções. “Por isso, não devemos consumir um produto considerando apenas as suas características visuais e/ou perceptivas, pois apesar de parecer inofensivo, o alimento vencido pode estar contaminado por patógenos como Escherichia coli e Salmonella spp”, orienta Daiana. 

Além disso, alimentos vencidos podem causar intoxicação alimentar, cujos sintomas mais comuns são dor abdominal, vômito, febre, calafrio, diarreia e até a morte. “A intensidade e variedade dos sintomas resultam de fatores como tipo de alimento, quantidade, tempo de vencimento etc.”, explica a técnica de laboratório.

Mesmo quando um alimento é congelado é preciso ficar atento ao prazo de validade. Por exemplo, você comprou um pacote de queijo e colocou direto no congelador. Será que pode consumi-lo mesmo depois que o prazo estiver vencido considerando que ele estava congelado? A técnica do IFSC explica que não é possível garantir a qualidade do alimento após seu vencimento, mesmo que tenha sido congelado. “Não existe uma legislação específica e muitas variáveis podem influenciar o ‘novo’ prazo de validade”, ressalta.

No caso do queijo, por exemplo, a validade que consta na embalagem foi baseada considerando o produto refrigerado e em sua embalagem original. Segundo Daiana, não se pode indicar um período preciso de validade prolongada e nem se o produto estará em condições seguras de consumo porque não se pode ter certeza das condições de transporte, armazenamento, manipulação etc. “O produto pode ter sofrido variação de temperatura, ter sido exposto ao ar ambiente e outras superfícies, embalagem diferente, entre outras situações que podem gerar uma contaminação, além de que o próprio consumidor pode acabar contaminando o produto em casa, sem nem saber”, afirma a técnica do IFSC. 

Além disso, o produto que não é originalmente congelado normalmente perde algumas características físicas e sensoriais durante o congelamento. “Como a validade depende de estudos e testes específicos para aquelas condições do produto, quando alteramos essas condições, a validade estabelecida pelo fabricante já não é precisa”, complementa.

Como proceder ao encontrar ou comprar um produto com prazo de validade vencido?

Caso você encontre algum produto vencido em algum estabelecimento comercial, você pode denunciar ao Procon ou à Vigilância Sanitária do seu município. Em Santa Catarina, a lei estadual nº 17.132/2017 garante que os supermercados devem fornecer outro produto ao consumidor que constatar a existência de produto exposto à venda com prazo de validade vencido. Outros estados e municípios também podem ter legislações específicas sobre isso.

-> Acesse o Código de Defesa do Consumidor

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Se você ficou interessado neste tema, o IFSC conta com cursos na área alimentícia. Conheça melhor cada um e onde são ofertados:

- Técnico Integrado em Alimentos (Câmpus Canoinhas)
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- Técnico Subsequente em Alimentos (Câmpus Urupema)
- Técnico Subsequente em Nutrição e Dietética (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Engenharia de Alimentos (Câmpus Urupema)
- Superior de Tecnologia em Alimentos (Câmpus Canoinhas)
- Superior de Tecnologia em Alimentos (Câmpus São Miguel do Oeste)
- Especialização em Ciência e Tecnologia de Alimentos com Ênfase em Alimentos Funcionais (Câmpus Xanxerê)

Além desses, alguns câmpus oferecem cursos de qualificação profissional de higiene e manipulação de alimentos. Inclusive, até esta quarta-feira (27), há vagas abertas para os cursos gratuitos de treinamento para Manipuladores de Alimentos nos câmpus Canoinhas e Itajaí. Veja aqui como se inscrever.

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Pode o mar ficar sem peixes, camarões e organismos marinhos?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 jun 2022 14:39 Data de Atualização: 29 jun 2022 14:59

Ao olhar para a imensidão do mar, podemos ter uma falsa impressão de que tudo o que há nele é infinito e de que os recursos disponíveis são daqueles que primeiro os encontrarem. Mas, como veremos à frente, apesar de os recursos pesqueiros serem considerados  naturais e renováveis, a questão da pesca é bem complexa. Por isso, no post de hoje, para entender sobre como funciona a gestão desses recursos, conversamos com o coordenador do curso técnico em Aquicultura do IFSC Câmpus Itajaí, Leonardo Machado, e com a professora Janaína Bannwart, também do Câmpus Itajaí.

Quem cuida do mar no Brasil?

No caso da costa brasileira, a área até 200 milhas náuticas (o equivalente a mais de 370 quilômetros a partir da costa) é considerada área de Zona Econômica Exclusiva Brasileira, pertencente à União, e a extração de recursos está submetida às leis federais. É a Secretaria de Aquicultura e Pesca, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), quem estabelece os padrões e as medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros.

Somam-se a esse trabalho de regulamentação da pesca, as atividades do Ministério do Meio Ambiente. São através de pesquisas de órgãos ligados a esse ministério como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul (Cepsul) que se estabelecem medidas para garantir a preservação das espécies marinhas. Outro órgão que desempenha um importante papel nesse processo é o Ibama, responsável pela fiscalização ambiental da pesca e pela notificação e autuação de infrações relacionadas às atividades pesqueiras.

Gestão da produção pesqueira

O coordenador do curso técnico em Aquicultura do IFSC Câmpus Itajaí, Leonardo Machado, explica que para garantir a reprodução das espécies marinhas é preciso adotar uma série de medidas de gestão da produção pesqueira. “Os recursos pesqueiros são recursos naturais renováveis, que se renovam todos os anos com a reprodução das espécies. Só que se não houver uma correta gestão desses recursos, eles podem se esgotar. Há um limite de renovação das espécies e esse cálculo deve ser feito baseado em critérios da biologia pesqueira. Dessa forma, é possível calcular um rendimento máximo sustentável de cada um dos recursos pesqueiros e saber quanto é possível retirar para não prejudicar o estoque para que ele possa se repor. A gente tem que garantir que não haja sobrepesca, ou seja, que se explore além do limite. Mas não é isso o que acontece mundo afora. A grande maioria dos estoques pesqueiros do mundo estão sofrendo sobrepesca e essa é uma realidade que a gente precisa mudar.”

Cartão verde com letras brancas com a frase destacada:  Os recursos pesqueiros são recursos naturais renováveis. Só que se não houver uma correta gestão, eles podem se esgotar. Há um limite de renovação das espécies e esse  cálculo deve ser feito  baseado em critérios  da biologia pesqueira

O professor cita como exemplo a pesca da sardinha na década de 1990 no Brasil, quando a atividade se tornou inviável porque o estoque de peixes estava baixo e gastava-se muito para encontrar um cardume, acarretando o fechamento de indústrias que beneficiavam o pescado. A recuperação da espécie só foi possível pr meio de um trabalho em conjunto com os empresários do setor para estabelecer critérios para a pesca. Outro exemplo é o do estoque de vieiras encontradas em São Francisco do Sul na década de 1980. “Retirou-se tanta vieira que hoje já não há mais na região, se a extração tivesse sido controlada pode ser que tivéssemos vieiras até hoje. Estima-se que a extração foi tão alta que em dois anos o estoque acabou.”

A Organização Não Governamental (ONG) Oceana publica todos os anos a auditoria da pesca e faz o levantamento de dados sobre o estoque de espécies de peixes mais consumidos no Brasil. Para acessar a auditoria de 2021, clique aqui

Apesar da importância de estudos que façam o levantamento dos estoques pesqueiros, o professor Leonardo explica que são escassos os investimentos nessa área, fazendo com que haja poucos dados sobre o volume total das espécies. “Há um navio da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) que tem capacidade para mapear cardumes e eles têm feito um trabalho sobre o estoque de sardinhas. A Univali também tinha até 2012 um programa de observadores de bordo em que pesquisadores ficavam embarcados e coletavam informações sobre as espécies pescadas. Hoje muitas informações que se têm sobre as espécies vêm do mapa de bordo das embarcações pesqueiras e no momento do desembarque.”

Captura total, defeso e tamanho de captura

O professor explica que há uma série de medidas para garantir a gestão da produção pesqueira e que é a Lei nº 11.959 de 2009 que estabelece os critérios para a sustentabilidade do uso dos recursos pesqueiros, em que se define a captura total permitida, os períodos de defeso, em que fica proibida a pesca de determinadas espécies, e o tamanho de captura. “No caso da garoupa, por exemplo, o que vale é o tamanho de captura, porque pelo tamanho você consegue verificar se ela já conseguiu se reproduzir. Só após um período de reprodução é que ela pode ser pescada.”

Defeso do camarão

No caso da pesca do camarão, são definidos períodos de defeso que variam de acordo com as diferentes regiões do país levando em consideração a reprodução da espécie. Os períodos são definidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e os estados também podem adotar medidas mais restritivas. “Para pescar camarões, além do pescador precisar do direito de acesso (licença de pesca), deverá obedecer a distância mínima de uma milha náutica da costa, observar o tamanho mínimo permitido da malha da rede e respeitar o período de defeso que vai de março a maio”, explica a professora do Câmpus Itajaí Janaína Bannwart.

Para verificar a relação de todos os períodos de defeso vigentes no Brasil, clique aqui

Defeso da tainha 

No caso da tainha, são estabelecidas cotas para diferentes modalidades de pesca. Conforme a portaria da Secretaria de Aquicultura e Pesca nº 611 de 28 de fevereiro de 2022, a pesca de arrasto, também conhecida como artesanal, pode ocorrer a partir de 1º de maio. A pesca anilhada (com barco a motor) começa em 15 de maio e a pesca industrial feita a cerco/ traineira somente em 1º de junho. São emitidas até 130 licenças para pesca anilhada com cota de captura de 830 toneladas e 10 licenças para pesca de cerco/traineira, sendo a cota de captura desta modalidade de 600 toneladas na região sul e sudeste do Brasil. “ O período de pesca varia de acordo com a modalidade. No início abre-se somente a temporada para a pesca artesanal porque se entende que isso possibilita que parte das tainhas consigam migrar e de fato garantir a reprodução da espécie”, explica o professor.

Garantir a preservação das espécies também depende do consumidor

A professora Janaína Bannwart avalia que garantir a preservação das espécies marinhas também depende do consumidor. “Não há como comer camarão, que não seja o de cultivo, o ano inteiro, os períodos de defeso precisam ser respeitados. Na União Europeia há um guia de consumo sustentável que orienta o consumidor sobre os períodos de reprodução das espécies. No Brasil, precisamos trabalhar nesse sentido de orientação do consumidor.”

Cartão com fundo verde e letra branca com a frase: Não há como comer camarão, que não seja o de cultivo, o ano inteiro. Na União Europeia há um guia de consumo sustentável. No Brasil, precisamos trabalhar nesse sentido de orientação do consumidor

Ela explica que o sucesso da gestão da pesca está na adesão dos usuários em entender e cumprir as regras. “Na visão capitalista, os recursos pesqueiros são grandes commodities mundiais para levar alimento a diversos países, principalmente Europa, Estados Unidos e países asiáticos. A sobrepesca é uma realidade para a maioria das espécies alvo, devido ao aumento de tecnologias para exploração dos recursos bem como os diversos subsídios dados ao setor em diversos países. Hoje se fala muito na gestão compartilhada. Nesse sistema de gestão, as decisões são tomadas com a participação dos pescadores, principalmente das comunidades tradicionais de pescadores artesanais ou familiares. É diferente da gestão “top down” em que entidades governamentais estabelecem regras sem consulta aos múltiplos usuários, o que acaba muitas vezes trazendo conflitos e desobediência às regras”. 

Cartão verde com letras brancas com a frase: A sobrepesca é uma realidade para a maioria das espécies alvo, devido ao aumento de tecnologias para exploração dos recursos bem como os diversos subsídios dados ao setor em diversos países.    Janaína Bannwart, oceanógrafa e  professora do IFSC

O que acontece quando há uma diminuição significativa das espécies?

O professor Leonardo explica que em casos onde se identifica uma baixa substancial de indivíduos de uma espécie marinha é possível declarar moratória, quando é estabelecido um período em que se proíbe a pesca, o que pode ocorrer por um tempo determinado ou de forma indeterminada. No caso do mero, por exemplo, a moratória vai até outubro de 2023. Protegido há mais de uma década, o mero é um peixe de crescimento lento, que pode chegar a dois metros e meio de comprimento e pesar 400 kg. Como é manso e habita regiões rasas, o animal é um alvo fácil dos pescadores.

A aquicultura é a solução?

Ao se investir na aquicultura no cultivo de espécies marinhas, diminui-se o esforço para a retirada de peixes pela pesca extrativista, mas o professor Leonardo lembra que essa modalidade também gera impactos ambientais, principalmente para a adaptação dos espaços para o cultivo. “Há casos em que foram criadas fazendas de camarões em áreas de mangue.”

Para alimentar os peixes e organismos marinhos de cultivo é preciso ainda produzir rações com proteína de origem de animais marinhos. “Para se formar uma ração para camarão ou salmão é preciso usar farinha de peixe que vem da pesca e isso gera um ciclo que a gente não consegue se desvencilhar. Uma parte desta proteína vem de resíduos da pesca, mas como esse insumo costuma ser de baixa qualidade, é comum que seja feita a importação de peixes do Peru que não tem um grande valor comercial. Essa espécie é utilizada para produção também de ração para suínos e aves. Há uma grande dependência mundial em cima desta cadeia, o que também pressiona os estoques pesqueiros”, afirma a professora Janaína.

Cartão verde com letras brancas com a frase: Para se formar uma ração para camarão ou salmão é preciso usar farinha de peixe que vem da pesca e isso gera um ciclo que a gente não consegue se desvencilhar   Janaína Bannwart, oceanógrafa e  professora do IFSC

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Alergias e intolerâncias alimentares: saiba o que são

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 mai 2022 21:42 Data de Atualização: 27 mai 2022 17:24

É comum encontrarmos pessoas que não podem consumir algum tipo de alimento (pão, leite, ovos, frutos do mar, entre outros). Há aqueles que apresentam apenas um leve mal-estar, mas para outros, o consumo de algo específico pode até ser perigoso.

No post de hoje, ouvimos as professoras do Câmpus Florianópolis-Continente Elinete Eliete de Lima, nutricionista com mestrado em Nutrição e doutorado em Ciência dos Alimentos e coordenadora do Curso Técnico em Nutrição e Dietética, e a professora Jane Parisenti, nutricionista com mestrado em Nutrição e doutorado em Ciência dos Alimentos, além da professora Sandra Aparecida Tavares, zootecnista com mestrado e doutorado nas áreas de Ciência dos Alimentos e Nutrição e Produção Animal, do Câmpus Canoinhas, para esclarecer dúvidas como a diferença entre alergia e intolerância, produção de alimentos e como é possível viver bem mesmo tendo alguma restrição alimentar.

O post vai abordar as seguintes questões: 

  • - Qual a diferença entre alergia e intolerância alimentar?
  • - Quais os principais alimentos causadores de alergia e intolerância alimentar?
  • - O que leva ao surgimento de alergias e intolerâncias alimentares?
  • - Como é feito o diagnóstico de alergias e intolerâncias alimentares?
  • - E o consumo de trigo, por que é tão preocupante?
  • - Qual o tratamento para alergias e intolerâncias alimentares?
  • -É comum ouvir que crianças precisam ter contato com todos alimentos para evitar alergia/intolerância no futuro. Isso é verdade?
  • - Alergia e intolerância são para a vida toda?
  • - Dá para ter uma vida normal mesmo tendo restrições alimentares? Quais as opções para essas pessoas conseguirem se alimentar com qualidade?
  • - Há disponibilidade de alimentos específicos para pessoas com restrições? Por que eles são mais caros?
  • - Como saber se estamos consumindo um produto adequado para alergias, intolerâncias e outras restrições?
  • - E as reações adversas a alimentos, o que são?
  • - Conheça algumas pesquisas e projetos do IFSC na área

Qual a diferença entre alergia e intolerância alimentar?

De modo geral, segundo a professora Elinete, pode-se usar o termo “restrição alimentar” como uma condição apresentada quando alguém não pode consumir determinado alimento, devido à alergia, intolerância ou problemas como doença celíaca, diabetes, hipertensão, entre outros. Ou ainda, quando a pessoa deixa de consumir um alimento ou grupo de alimentos por questões religiosas ou ideológicas, como o vegetarianismo e o veganismo.

Doença celíaca, diabetes e algumas alergias são doenças mais estudadas e conhecidas  pelos profissionais da saúde e tem maior prevalência na população. De acordo com a professora Jane, em geral são doenças com sintomas clínicos bem conhecidos e com progressão grave em caso de não seguir o tratamento. “Outras reações adversas a alimentos têm sintomas em geral mais leves, mas também muito diverso entre um indivíduo e outro, por isso são menos conhecidas e às vezes não diagnosticadas”, explica.

Especificamente sobre alergias e intolerâncias, podemos dizer que a alergia alimentar é uma reação modulada pelo sistema imunológico contra proteínas presentes em determinado alimento, reconhecidas pelo corpo como “ameaça ou inimigo”. Já a intolerância alimentar é uma reação decorrente de uma deficiência nas enzimas responsáveis pela digestão, dificultando este processo. Citando o exemplo do leite de vaca, temos as pessoas intolerantes à lactose (carboidrato do leite). Veja a explicação detalhada no vídeo e entenda a diferença entre alergia alimentar e intolerância a partir do exemplo do leite:

Quais os principais alimentos causadores de alergia e intolerância alimentar?

A professora Elinete faz uma lista dos alimentos que mais causam alergias alimentares. São eles: 

  • - Trigo (centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas); 
  • - Leites de todas as espécies de animais mamíferos; 
  • - Ovos; 
  • - Crustáceos;
  • - Peixes; 
  • - Amendoim; 
  • - Soja; 
  • - Amêndoas; 
  • - Avelãs; 
  • - Castanhas, (entre elas a castanha-do-brasil ou castanha-do-pará e a castanha-de-caju);
  • - Macadâmias; 
  • - Nozes; 
  • - Pecãs; 
  • - Pistaches e
  • - Pinoli. 

Segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, as alergias mais comuns são a leite, glúten, soja, ovos, peixes e crustáceos. A maior frequência de reações graves são com amendoim, leite, crustáceos e nozes.

O látex natural também pode causar alergia. Ele está presente em alimentos como mamão, figo, banana, abacate, kiwi, melão e nozes. Trata-se de uma proteína similar ao látex (borracha). Assim, aconselha a professora Elinete, pessoas que têm alergia a luvas de borracha podem ser alérgicas a esses alimentos também.

Na infância, a alergia mais comum é às proteínas do leite de vaca (APLV). Atinge uma prevalência de 5,4% e uma incidência de 2,2% das crianças no Brasil. Há também pessoas que têm dificuldade em digerir a caseína (beta caseína A1), uma substância presente no leite, o que não deve ser confundido com a alergia ou intolerância.

Já a alergia ao ovo atinge entre 1% e 2,5% dos bebês e crianças e em torno de 0,2% dos adultos. Estudos indicam que bebês desenvolvem intolerância ao ovo antes dos dois anos. A clara é considerada mais alergênica do que a gema. 

A dermatite atópica (inflamação da pele) e esofagite eosinofílica (inflamação no esôfago) estão diretamente associadas à alergia ao ovo. Nesse caso, a professora Elinete alerta que “o risco de reatividade cruzada entre as proteínas do ovo de galinha e de outras aves, como codorna, pata, perua, gansa, entre outros, é alto. Portanto, é preciso retirar da dieta todos os tipos de ovos”.

O que leva ao surgimento de alergias e intolerâncias alimentares?

Para a professora Elinete, definir as causas da alergia alimentar é algo difícil, por se tratar de um problema que envolve múltiplos fatores. Segundo ela, “a alergia alimentar afeta até 10% das crianças em idade pré-escolar e continua a aumentar em prevalência em muitos países. É considerada um problema de saúde pública, com implicações práticas para a indústria de alimentos, estabelecimentos educacionais e sistemas de saúde”.

"A alergia alimentar afeta até 10% das crianças em idade pré-escolar e continua a aumentar em prevalência em muitos países. É considerada um problema de saúde pública", professora Elinete Eliete de Lima, do Câmpus Florianópolis - Continente

A professora explica que os fatores genéticos ainda são determinantes (60%), porém estudos demonstram que os fatores ambientais têm exercido influência direta no aumento da sua prevalência. Por serem passíveis de modificações, o foco de estudo atualmente está nas causas ambientais, como: alterações na microbiota intestinal (flora intestinal) devido ao uso excessivo de antibióticos, medicamentos inibidores de ácido gástrico e aumento dos nascimentos por cesariana; exposição a alimentos processados, ultraprocessados e transgênicos; exposição a antígenos; baixos índices de aleitamento materno e oferta tardia dos alimentos sólidos às crianças. 

“Prevenir alergia alimentar é ainda um desafio, tendo em vista a complexidade e multifatoriedade da alergia alimentar. Até o momento, as medidas preventivas que se demonstram mais eficazes são aquelas que potencializam as funções imunológicas durante a primeira infância, sendo elas: cuidado com a flora intestinal, parto vaginal, aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida, oferta de alimentos potencialmente alergênicos desde o início da introdução alimentar, sendo o período indicado a partir do sexto mês de vida”, explica a professora Elinete.

Para a professora Sandra, o que pode estar acontecendo é que há mais preocupação com as intolerâncias e alergias e maior número de diagnósticos. Ela cita como exemplo a dificuldade em digerir a caseína, um problema já existente em outros países e que mais recentemente vem chamando a atenção no Brasil. Stress, sedentarismo, poluição e hábitos da vida moderna podem ser causas de maior número de diagnósticos, porém, é preciso mais análises para definir possíveis causas.

Como é feito o diagnóstico de alergias e intolerâncias alimentares?

O diagnóstico de intolerâncias e alergias alimentares deve ser feito por um médico. Segundo a professora Sandra, no caso do leite, as pessoas podem sentir desconforto no consumo mas não saber se o problema está sendo causado pela intolerância à lactose, alergia ao leite ou dificuldade de digerir a caseína, o que pode ser determinado por um especialista.

De maneira geral, é o médico que vai determinar a qual alimento a pessoa tem algum tipo de reação, seja por meio de exames específicos ou suprimindo o alimento da dieta por um tempo para observar se houve melhora ou não dos sintomas.

Fechado o diagnóstico, o nutricionista pode auxiliar o paciente definindo uma dieta apropriada e estratégias para substituir o alimento causador da alergia ou intolerância.

E o consumo de trigo, por que é tão preocupante?

O trigo, um dos alimentos mais consumidos no mundo, está relacionado a uma série de restrições alimentares. Veja na tabela a diferença entre celíacos, alérgicos ao trigo e pessoas com sensibilidade ao trigo:

O caso do trigo 

É preciso lembrar que não é somente a farinha de trigo que contém glúten, mas também outros produtos como centeio, cevada, malte (derivado da cevada, trigo e centeio), aveia (se contaminada) e os produtos derivados destes, como cerveja, whisky, vodka, gin e demais bebidas contendo malte; cafés misturados com cevada, condimentos industrializados, entre outros.

Já os alimentos que não contêm glúten e cujos produtos podem ser uma alternativa são o arroz, milho, batata, mandioca, aveia sem glúten, farinhas de soja, coco, grão de bico, cará, inhame, araruta, sagu e trigo sarraceno, desde que processados em moinho exclusivo e armazenados em depósito separado das farinhas com glúten. 

Qual o tratamento para alergias e intolerâncias alimentares?

No caso das alergias alimentares, o tratamento consiste em excluir totalmente o alimento responsável pela reação alérgica. Além disso, deve ser evitada a contaminação cruzada com outro alimento alérgeno durante o processo de cultivo, produção e consumo.

Em se tratando de intolerância alimentar, explica a professora Elinete, os sintomas geralmente  dependem da quantidade consumida do alimento. Isso significa que pequenas quantidades podem ser toleradas, mas a dosagem exata é diferente para cada paciente e deve ser determinada individualmente. Nesses casos, os sintomas mais frequentes são dor abdominal, cólica, flatulência e diarreia, que geralmente ocorrem algumas horas após a ingestão.

No caso do leite, completa a professora Sandra, há também a alternativa de consumir leite sem lactose em caso de intolerância ou leite A2, para pessoas com dificuldade de digestão da caseína. Há também a lactase em comprimidos, uma alternativa para quando a pessoa quer consumir algum alimento que contenha leite. 

É comum ouvir que crianças precisam ter contato com todos alimentos para evitar alergia/intolerância no futuro. Isso é verdade?

Evitar alimentos potencialmente alergênicos no primeiro ano de vida não tem efeito protetor e, em vez disso, pode aumentar significativamente as chances de sensibilização para os alimentos correspondentes, alerta a professora Elinete.

Ela explica que há estudos sugerindo a introdução precoce de alimentos causadores de alergia antes dos seis meses de idade, principalmente ovos e amendoim. Porém, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que até os seis meses de vida, o bebê seja alimentado exclusivamente com leite materno ou fórmula que o substitua.  “Assim sendo, após o sexto mês de vida, a alimentação complementar deverá seguir as recomendações vigentes, com oferta de todos os grupos alimentares, respeitando ideologia, cultura, condições socioeconômicas e hábitos familiares", completa a professora.

Alergia e intolerância são para a vida toda?

A boa notícia é que a maior parte dos casos de alergias ao leite, soja, trigo e ovos, diagnosticados na infância, tendem a desaparecer até os quatro anos de idade, e outros até os oito anos, segundo Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar de 2018. Porém, algumas alergias podem se manter por toda a vida, especialmente ao amendoim, nozes e similares.

Dá para ter uma vida normal mesmo tendo restrições alimentares? Quais as opções para essas pessoas conseguirem se alimentar com qualidade?

O primeiro passo para conseguir adaptar-se à restrição alimentar é a conscientização do indivíduo e seus familiares, em especial se for criança. A professora Jane alerta, porém, que entender a importância da dieta para sua saúde não é algo tão simples: “a alimentação está fortemente vinculada ao emocional, psicológico e cultural, que vai além da nutrição. Não imaginamos ir a uma festa de aniversário sem comer bolo, que tem lactose, ovo, trigo, açúcar…. O que exclui muitas pessoas dessa divisão do bolo”.

"A alimentação está fortemente vinculada ao emocional, psicológico e cultural, que vai além da nutrição" - Jane Parisenti, professora do Câmpus Florianópolis - Continente

Já a professora Elinete ressalta que o contexto alimentar não é muito favorável para quem tem alguma necessidade alimentar diferente. Explica que a dieta básica dos brasileiros é restrita, ou seja, 10 produtos concentram mais de 45% do consumo alimentar no país: arroz, feijão, pão francês, carne bovina, frango, banana, leite, refrigerantes, cervejas e açúcar (dados do IBGE). Ainda, os alimentos muito frequentes nas mesas brasileiras são trigo (farinha e outros), soja (alimentos processados), leite e derivados, alimentos de origem animal, açúcar e farinhas refinadas, sal em excesso e gorduras saturadas e/ou industrializadas. Dessa maneira, as práticas alimentares tendem a negar a diversidade alimentar dos indivíduos. 

A professora Sandra complementa ainda que não é preciso retirar o leite e derivados da dieta do adulto pela quantidade de nutrientes e benefícios à saúde que apresentam, como o fornecimento de cálcio. Somente pessoas com alergias ou intolerância precisam substituí-lo e mesmo assim, há no mercado alternativas para que continuem consumindo o leite.

Há disponibilidade de alimentos específicos para pessoas com restrições? Por que eles são mais caros?

Hoje há mais disponibilidade de alimentos para pessoas com certas restrições alimentares, porém, por necessitarem de procedimentos especiais de preparo, tornam-se mais caros que os alimentos comuns. 

A professora Sandra explica que a indústria do leite tem se empenhado para fornecer alimentos mais adequados para quem tem intolerância. No caso da lactose, a indústria adiciona a enzima lactase ao leite durante o processo produtivo para que ela faça a “quebra” da lactose. “Quando você consome esse leite, ele pode ficar um pouco mais escuro, mas isso não é problema, é apenas uma reação no processo”, alerta Sandra. Devido à demanda crescente por esses produtos e a disseminação dos métodos de produção, o preço de alimentos sem lactose está ficando mais acessível, segundo a professora.

Já a produção de leite específico para pessoas com dificuldades para digerir a caseína é diferente: a professora do Câmpus Canoinhas explica que a proteína que causa essa dificuldade é a Beta Caseína A1. Por meio de seleção e melhoramento genético do rebanho, já é possível produzir o leite “A2”, que possui a Beta Caseína A2, que é mais facilmente digerida pelo organismo. Porém, há poucas fazendas no Brasil que dispõem desses animais e toda a tecnologia envolvida, pois esse leite não pode ser contaminado pelo leite comum. Assim, é um produto mais difícil de encontrar nos supermercados e tem um preço bem mais elevado. 

Em 2019, conta Sandra, foi lançado o movimento “Beba mais leite”, que lançou o selo “Vacas A2A2”, que garante a origem do leite A2, por meio da certificação. Importante lembrar que as pessoas sensíveis à caseína não devem consumir produtos sem lactose, pois estes continuam apresentando a Beta Caseína A1 em sua composição. Também não é um produto destinado a crianças com APLV ou adultos com alergia ao leite, salvo sob recomendação médica.

 A situação de quem precisa de alimentos sem glúten é um pouco mais complicada: além da pouca variedade disponível aos celíacos, os preços são expressivamente mais elevados. Pesquisa realizada na pós-graduação em Ciência dos Alimentos da UFSC mostra que “os produtos sem glúten a categoria representada pelos biscoitos foi a que apresentou maiores diferenças de preço em relação aos produtos convencionais, custando em média 86% mais caro; seguida pela mistura para bolo (81%), macarrão (63%), salgadinho (56%), chocolate (36%), pão (33%) e cereais (28%).”

Por que essa diferença? Segundo a professora Elinete, produtos sem glúten tendem a ser mais caros por utilizar farinhas não tão disponíveis como a farinha de trigo, necessitam de mão de obra especializada e uma área exclusiva para produção para não haver contaminação cruzada. Além disso, a farinha de trigo pode ser utilizada sozinha em uma preparação, pois é considerada uma farinha completa: proporciona leveza, estrutura, funciona como uma “cola” entre os outros ingredientes, tem sabor neutro e é versátil. Por isso não há uma farinha que possa ser usada exclusivamente em substituição à de trigo. Assim, nas preparações sem glúten, é preciso fazer uma “combinação” de farinhas para se chegar a um bom resultado.

Especificamente sobre restaurantes, padarias e confeitarias, a professora Jane explica que é difícil manter uma oferta de produtos para pessoas com restrições alimentares, pois os prazos de validades são muito baixos e, com a procura menor, tende a haver desperdício desses alimentos. Há alguns casos, como lojas de produtos naturais, que ofertam opções congeladas, mesmo assim com prazos de validade menor que os alimentos convencionais.

Como saber se estamos consumindo um produto adequado para alergias, intolerâncias e outras restrições?

A professora Sandra, do Câmpus Canoinhas, explica que hoje há uma legislação no Brasil, (Resolução RDC 26/2015, Resolução RDC 40/2002, entre outras), que trata da rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares. Uma nova legislação deve ser lançada ainda este ano com melhorias ao sistema de rotulagem.

Produtos que podem causar alergia alimentar devem estar relacionados na frase “Alérgicos: contém (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)”.  Nos casos em que não for possível garantir a ausência de contaminação cruzada dos alimentos, deve constar no rótulo a declaração "Alérgicos: Pode conter (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)”. Informações sobre a presença de glúten e lactose devem vir em destaque na embalagem do produto.

“Na questão da rotulagem, hoje nós já temos a informação. O que a gente precisa é conscientizar as pessoas da importância de ler os rótulos, pois a maioria não lê. Quem realmente lê os rótulos são as pessoas de dieta restrita, por medo de ter um problema maior”, alerta a professora Sandra.

"Na questão da rotulagem, hoje nós já temos a informação. O que a gente precisa é conscientizar as pessoas da importância de ler os rótulos, pois a maioria não lê" - Sandra Tavaares, professora do Câmpus Canoinhas do IFSC

-> Para saber mais, consulte o guia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento sobre rotulagem de alimentos.

E as reações adversas a alimentos, o que são?

Menos frequentes, as reações adversas a alimentos podem envolver microorganismos que produzem toxinas, como a salmonela; metais pesados, pesticidas e antibióticos (panela de inox, níquel); conservantes e flavorizantes (glutamato monossódico, nitritos e nitratos presentes em embutidos e alimentos industrializados); corantes (exemplo da tartazina, que é o corante amarelo). São reações que não podem ser chamadas de alergias, pois não envolvem o sistema imunológico.

Outras substâncias, consideradas agentes farmacológicos, também podem desencadear reações, como a enxaqueca: cafeína; theobromina (chocolate e alguns chás); histamina (peixe e chucrutes); triptamina (tomate e ameixa); serotonina (banana e tomate); tiramina (queijos maturados); solanina (batatas verdes, brotadas, cortadas ou machucadas, berinjela, tomate e pimentão) e álcool.

  Pesquisas e projetos do IFSC na área

No Câmpus Florianópolis – Continente, os cursos das áreas de Gastronomia, Cozinha, Panificação e Confeitaria e o técnico em Nutrição tem em seus currículos as disciplinas “Restrições Alimentares” e “Nutrição na produção de alimentos”. Nessas unidades os alunos aprendem a produzir alimentos para pessoas que não podem consumir leite, trigo (glúten), vegetarianos estritos, diabéticos, hipertensos e dislipidêmicos (consumo restrito de gorduras).

Algumas ações do câmpus para esta área são: projeto de extensão “Gastronomia Inclusiva para Diabéticos” e o projeto de pesquisa “Comércio on line de alimentos isentos de glúten no Brasil”, além de diversos trabalhos de conclusão de curso (TCCs) da área. 

No Câmpus Canoinhas, o curso superior em tecnologia de Alimentos e o curso técnico em Alimentos abordam restrições alimentares na disciplina de Nutrição. Há alunos realizando estágios em escolas públicas, onde são atendidas crianças com restrições alimentares diversas.

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Combustíveis: de que são feitos e por que custam tão caro?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 abr 2022 08:30 Data de Atualização: 26 abr 2022 18:49

Já faz algum tempo que nos surpreendemos com o aumento do preço da gasolina ao abastecer o carro ou com o valor cobrado pelo gás de cozinha. Mas, afinal, por que será que os combustíveis estão custando tão caro? Para explicar isso, é preciso primeiro entender o que são combustíveis. Esta é a proposta deste post do IFSC Verifica em que entrevistamos o professor de Química do Câmpus Jaraguá do Sul - Centro, Clodoaldo Machado, e o professor da área de gestão e negócios do Câmpus Gaspar, Edmundo Pozes

O que são combustíveis?

Segundo a empresa pública federal de Pesquisa Energética (EPE), combustíveis são substâncias que, ao serem queimadas, produzem calor. Esse calor pode ser utilizado para mover uma turbina nas usinas termelétricas ou para acionar motores de veículos, por exemplo. 

O professor de Química do IFSC, Clodoaldo Machado, explica melhor esta definição:

 

Precisamos de combustível para fazer algo funcionar. E isso vale desde a gasolina para fazer o carro andar até para o alimento que precisamos ingerir para o nosso corpo executar suas funções. 

Tipos de combustíveis

Existem várias classificações para os combustíveis, desde aquelas de acordo com o estado físico até quanto ao calor que é gerado na sua queima. No infográfico abaixo, o professor Clodoaldo destaca as duas classificações mais clássicas quando falamos de combustíveis, que são em relação ao seu estado físico e se é renovável ou não.

Classificação de combustíveis

 

Por que temos diferentes tipos de combustíveis?

A escolha pelo combustível que vai ser utilizado depende da potência, ou seja, da quantidade de calor que é necessária para fazer funcionar adequadamente aquele mecanismo. No caso de veículos automotivos, por exemplo, o mecanismo é o motor do veículo. “Veículos mais pesados, como a frota de ônibus e caminhões, têm motores movidos a óleo diesel porque a queima desse combustível gera quantidade de energia suficiente para fazer locomover esse veículo mais pesado”, explica o professor. “Já veículos mais leves podem usar o gás natural de petróleo, etanol ou gasolina, porque são combustíveis que geram uma quantidade de energia um pouco menor, mas suficiente para sua locomoção”, completa.

Como os combustíveis chegam até nós?

Até os combustíveis serem extraídos e se transformarem nos diversos produtos presentes no nosso dia a dia, são várias etapas. Veja abaixo um exemplo da jornada do petróleo desde a descoberta nos campos de exploração até chegar nas refinarias neste vídeo produzido pela Petrobrás:    

 

Composição dos combustíveis

Cada tipo de combustível tem uma composição química específica, determinada por legislação. No caso do Brasil, quem regulamenta toda a questão é a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O professor Clodoaldo explica que a gasolina comum, ou gasolina do tipo C, por exemplo, é composta de uma mistura de hidrocarbonetos, na qual é adicionada uma quantidade de etanol - álcool - anidro (sem água). Atualmente, a legislação brasileira regulamenta que a gasolina do tipo C deve conter 27% de etanol anidro, sendo que o restante se trata da mistura de hidrocarbonetos. “Portanto, a gasolina comum, assim como a aditivada, é uma mistura de vários compostos químicos, com uma composição específica estabelecida pela legislação”, destaca.

-> Assista aqui ao processo de fabricação da gasolina

Já o etanol combustível é hidratado, ou seja, é uma mistura de etanol e água. De acordo com a legislação atual, o etanol combustível deve possuir um teor de etanol entre 95,1 e 96,0%.  

-> Veja como a cana de açúcar vira etanol e como o etanol chega até você?

É a partir da identificação desses componentes - os compostos químicos - e suas quantidades que é possível verificar se o combustível está sendo vendido com a composição específica correta ou se está adulterado. “Uma adulteração é uma mudança na composição química do combustível”, informa o professor de Química do IFSC. Segundo Clodoaldo, os dois principais tipos de adulteração são quando se adicionam substâncias que não pertencem àquele combustível ou quando a mistura dos combustíveis é usada numa proporção diferente da regulamentada. 

Uma adulteração comum no Brasil, por exemplo, é na gasolina do tipo C que usamos na maioria dos carros. De acordo com a legislação brasileira, a gasolina do tipo C deve ser uma mistura de 75% de gasolina e 25% de etanol. No entanto, uma fraude comum é se misturar etanol numa quantidade maior do que 25% com a gasolina, já que o valor do álcool é mais barato. “Então não se atende a legislação porque está havendo uma adulteração na composição”, reforça o professor.

O controle de qualidade de combustíveis é feito por meio de testes contratados pela ANP.  Infelizmente, é muito difícil para o consumidor detectar a adulteração do combustível ao abastecer seu carro num posto, “Pode ser que você abasteça, comece a andar com o carro e note que ele perde potência”, explica Clodoaldo, destacando que o cliente dificilmente conseguirá ver qualquer alteração. “Obviamente também há uma recomendação expressa de que, quando você tem a venda e comercialização de um combustível com preço muito abaixo do normal, deve ter algum problema”, alerta o professor.

Por que o preço do combustível está tão caro?

E qual seria um preço normal de combustível? Nos últimos meses, foram tantos os aumentos que é preciso entender o que influencia neste valor que chega para a gente.

O professor da área de gestão e negócios do Câmpus Gaspar, Edmundo Pozes, lembra que, em 2016, o Governo Brasileiro inseriu a Petrobrás no mercado internacional. A Petrobrás é a maior empresa petrolífera do Brasil, atuando principalmente na exploração e produção de petróleo e seus derivados e de gás natural. Desde então, as transações com o petróleo seguem as variações do dólar e dos preços do mercado internacional. “A empresa adotou a Política Paritária de Preços, melhorando de sobremaneira a posição dos acionistas, especificamente a distribuição de dividendos. A paridade internacional não é vantajosa para o consumidor quando o dólar está em alta, porque, com a alta do dólar e da inflação, o poder de compra diminui drasticamente”, avalia Edmundo. 

O professor explica que a formação de preços da Petrobrás para os fornecedores é representada pelos seus custos (em reais) mais a parcela de tributos federais e estaduais. A alíquota é cobrada sobre um preço de referência, chamado de Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF), definido pelos governos estaduais a cada 15 dias, com base em pesquisa nos postos. Já os valores pagos pelo consumidor final não estão sob a gestão da Petrobras, mas são compostos pelo preço de importação da gasolina, a carga tributária, o custo do etanol obrigatório e as margens da distribuição e revenda. 

Veja na imagem abaixo como é formado o preço que você paga pelo combustível:

Como é formado o preço que você paga pelo combustível

Os preços dos combustíveis aumentaram nos últimos anos em função da cotação internacional do barril do petróleo. De acordo com Edmundo, a Petrobrás importa petróleo e derivados e repassa os reajustes por conta da política de Preço de Paridade de Importação. É por isso que a alta do petróleo por causa da guerra na Ucrânia, por exemplo, chega ao Brasil. “Realmente os barris de petróleo ficaram mais caros como resultado da guerra e medidas como as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia contra o petróleo e o gás exportados pela Rússia, o segundo maior produtor e exportador de petróleo do mundo.  Logo, devido às sanções, entende-se que a redução da quantidade de petróleo no mercado internacional tende a aumentar os preços”, destaca. O professor salienta que o petróleo é uma commodity e seu preço está atrelado às leis de oferta e demanda. “Dessa maneira, ações que prejudiquem a oferta enquanto existe uma forte demanda fazem os preços aumentarem”, reforça.

Existe alguma chance do preço do combustível baixar?

Para o professor do IFSC, isso não deve ocorrer. “Apesar de produzirmos mais petróleo do que se consome e, mesmo sendo autossuficientes, produzimos um tipo de petróleo para o qual não temos refinarias suficientes para processar nosso tipo de óleo, por isso, ainda precisamos importar petróleo cru e seus derivados como a gasolina”. Edmundo explica que a política da Petrobrás é reajustar todos os preços pelo valor do dólar e preços internacionais. “Por isso, sentimos o efeito de qualquer mudança no valor que se paga pelo petróleo no exterior. A cotação do dólar tem impacto imediato”, constata. 

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ifsc verifica combustível preço da gasolina o que são combustíveis por que o combustível está tão caro composição do combustível

Que mudanças a tecnologia 5G pode trazer para a sociedade?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 mar 2022 14:59 Data de Atualização: 29 mar 2022 19:35

Nós, que passamos boa parte do nosso dia conectados à internet, vamos ouvir falar cada vez mais de um número e uma letra que prometem revolucionar a maneira como nos relacionamos com a rede: 5G. Essa nova tecnologia de redes móveis, que esteve no centro de uma disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo, vai ampliar a velocidade das conexões, permitir mais dispositivos conectados em um mesmo espaço e diminuir o tempo de resposta no tráfego de informações

Isso, claro, terá impacto em nossas vidas, mas a mudança deve ser ainda maior no setor industrial. Já existente em aproximadamente 65 países, o 5G está em fase de implantação no Brasil e deve chegar às capitais de estado até o ano que vem. Para entender quais são os avanços que ele vai permitir, conversamos com dois professores e pesquisadores da área de telecomunicações do Câmpus São José do IFSC. Eles explicaram também o que é a tecnologia 5G, como ela surgiu, onde está mais avançada e como ela pode ajudar no avanço da educação no nosso país

O professor Mário de Noronha Neto tem graduação, mestrado e doutorado em Engenharia Elétrica. Tem experiência na área de comunicações e processamento de sinais, atuando em temas como comunicação digital, tecnologias de comunicação sem fio e aprendizagem de máquina aplicada a sistemas de comunicação

Rubem Toledo Bergamo também tem doutorado e graduação em Engenharia Elétrica, além de mestrado em Segurança do Trabalho, e sua área de pesquisa está focada em rede sem fio em geral, comunicações móveis, redes de acesso sem fio e IoT [sigla em inglês para “internet das coisas”]. Tem experiência nas áreas de comunicações móveis, tecnologias sem fio em geral e sistemas de comunicações ópticas

Mário e Rubem integram um grupo de professores do Câmpus São José que participou em 2021 de um programa de capacitação da empresa chinesa Huawei para ministrar cursos sobre o 5G.

O que é o 5G?

O 5G (sigla que vem de “quinta geração”) é uma evolução das gerações anteriores de tecnologias de redes móveis e telefonia celular, como o 3G e o 4G, com as quais estamos mais habituados. Além de funcionar como meio para conectar pessoas, essa nova geração traz a novidade de conectar “coisas”, segundo o professor Mário de Noronha. “As pessoas vão começar a sentir isso quando ele começar a ser implementado de fato aqui no país. O que esperamos com o 5G é ter novas aplicações e experiências, tanto em nível de usuário, de comunicação pessoal, quanto para a indústria”, diz.

 

Essa tecnologia está ainda na sua primeira etapa de implantação nos países em que já existe. Nela, os usuários têm a experiência de utilizar a rede com uma taxa de transmissão ampliada, ou seja, com mais velocidade. No Brasil, essa fase deve começar em 2023.

Quais são os principais avanços que o 5G vai trazer?

O professor Mário de Noronha destaca três pontos como os grandes avanços do 5G em relação às gerações anteriores: aumento da taxa de transmissão, comunicação de baixa latência e comunicação massiva. No vídeo abaixo, ele e Rubem Bergamo resumem como serão essas melhorias.


 

O acesso à internet será aprimorado pelo 5G com taxas de transmissão (a “velocidade de conexão à rede”) bem maiores que as do 4G. “Estamos falando de taxas de transmissão na casa dos gigabits por segundo. Hoje, em termos de acesso à internet, estamos acostumados a megabits por segundo [um gigabit é mil vezes o valor de um megabit]”, explica. Os tempos para download e upload de arquivos serão bem menores, por exemplo, e imagens em alta resolução ficarão mais acessíveis

O segundo ponto, que Noronha chama de “comunicação de baixa latência e ultraconfiável”, tem relação com o tempo necessário para ocorrer uma ação e uma reação dentro da rede. “Você vai acionar algum dispositivo, vai tatear a tela do seu computador, o tempo de resposta tem que ser muito pequeno para que você tenha uma boa experiência de interação com a internet”, exemplifica. No caso do 5G, o tempo de resposta está na casa de um milissegundo (um segundo dividido por mil), cerca de 50 vezes mais rápido que o 4G

A baixa latência (ou seja, um tempo mais rápido de resposta) do 5G vai permitir experiências com realidade aumentada (tecnologia que permite sobrepor elementos virtuais à nossa visão da realidade) e realidade virtual que hoje não são possíveis. Também abre possibilidades como a de avanços na chamada “internet tátil”, que permite a interação de sentidos humanos com máquinas, envolvendo contato audiovisual e tato. Essa tecnologia é usada, por exemplo, em cirurgias remotas. “São cenários mais futurísticos. É uma segunda etapa de implantação do 5G. Não vamos ver isso logo no começo, mas são inovações que estão previstas”, diz Noronha

O terceiro ponto que Noronha destaca, a comunicação massiva, significa que o 5G vai permitir conectar aproximadamente um milhão de dispositivos por quilômetro quadrado sem que haja prejuízo à taxa de transmissão - uma capacidade que é aproximadamente 100 vezes a do 4G. Esses aparelhos não são só telefones celulares, mas qualquer um que tenha conexão à rede, como câmeras, TVs e carros, entre outros

Há previsões de que, até 2024, cada ser humano vai estar conectado a aproximadamente oito dispositivos na sua casa, conforme conta o professor Rubem Bergamo. Somados a esses aparelhos domésticos, os dispositivos de empresas e das cidades podem fazer com que a marca de um milhão de conexões por quilômetro quadrado seja atingida. “O 4G não foi preparado para essa massificação. O 5G é realmente a rede que está preparada para lidar com essas conectividades massivas, principalmente do que a gente chama de ‘machine to machine’ [de máquina para máquina]”, destaca

Os três avanços trazidos pelo 5G devem ampliar a chamada “internet das coisas” (ou IoT, na sigla em inglês para “internet of things”), ou seja, a conexão de objetos à internet. Esse efeito vai ser sentido principalmente pelas corporações, na visão de Rubem. “Na indústria há a necessidade de monitoramento, muitos sensores, questões de segurança… Às vezes você precisa de uma comunicação com tempo de latência muito baixo. Então, eu vejo o 5G com um grande potencial dentro da indústria. Ele permite a capacidade de gerenciar muito mais dispositivos”, avalia. No uso pessoal da rede, a principal mudança observada deve ser mesmo com relação à velocidade da conexão, acredita o professor

 

Os segmentos da indústria que podem ser mais beneficiados no Brasil são o agronegócio, a telemedicina e as inovações para as chamadas “cidades inteligentes” (cidade que usa tipos diferentes de sensores eletrônicos para coletar dados e usá-los para gerenciar recursos e ativos eficientemente), acredita o professor Mário de Noronha.

A China criou o 5G?

A tecnologia 5G esteve no centro de uma disputa comercial entre China e Estados Unidos. O governo americano chegou a vetar a presença de empresas chinesas de telecomunicações em suas redes e pressionou parceiros comerciais a banirem os equipamentos da companhia Huawei, uma das mais avançadas na nova tecnologia. A alegação foi de que os equipamentos dessas corporações representariam um risco à segurança dos Estados Unidos, já que a China, de acordo com o governo americano, poderia utilizá-los para espionagem ou para interferir no funcionamento da infraestrutura de outros países

A China é, de fato, o país mais avançado na implantação do 5G, conforme o professor Rubem Bergamo, sendo o país com mais cidades já conectadas à nova tecnologia. Isso representa uma mudança em relação ao que ocorreu nas gerações anteriores, quando os Estados Unidos estavam mais avançados em termos de conhecimento e de cidades conectadas. “A China inverteu isso. Então, isso gerou um certo temor [nos EUA], pois antecipar significa que você está um passo à frente em termos tecnológicos. Essa questão de quem criou e quem domina [a tecnologia] também implica questões geopolíticas”, comenta Rubem

No entanto, segundo o professor do Câmpus São José, não é possível dizer onde exatamente surgiu o 5G, pois ele é resultado de diversos avanços tecnológicos originados de pesquisas em todo o mundo. “A tecnologia hoje está compartilhada globalmente”, ressalta. Rubem cita os próprios Estados Unidos, a Finlândia e a Coreia do Sul como outros países de destaque na implantação do 5G

Com relação a preocupações como “espionagem” por parte da China ou de qualquer país por causa do 5G, o professor lembra que hoje todas as informações sobre o que fazemos no mundo digital passam por redes e sistemas que têm proprietários. “Estamos cada vez mais vivendo um ‘Big Brother’. Não podemos deixar de imaginar que estamos sendo monitorados”, afirma

O estágio avançado da China com o 5G e o fato de a Covid-19 ter surgido naquele país acabaram criando um terreno fértil para uma das mais absurdas informações falsas que circularam durante a pandemia: a de que o vírus Sars-Cov-2 estaria sendo transmitido pelo sinal do 5G. Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, houve até depredação de antenas de transmissão do 5G por parte de pessoas assustadas com essa desinformação

No entanto, não há qualquer possibilidade de o vírus, um organismo biológico, ser espalhado por meio de uma tecnologia de comunicação móvel que usa ondas eletromagnéticas. Também não há nenhuma comprovação científica que sustente a alegação de que o 5G poderia prejudicar o sistema imunológico e, com isso, facilitar a infecção pela Covid-19. Trata-se de outra informação falsa

Quando teremos o 5G no Brasil?

O Brasil realizou em novembro de 2021 o leilão das faixas de frequência do 5G - o maior leilão de faixas de frequência de telefonia móvel da história do país, arrecadando quase R$ 47 bilhões. Foram leiloadas quatro faixas, indo de 700 megahertz a 26 gigahertz (sendo a de 3,5 gigahertz a mais usada pelo 5G no mundo). Houve empresas que adquiriram faixas para operação da tecnologia em todo o país e outras apenas para regiões geográficas específicas.

As frequências com que o 5G opera são mais altas que as do 4G, com maior capacidade de transferência de dados, mas alcance mais curto, o que vai exigir maior investimento em estrutura para difusão da nova tecnologia (antenas e outros transmissores) dentro da mesma área geográfica. A previsão é de que até 2023 as capitais de estado tenham acesso à tecnologia

No leilão, foi prevista também a ampliação do 4G, que hoje ainda não atinge cerca de 9% das localidades do território brasileiro, de acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “O 4G é uma rede que ainda vai ficar muito tempo no Brasil. Entendo que vai ser a rede que vai ser mais utilizada pelo acesso da população à rede”, afirma Rubem

Uma característica do 5G que pode permitir sua maior penetração no território brasileiro é a de possibilitar a criação de redes privadas dentro de organizações, operadas por elas mesmas. Na visão do professor Mário de Noronha, isso vai permitir levar a tecnologia a locais no Brasil que hoje são de difícil cobertura por redes móveis

“Talvez seja uma saída para que essa tecnologia chegue a todos os cantos do país. Senão, pode acontecer o que hoje temos com o 4G, que está presente só nos grandes centros”, diz. No modelo de rede gerenciada apenas pelas grandes operadoras de telefonia móvel, áreas que são vistas por elas como economicamente inviáveis (demandam muito investimento em estrutura para levar o 5G, mas dão pouco retorno financeiro) podem ficar descobertas, alerta Noronha. Para poder acessar o 5G, o usuário precisará, além de ter a oferta da tecnologia no local onde vive, adquirir dispositivos compatíveis com a tecnologia

Na opinião de Rubem Bergamo, o leilão das faixas de frequência do 5G poderia ter avançado mais em relação a metas de aumento do acesso dos brasileiros à internet. Uma estratégia que poderia ter sido usada, diz, seria o compartilhamento de rede, permitindo que pequenos provedores operassem redes privadas em áreas geográficas específicas, em vez de a operação ficar com apenas grandes empresas.

O 5G vai ajudar a melhorar a educação?

Os professores do Câmpus São José consideram que o 5G pode ajudar a trazer avanços para a educação brasileira. Rubem Bergamo acredita que a melhoria do acesso à internet tem um impacto positivo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de uma população. “Cada vez mais, a falta de acesso à internet faz com que a educação fique desamparada”, afirma. Ele destaca que esse acesso não pode ser precário, mas de boa qualidade

Para Mário de Noronha, com melhor acesso à internet, pode haver melhoria na educação a distância, com novas possibilidades de repassar o conteúdo para os estudantes. “Você pode dar acesso ao aluno a coisas que ele não tem hoje, como, por meio da realidade aumentada, entender como funciona uma máquina”, exemplifica

A educação foi lembrada no leilão das faixas de frequência. Nele, foi colocada a obrigação para as empresas que arremataram lotes na faixa de 26 megahertz de investir num programa de implantação de conexão à internet nas escolas públicas de educação básica

No entanto, a arrecadação para esse programa por meio do leilão foi inferior ao esperado inicialmente pelo governo federal, pois alguns lotes da faixa de frequência não tiveram interessados. “Isso acaba prejudicando porque, o que era uma meta de acesso às escolas de educação básica por essa faixa de frequência, já fica comprometida”, lamenta Rubem.

Para saber mais

- Live “5G e a conectividade com IoT” (parte da programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Câmpus São José em 2021)
- Live “5G, Cloud e IA: os próximos passos para um mundo mais conectado” (parte da programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Câmpus São José em 2021)
- Página do Ministério das Comunicações sobre o 5G
- Neste post, consultamos fontes do IFSC que atuam no curso técnico em Telecomunicações (integrado e subsequente) e no curso de graduação em Engenharia de Telecomunicações, ambos ofertados pelo Câmpus São José do IFSC. Conheça os projetos pedagógicos desses e de outros cursos no nosso Guia de Cursos.

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5g redes móveis telefonia móvel

Como as mudanças climáticas impactam a nossa vida?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 02 mar 2022 11:09 Data de Atualização: 03 mar 2022 19:39

Estiagem prolongada no Sul do Brasil, chuvas torrenciais no Nordeste e Sudeste, longos períodos de calor extremo, nevascas e incêndios sem precedentes em países do hemisfério Norte. Notícias de fenômenos climáticos extremos têm chamado cada vez mais a atenção nos últimos anos, em todo o mundo, e é meio inevitável ficar com aquela sensação de que a natureza está fora do controle. Mas será que é isso mesmo?

O relatório divulgado nesta segunda-feira (28 de fevereiro) pelo grupo de trabalho 2 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) indica que as mudanças climáticas, cujo processo tem a ação humana como componente decisivo, já estão impactando a vida de bilhões de pessoas ao redor do planeta e provocando prejuízos irreversíveis para o meio ambiente.

Na apresentação do relatório, em Berlim (Alemanha), o presidente do IPCC, Hoesung Lee, afirmou que as mudanças climáticas são uma ameaça crescente para o bem-estar das pessoas e a saúde do planeta. “Nossas ações atuais vão moldar como as pessoas se adaptam e a natureza reage a riscos climáticos crescentes”, disse o economista sul-coreano.

Assinado por 270 autores de 67 países, o documento destaca os impactos socioeconômicos advindos do processo de mudança climática, como aumento da pobreza, agravamento da fome, movimentos migratórios, maior ocorrência de eventos extremos como enchentes, tempestades e estiagens. Para os cientistas, o enfrentamento dessa série de desafios envolve os governos, o setor privado e a sociedade civil, numa união de esforços que inclui, também, iniciativas locais.

Como podemos mitigar esses efeitos com ações locais?

Conversamos com especialistas para saber o que está acontecendo com o nosso clima e também para entender como essas mudanças nos afetam. Além disso, tentamos refletir sobre o nosso papel como cidadãos, das empresas e poder público tanto na mitigação da ação do homem sobre as mudanças climáticas quanto no enfrentamento de desastres ambientais e seus efeitos.

O professor Michel Nobre Muza, doutor em meteorologia, explica o que são mudanças climáticas e aquecimento global. A professora doutora em saúde e doenças ocupacionais e engenheira sanitarista Maurília de Almeida Bastos alerta que eventos extremos, como as chuvas que caíram sobre a cidade de Petrópolis (RJ) em fevereiro deste ano - desastre ambiental mais grave da história da cidade, com mais de 200 mortos -, serão cada vez mais frequentes, e fala sobre as medidas que precisam ser tomadas para que tragédias não aconteçam.

Também conversamos com o coordenador do curso superior em tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, Juliano Gomes, e o egresso André Candian Moreira, sobre o que é desenvolvimento sustentável e o papel dos profissionais da área ambiental na preservação do meio ambiente.

Mudanças climáticas e aquecimento global

As mudanças climáticas são um consenso no meio científico, que há pelo menos 30 anos vem acompanhando com mais atenção os efeitos da aceleração no aumento da temperatura média da Terra – o chamado fenômeno do aquecimento global. Os cientistas do IPCC, órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), produzem periodicamente relatórios sobre a situação do planeta. Desde o início dos trabalhos, em 1988, já foram lançados vários alertas sobre os problemas que serão enfrentados caso o aquecimento provocado pelo efeito estufa não seja mitigado.

O professor Michel Nobre Muza, que é doutor em meteorologia e atua no Câmpus Florianópolis, explica que a expressão “mudanças climáticas” é bastante ampla: envolve desde estudos a respeito do clima da Terra em outras eras geológicas, feitos por meio de perfurações nas geleiras, até pesquisas sobre as mudanças naturais sofridas pelo clima do planeta no último século. No vídeo abaixo ele explica essa questão:

Mas se as mudanças climáticas podem ser vistas como um processo natural, por que há tanto alarme em torno desse assunto?

O professor Michel explica que já faz alguns anos que os cientistas identificaram que o aumento da temperatura da Terra vem ocorrendo de forma mais acelerada do que na era pré-industrial. Segundo ele, o relatório divulgado pelo IPCC em 2007 pode ser considerado o marco para o consenso científico em torno da interferência humana na aceleração do aquecimento global.

Isso ocorreu em função da evolução da tecnologia para obtenção de informações climáticas, segundo o professor. Os chamados modelos climáticos consideram variáveis como a vegetação, os oceanos, ciclo da água, entre muitos outros, para desenhar os prognósticos para o clima terrestre. “São ferramentas computacionais que usam os elementos da física, da química, das leis de termodinâmica, equação de movimento, forças, para se modelar, estimar esse clima terrestre”, descreve.

Com a aplicação desses modelos, a comunidade científica concluiu que a inclusão das atividades humanas entre as variáveis – ou seja, os resultados da atividade humana como emissão de gases que provocam o chamado efeito estufa, urbanização, impermeabilização do solo, entre outros elementos – faz com que os prognósticos de aumento de temperatura da Terra cresçam de forma alarmante. “Esses modelos mostraram que com a inserção das atividades humanas, havia uma tendência positiva [de aumento na temperatura do planeta]. Então foi a evidência decisiva para esse consenso científico”, explica o professor Michel Muza.

O que é o efeito estufa?

Quem está acordado nos últimos anos certamente já ouviu falar sobre os efeitos nocivos da emissão de gases poluentes na atmosfera – aqueles provenientes dos automóveis, da pecuária, de atividades industriais. Mas por que a emissão de gases desencadeia esse processo de aquecimento da Terra?

A explicação está no processo de aquecimento “normal” do planeta pela incidência da energia solar, esclarece o professor Michel. A radiação solar passa pela atmosfera e atinge a superfície, onde é absorvida de forma bastante efetiva. “Uma forma dessa energia absorvida pela superfície é fundamental para o aquecimento do solo e até mesmo para o crescimento das plantas”, ressalta Michel. Outra parte dessa energia é refletida e deveria se dissipar na atmosfera, mas é bloqueada pelo acúmulo de gases na atmosfera, tais como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4).

“Ou seja, não é só o Sol que aquece a atmosfera, mas também a própria Terra, quando transforma essa energia, absorve e emite em outro tipo de radiação, que é a infravermelha. O efeito estufa é o aprisionamento dessa radiação, principalmente a infravermelha, entre a atmosfera e a superfície”, descreve. “Isso é bom para o planeta, porque se não fosse essa camada a temperatura da superfície seria extremamente fria, inviabilizando a vida. Mas o que está acontecendo com o aumento dos gases de efeito estufa é a intensificação desse fenômeno. E o aumento é muito grande. Dados históricos mostram que a Terra nunca experimentou esse grau de concentração de gases como se está vivendo agora”, analisa o professor.

Como o aquecimento global se relaciona com eventos extremos?

Os trabalhos científicos mais recentes a respeito das mudanças climáticas – em especial os do IPCC – indicam um prognóstico preocupante, envolvendo a maior ocorrência de eventos extremos, como chuvas intensas, vendavais, ondas de calor e de frio, tempestades e estiagens.

No relatório divulgado em agosto de 2021 pelo grupo de trabalho 1 do IPCC, assinado por cientistas de 65 países, a previsão é que os eventos extremos ocorram cerca de 40 vezes mais do que ocorreriam num hipotético cenário climático sem a influência da atividade humana. Além disso, o prognóstico inclui o aumento do nível dos oceanos – o que poderia impactar áreas de ocupação humana em maior ou menor escala, a depender da relação entre aumento da temperatura da Terra e elevação do nível do mar.

De acordo com o professor Michel Nobre Muza, a relação da temperatura da Terra com os eventos extremos se explica com a energia cinética. “Aumentando o aquecimento do planeta, isso resulta em maior energia cinética, relacionada aos ventos, e isso pode ser sentido principalmente em relação às tempestades. A hipótese desse aumento dos eventos extremos está muito relacionada ao aumento dessa energética, um planeta com maior energia. O planeta tenderia a um novo equilíbrio, mas forçando a esses eventos extremos, de ondas de calor, frio, precipitação e estiagem. Seria uma mudança do padrão climático em relação a essas variáveis”, destaca.

Se os eventos extremos são uma realidade, o que podemos fazer?

Como devemos nos preparar para enfrentar eventos climáticos extremos? São múltiplos fatores que devem ser levados em conta. Pensando somente na concentração de chuvas que ocasionaram os desastres ambientais no Sudeste e Nordeste brasileiro no início do ano, conversamos com a professora doutora e engenheira sanitarista do Câmpus Florianópolis, Maurília de Almeida Bastos.

Analisando as enxurradas que ocorreram no início do ano no Sudeste e Nordeste do país, especialmente Petrópolis (RJ), a professora Maurília explica que há tecnologias básicas de controle de cheias que podem evitar essas tragédias, porém, não houve investimento do poder público para implementá-las. Em primeiro lugar, deveria haver a preocupação com o planejamento urbano, de não se permitir a construção de casas em áreas de risco, como encostas.

Obras estruturais, como canais e reservatórios de água da chuva, saneamento básico com escoamento adequado e controle da impermeabilização do solo (utilização de pavimentos alternativos ao asfalto, por exemplo) são imprescindíveis para evitar danos causados pelas enxurradas. “Olhando aquelas ruas em Petrópolis, elas eram um canal, por onde aquela água passava. Que estrutura deveria ter? Uma estrutura de drenagem urbana”, explica a professora. Outra medida necessária é a coleta seletiva do lixo: resíduos acumulados entopem os bueiros e dificultam o escoamento. Nesse quesito, a população também pode ajudar, descartando corretamente o lixo, não deixando-o ir para as vias públicas.

De acordo com a professora, o que falta é um planejamento e investimentos a longo prazo. A necessidade de se realizar investimentos só é lembrada quando as grandes tragédias acontecem. Ela cita dados da Associação Contas Abertas de que o investimento federal em prevenção de tragédias ambientais foi de R$ 3,5 bilhões em 2013, e em 2021, foi de apenas R$ 1,130 bilhões. Leis como a 10.257/2001, que estabelece diretrizes de política urbana, e a Lei do Saneamento, são importantes, porém, é preciso haver mais investimentos.

Além disso, a tecnologia que temos hoje no Brasil permite que eventos extremos sejam monitorados e previstos. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas e Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, é responsável por monitorar e alertar regiões de risco em casos de eventos extremos (chuvas fortes, ventos, estiagens, entre outros). Porém, segundo a professora Maurília, ter apenas um centro de alerta não é suficiente se não houver infraestrutura. Em Santa Catarina, por exemplo, há uma Defesa Civil bem estruturada e atuante, mas muitos pontos de risco devem receber planejamento e investimentos para que tragédias como a de 2008 no Vale do Itajaí não voltem a se repetir.

Combater as mudanças climáticas exige uma nova forma de pensar?

Mitigar as mudanças climáticas envolve questões ambientais, econômicas e sociais, que podem ser resumidas em um conceito muito difundido ultimamente: o desenvolvimento sustentável, ou seja, um desenvolvimento que dá conta das necessidades que as pessoas têm no presente sem comprometer as gerações futuras.

E nós, o que podemos fazer para contribuir com o desenvolvimento sustentável? Mudanças de hábitos de consumo e cobrar do poder público ações mais efetivas podem ser algumas das saídas, segundo a professora Maurília. O professor Michel Muza, da Meteorologia, resume o termo “ambientalismo” como a ideia de que a soma de esforços particulares, individuais, pode trazer mudanças globais. Ele destaca que a educação ambiental compreende múltiplos aspectos relacionados a atitudes individuais e comunitárias, como reduzir o uso de transporte individual, economizar água e energia elétrica, reduzir a produção de resíduos sólidos. 

O engenheiro sanitarista e coordenador do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, Juliano Gomes, explica que promover a educação ambiental é uma das atribuições do gestor ambiental. Durante o curso, o tema é tratado em diversas disciplinas e em projetos de pesquisa e extensão.

O tecnólogo em Gestão Ambiental André Candian Moreira, egresso do IFSC, acredita que a questão ambiental deveria estar nos currículos de todos os cursos superiores: “Muitos conceitos que a gente aprende lá, que é sustentabilidade. Esse conceito é baseado em um tripé social, econômico e ambiental, e ele só funciona quando os três estão em equilíbrio”. Candian explica que qualquer atividade humana causa impacto sobre o meio ambiente. O que é importante questionar é se essas atividades são sustentáveis, se estão consumindo recursos que poderão se tornar escassos ou inexistentes para as gerações futuras. “O que estamos sendo obrigados agora é pensar na manutenção da espécie, não somente em manter o nosso conforto”, alerta.

A professora Maurília destaca ainda que o problema ambiental não deve ser dissociado de questões sociais. Um exemplo são os catadores de material reciclável. Eles têm um papel importante em separar esses materiais, mas na maioria das vezes trabalham em condições precárias. “Essas pessoas, por que elas estão na rua? Precisaria de um amparo, de um acompanhamento. Tem que ter um trabalho mais próximo a elas”, completa.

Como os profissionais da área contribuem para o desenvolvimento sustentável?

Ter consciência da necessidade de um desenvolvimento sustentável é algo tratado também nos cursos do IFSC voltados ao meio ambiente. Segundo o professor Juliano Gomes, o gestor ambiental é o profissional responsável por criar, desenvolver e executar programas de educação ambiental nas empresas. Além disso, é o profissional responsável por coordenar equipes de licenciamento ambiental, programas de gestão ambiental e certificações.

Assim, para contribuir no processo de mitigação das mudanças climáticas, o profissional pode, nos seus projetos, prezar pelo uso racional de veículos que utilizem combustíveis fósseis, substituir o uso de derivados de petróleo, preferir fornecedores locais de matéria-prima, reutilização de resíduos, evitar desperdícios, entre outras ações que podem ser incorporadas para diminuir o impacto ambiental das atividades econômicas. “São várias ações que se tomam em um sistema de gestão ambiental para que no final a empresa tenha o selo verde”, explica Juliano.

O professor destaca também que a cobrança por boas práticas ambientais pelas empresas é algo relativamente recente e começou por exigência de leis e certificações, como os certificados ISO (International Organization for Standardization, ou Organização Internacional para Padronização, em português). Ao longo do tempo, muitas empresas perceberam que fazer gestão ambiental também representa economia e competitividade, aumentando assim a demanda por profissionais da área.

A professora Maurília é professora do curso técnico em Saneamento e do curso de Engenharia Civil. Nos dois cursos os alunos têm disciplinas que abordam os impactos ambientais. “Somos uma instituição que oferece no curso de Engenharia Civil disciplinas na área ambiental, como drenagem urbana, saneamento e gestão ambiental. Não que eles estão tirando o mercado de outros profissionais, mas para eles tenham condições de trabalhar nessa linha adequadamente e para que possam trabalhar em conjunto”, explica.

A necessidade de profissionais formados em áreas que atuem com a questão ambiental permeia outros setores, como por exemplo o turismo. Juliano explica que muitos alunos do curso de Gestão Ambiental em Garopaba são formados e trabalham como guias de turismo e fazem um papel importante na educação ambiental.

No setor público, ele acredita que uma maior cobrança da população vai abrir espaço para práticas ambientais corretas e contratação de profissionais. Ele cita o exemplo de Garopaba, onde está sendo criado o Instituto do Meio Ambiente municipal, um órgão fiscalizador e licenciador.

Veja o vídeo com o professor Juliano e o egresso André, que explicam melhor a atuação do profissional de Gestão Ambiental:

Além dos cursos específicos que abordam a questão ambiental, esse é um assunto que permeia disciplinas em outras formações. No Câmpus Florianópolis-Continente, por exemplo, os cursos técnicos em Eventos e Culinária e o curso superior de tecnologia em Gastronomia abordam questões como neutralização de carbono em eventos, impactos das mudanças climáticas na produção de alimentos, entre outros temas que permeiam as questões ambientais.

Dessa maneira, segundo o egresso de Gestão Ambiental André Candian Moreira, a preocupação com o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental devem estar presentes em todos os cursos e atividades profissionais para que seja possível mitigar os efeitos da ação do homem sobre o planeta.

Para você saber mais

-> Explore o site do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com conteúdo original em inglês, russo, francês, espanhol, árabe e chinês. Lá é possível acessar todos os relatórios do órgão e consultar dados e diferentes tipos de materiais.

-> Veja matéria com professores do IFSC sobre a relação entre estiagem e desflorestamento

-> Neste post, consultamos fontes do IFSC que atuam nos cursos de Meteorologia, Saneamento (técnicos), Clima e Ambiente (mestrado), Gestão Ambiental (superior de tecnologia) e Engenharia Civil (bacharelado). Conheça os projetos pedagógicos desses e de outros cursos no nosso Guia de Cursos.

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mudanças climáticas aquecimento global eventos extremos sustentabilidade desenvolvimento sustentável

Como a educação profissional pode contribuir para o combate à desinformação?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 22 dez 2021 17:21 Data de Atualização: 23 dez 2021 16:58

Chegamos ao final do segundo ano de publicações do IFSC Verifica, canal de comunicação científica concebido pela equipe da Diretoria de Comunicação do IFSC para combater a desinformação, no contexto da pandemia de Covid-19.

Desde maio de 2020, quando demos início ao então projeto de extensão, até o final de 2021, publicamos 43 posts com o objetivo de disponibilizar aos nossos leitores informação qualificada, clara e confiável sobre a pandemia. Foi e tem sido um trabalho desafiador, já que os avanços da ciência, as lições e as dúvidas em torno dos muitos aspectos desse tipo de situação se renovam a cada dia.

Olhando em perspectiva, percebemos o quanto aprendemos desde o primeiro semestre de 2020, quando as vacinas ainda estavam sendo desenvolvidas e as características da nova enfermidade iam sendo compreendidas. Neste fim de 2021, já não há como contestar que os cuidados de prevenção, aliados à proteção proporcionada pelas vacinas, levam a um cenário mais otimista em relação à ideia de que, sim, a pandemia pode ser controlada.

Contamos, desde o início, com o apoio essencial do corpo de pesquisadores do IFSC, que foram nossas fontes prioritárias de informação em tudo o que abordamos em torno da pandemia nesses 20 meses. Sem a generosidade desses docentes e técnicos, que compartilharam seus conhecimentos e nos ajudaram a entender melhor o que estávamos vivendo, não teríamos obtido resultados relevantes – expressos, inclusive, na conquista de três troféus no Prêmio Fapesc de Jornalismo em Ciência, Tecnologia e Inovação e a condição de finalistas na etapa estadual do Prêmio Confap. O bom desempenho de nossas publicações nesses concursos importantes é, para nós, sinal de que todo o esforço em busca de informação qualificada cumpriu seus objetivos.

Que venha 2022, com mais combate à desinformação

A partir do próximo ano, o IFSC Verifica mantém seu propósito de contribuir socialmente para o combate à desinformação, valorizando o conhecimento científico, a tecnologia e a inovação. Optamos, porém, por ampliar o leque temático de nossas publicações, passando a abordar assuntos para além da pandemia de Covid-19, que foi o motor de nossas pautas nos meses iniciais.

Percebemos que há muito a contribuir quando se trata da necessidade de educação para a ciência em nossa sociedade. Vale lembrar o cenário atual de questionamentos em relação às finalidades do trabalho científico, como já abordamos neste post do Blog do IFSC. E retomar, também, os impressionantes dados da pesquisa “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil”, lançada em 2019, que mostrou que, embora a maioria (73%) das pessoas pensem que a ciência e a tecnologia trazem benefícios à sociedade, um percentual ainda maior (90%) não sabe citar o nome de um cientista brasileiro, ou não consegue identificar (88%) uma instituição nacional que faça pesquisa científica.

Em outras palavras, embora o senso comum reconheça a importância da ciência e os benefícios que ela traz à sociedade, as pessoas tendem a apresentar dificuldade para perceber o quanto de ciência existe em seu cotidiano. Para o professor do Câmpus São José Marcelo Girardi Schappo, que atua na área de Física e desenvolve projetos de divulgação científica em diversas frentes, isso é indicativo da grande necessidade que temos hoje de educação para a ciência. “Há um desafio enorme a ser superado, ou seja, se as pessoas não conhecem a ciência, elas não têm como reconhecer os produtos e os benefícios da ciência dentro da vida delas”, observa o professor. No vídeo abaixo, ele fala um pouco mais sobre a importância de que as pessoas percebam a relação entre ciência e cotidiano.

Internet, pseudociências e desordem informacional

Além do aparente sentimento de afastamento nutrido pelas pessoas em relação à ciência, outro desafio a enfrentar é o que os estudiosos da área da comunicação têm chamado de “desordem informacional” – que tem as populares “fake news” como a sua manifestação mais saliente – outro post do Blog do IFSC, em 2020, abordou esse tema.

Impulsionadas pelo maior acesso que as redes digitais disponibilizam, as “fake news” – ou, dizendo de maneira mais apropriada, a desinformação – são criadas com intenção maliciosa, no intuito de confundir, tirar a credibilidade de instituições ou pessoas e disseminar mentiras. A desinformação é o principal veículo para a alimentação de teorias da conspiração e ideias de descrédito ao conhecimento científico. Dois exemplos expoentes, que todos já devem ter ouvido falar, são a ideia da Terra plana e o movimento anti-vacina. Mas há muitos outros: os que questionam as mudanças climáticas, aqueles que justificam preconceitos raciais e de gênero com argumentos supostamente biológicos, os que sustentam a hipótese criacionista e rechaçam a teoria da evolução das espécies, a imensa quantidade de pessoas que acreditam na astrologia – que Schappo define como “a Terra plana socialmente aceita” e os negacionistas do holocausto.

Para o professor Marcelo Schappo – que se dedica intensamente a ações educativas que combatam mitos e pseudociência -, o negacionismo da ciência e as teorias da conspiração não surgiram com a internet. Tanto a “Terra plana” quanto o negacionismo dos benefícios da vacina são ideias bastante anteriores à popularização das redes digitais. “O que a internet trouxe foi a possibilidade desses negacionistas se encontrarem, de formarem grupos e, com isso, ganharem força, voz e visibilidade”, analisa.

Além disso, os algoritmos das mídias sociais também tendem a mostrar para os usuários apenas os conteúdos relacionados ao que eles costumam acessar, o que não favorece o pensamento crítico e a consulta a ideias de contraponto. “Por outro lado, é inegável que a internet permite de forma muito abrangente que o conhecimento científico de qualidade também seja disponibilizado. Então o problema não é a internet, ela não é a vilã da história. Muita gente hoje se informa por redes sociais, mas em canais que têm credenciamento científico e idoneidade”, complementa o pesquisador.

Existe luz no fim do túnel?

Contra a desinformação, a melhor estratégia de combate é a informação qualificada, clara e confiável, democratizada em veículos de acesso livre, produzida a partir de fontes idôneas e apresentada em linguagem acessível. São muitas as iniciativas que têm se apresentado com esse perfil em veículos de comunicação, programas de divulgação científica e mesmo nas redes sociais, onde cientistas, professores e pesquisadores têm cada vez mais disponibilizado conhecimento qualificado em seus perfis.

O IFSC Verifica pretende ser mais uma alternativa de informação científica qualificada em meio à pandemia de desinformação. Enquanto instituição de educação profissional, científica e tecnológica, o potencial do IFSC na produção e compartilhamento desse tipo de conhecimento é imenso: afinal, atuamos num amplo leque de níveis de ensino, numa gama muito grande de eixos tecnológicos e áreas do conhecimento.

“O IFSC faz um trabalho de excelência na questão de geração de conhecimento. Eu acredito que o IFSC, com sua abrangência e capilaridade e, principalmente, com a marca dos institutos federais, que é a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, tem muito a contribuir com a questão do combate à desinformação”, analisa a pró-reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação do IFSC, Flávia Maia Moreira – professora da área de Ciências Biológicas no Câmpus São José.

Flávia destaca que a natureza das atividades do IFSC favorece a interdisciplinaridade, e isso representa também grande potencial para a abordagem de assuntos relevantes para a sociedade. “A proximidade entre as diferentes áreas é um diferencial do IFSC e da Rede, com muitas possibilidades de articulações de projetos”, ressalta. O conhecimento produzido dentro da instituição tem na extensão um dos caminhos para impactar a sociedade, além da disponibilização de informações em linguagem acessível, por meio da divulgação de ciência e tecnologia. 

O professor Marcelo Schappo tem percepção semelhante. “O IFSC é um berço de informação, tanto na própria questão da produção de conhecimento, pois temos pesquisadores de ponta nas mais diversas áreas, como também com o corpo de jornalismo bastante capacitado para comunicar o conhecimento com palavras acessíveis ao público que nos acompanha. A simbiose é perfeita”, elogia. Schappo observa também que esse potencial se estende a todas as instituições de ciência e tecnologia, em especial as universidades públicas e institutos federais. “Aqui a gente pode atacar vários mitos, pseudociências e desinformação de forma proativa”, acrescenta.

Continue acompanhando o IFSC Verifica

Faremos uma pausa estratégica durante o mês de janeiro para reorganizar nosso canal, e também para aproveitar um pouco as férias escolares (todos merecemos!). Em fevereiro, o IFSC Verifica retorna às suas publicações mensais, sempre buscando desmistificar questões delicadas e esclarecer assuntos do nosso dia a dia, à luz da ciência e da tecnologia. Continue conosco e vamos em frente!

Saiba mais

A pandemia de Covid-19 e a onda de desinformação nos obrigam a um constante aprendizado. Saiba mais sobre a importância da informação no Blog do IFSC e no IFSC Verifica.

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Variantes podem dificultar o controle da pandemia de Covid-19?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 jul 2021 09:11 Data de Atualização: 02 dez 2021 17:12

Quando parte do mundo já vivenciava um certo alívio em relação à pandemia de Covid-19, com sinais de retorno à normalidade principalmente por conta da vacinação, as variantes voltaram a impor barreiras. No meio do ano, a variante Delta levou países como Israel e Austrália, que já haviam relaxado medidas restritivas, a exigir novamente máscaras e até decretar lockdowns. Com a variante Omicron, detectada em novembro, diversos países restringiram voos e reforçaram medidas para conter a proliferação do vírus. No Brasil, festas de fim de ano e de carnaval estão sendo canceladas.

O alerta para o risco das variantes tem sido feito ao longo da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em julho, a entidade havia declarado que "em breve" a variante Delta seria predominante no mundo, o que se concretizou quatro meses depois. Um dos motivos de preocupação era - e continua sendo - o ritmo lento de vacinação e o alto número de casos diários em muito países. E, enquanto o vírus circular na população, outras variantes podem surgir.

Mas como elas surgem? São necessariamente mais transmissíveis ou letais? As vacinas disponíveis dão conta de proteger a população contra elas? Para responder essas e outras perguntas sobre as mutações do Sars-Cov-2, conversamos com dois especialistas no assunto: o doutor em Bioquímica e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emanuel Maltempi de Souza, e o doutor em Biotecnologia e Biociências, pesquisador do Laboratório de Bioinformática da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Glauber Wagner. O primeiro faz parte de um grupo que está desenvolvendo uma vacina 100% nacional. O segundo participa de um programa para identificar variantes que circulam em Santa Catarina.

Neste post, juntamente com informações da OMS, da Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina e da Fiocruz, serão respondidas as seguintes questões:

- O que é uma variante do vírus? 
- Como ocorrem as mutações e quando elas caracterizam uma variante?
- Uma variante é necessariamente mais transmissível ou mais letal? 
- As mutações dificultam o controle da pandemia?
- Como as variantes são detectadas?
- Quais variantes mais preocupam?
- Sintomas das variantes são diferentes? 
- A vacinação pode ajudar a conter essa multiplicação de variantes?
- É possível que essas mutações deem origem a um novo vírus, ou seja, diferente do Sars-Cov-2?
- Como fica a eficácia das vacinas diante das variantes?

Mutações já eram esperadas?

Sim! E não é porque estamos falando de um vírus. Todos os organismos sofrem mutação – alguns mais, outros menos. Isso vale para animais, plantas, bactérias, etc. No caso do Sars-Cov-2, ele precisa invadir uma célula do corpo humano para se replicar e é nesse processo de fazer cópias que ocorrem os erros. São as mutações. E por incrível que possa parecer, o novo coronavírus não tem a maior taxa de mutação conhecida, até entre os vírus. 
 
"A taxa de mutação nem é tão grande. É um erro a cada milhão ou 10 milhões de vírus copiados. Isso significa que tem que produzir muitos desses vírus, mas cada paciente está produzindo milhões deles. Então você pode ter certeza que uma pessoa que teve Covid gerou vírus com mutações", esclarece o bioquímico Emanuel Maltempi de Souza.

Agora imagine a quantidade de mutações geradas nos mais de 190 milhões de pessoas que já contraíram a doença no mundo. Esse é o número oficial de infectados, segundo levantamento da OMS. Vale ressaltar ainda que um grande percentual de casos é de assintomáticos e em muitos países o registro não traduz a realidade da pandemia.

Apesar do grande número de mutações, a maioria delas não é significativa e não altera a forma como o vírus age. Entre aquelas que têm importância, geralmente o erro é prejudicial para o vírus, deixando-o menos competitivo que o original. "Mas, de vez em quando, a mudança pode deixar o vírus melhor para determinada função. Melhor pra ele, pior pra gente", afirma Emanuel. 

O pesquisador Glauber, da UFSC, explica que ao longo do tempo o acúmulo de mutações promove alterações nas proteínas do vírus, o que acaba agregando uma característica diferente ao organismo, como reconhecer e invadir mais facilmente a célula ou se replicar mais rapidamente. Uma ou mais mutações podem dar origem a uma variante, que se caracteriza por apresentar propriedades diferentes do vírus original. Segundo a OMS, entre as características dessas novas cepas - conjuntos de variantes que se comportam de forma diferente do vírus original - estão a facilidade com que ela se espalha, a gravidade da doença ou o desempenho de vacinas, medicamentos, ferramentas de diagnóstico ou outras medidas de saúde pública e sociais. 
 
No vídeo abaixo, os pesquisadores Emanuel e Glauber explicam como ocorre a mutação:

 

-> Diante de tantos termos novos, o IFSC Verifica produziu um post com palavras e expressões comuns na pandemia.

Variantes começaram a surgir em 2020

A evolução do Sars-Cov-2 tem sido acompanhada ao longo da pandemia por especialistas, instituições e grupos de pesquisa do mundo todo. No final do ano passado, começaram a ser identificadas variantes que representavam um risco maior à saúde pública, o que levou a OMS a caracterizá-las em Variantes de Interesse (VOIs, da expressão em inglês “variants of interest”) e Variantes de Preocupação (VOCs, da expressão em inglês “variants of concern”). Veja o que esses termos significam:

Variante de Preocupação: é aquela que apresenta mudanças em relação ao vírus original e que está associada a uma ou mais das seguintes alterações:
- Aumento da transmissibilidade ou alteração prejudicial na epidemiologia da Covid-19;
- Aumento da virulência ou mudança na apresentação clínica da doença; 
- Diminuição da eficácia das medidas sociais e de saúde pública ou diagnósticos, vacinas e terapias disponíveis.

Variante de Interesse: tem no seu genoma mutações que alteram a forma como o vírus age, além de ter sido identificada como causadora de transmissão comunitária, de múltiplos casos ou detectada em vários países. São variantes que precisam de um estudo mais aprofundado.

Nova nomenclatura para evitar estigmas

Em maio deste ano, a OMS promoveu uma mudança na nomenclatura das variantes, que normalmente recebem a identificação por letras e números. Para facilitar o entendimento pela população de forma uniforme em diferentes partes do mundo e evitar o preconceito em relação a países onde elas foram descobertas, as variantes estão sendo batizadas com letras do alfabeto grego.

Assim, alfa, gama, delta e lambda passaram a ser nomes recorrentes no noticiário sobre a pandemia de Covid-19. A variante de Manaus, por exemplo, agora é chamada em todo o mundo de Gama.

Variantes de preocupação desigandas pela OMS:

O pesquisador Emanuel chama atenção para os locais em que estas variantes - de preocupação e de interesse - surgiram: "Apareceram, ou foram pelo menos descritas na primeira vez, em países ou locais em que a doença estava descontrolada: Manaus, Reino Unido, Estados Unidos, África do Sul, Índia... As principais variantes surgiram nestes lugares porque estatisticamente é onde tinha maior probabilidade de acontecer." Ou seja, em locais em que muitas pessoas estavam infectadas e gerando cópias do vírus. 

Ele explica ainda que "se aparecer um paciente entre 10 mil com um vírus um pouquinho diferente isso não parece ser importante porque essas mutações acontecem. Agora se começa a aparecer 1% dos pacientes com o mesmo tipo de variante, aí se torna uma variante de interesse. Se esse percentual começa a crescer e essa variante passa a prevalecer numa comunidade, então é uma variante de preocupação."

Monitoramento de variantes é fundamental para evitar novos surtos

Pesquisadores e organizações de vigilância epidemiológica de todo o mundo têm reforçado a necessidade de se monitorar o aparecimento de variantes para que políticas públicas de contenção possam ser aplicadas a tempo, antes que as novas cepas se espalhem e causem surtos da doença. Entre as medidas, estão as restrições de voos originários de países em que alguma variante esteja prevalecendo e o reforço nas medidas de prevenção. Uso de máscaras e distanciamento físico continuam sendo as ações mais recomendadas também para evitar a proliferação das variantes.

"É crucial saber onde está circulando uma variante e quais as características dela para redobrar cuidados, estabelecer bloqueios. O correto seria tentar conter essa variante no local, evitando que se espalhe. Agora, por exemplo, muitos países estão restringindo ou bloqueando voos originários da Índia por conta da variante Delta", afirma Emanuel. Segundo ele, as restrições no Brasil ainda são muito insignificantes para evitar que a variante se espalhe pelo país.

Os pesquisadores Emanuel e Glauber explicam no vídeo abaixo como é o processo de sequenciamento genético para identificar variantes. 

Sequenciamento do genoma é feito em amostra mínima

Em Santa Catarina, o último boletim da Vigilância Genômica do Sars-Cov-2, de 8 de julho, indica que foram analisados 658 genomas, de um total de mais de um milhão de casos da doença no estado, e identificadas 22 linhagens diferentes do vírus.

Variante de Manaus domina casos no Brasil em 2021

A variante Gama, que surgiu em Manaus, é um exemplo de como uma nova cepa do vírus pode provocar surtos se não for detectada a tempo, contida e monitorada. Descoberta em janeiro deste ano, em pouco mais de um mês ela já dominava o número de casos em quase todo país.

O doutor em Biotecnologia e Biociências Glauber Wagner explica que essa constatação ficou evidente ao se fazer exames de sequenciamento em Santa Catarina. O Laboratório de Bioinformática da UFSC, do qual faz parte, realizou um projeto em que realizava sequenciamento do vírus de pessoas infectadas no estado, em apoio ao trabalho da Vigilância Epidemiológica, e atualmente faz parte da Rede de Vigilância Genômica do Sars-Cov-2 em Santa Catarina.

"Em pouco tempo a variante de Manaus predominou em todo país. A partir do final de janeiro, começo de fevereiro, ela veio com força. Nós sequenciamos até um caso de transmissão familiar, de pessoas que nunca haviam viajado para Manaus ou outro local próximo e detectamos oito pessoas com a variante. Alguém se infectou, foi para aquela pequena cidade e espalhou o vírus." É o que se chama de transmissão local do vírus.

Em boletins publicados pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina, a variante Gama carrega 21 mutações. Segundo o relatório, esta variante representava 54,2% das amostras sequenciadas no estado em julho, conforme gráfico abaixo:

O boletim também revela que nos quatro casos de reinfecção registrados no estado - nas cidades de Lages, Itaiópolis, Balneário Piçarras e Herval d’Oeste - a segunda infecção foi causada pela variante Gama.

-> Neste post tratamos sobre os casos de reinfecção de Covid-19.

Variante Delta é a que mais preocupa

Desde maio deste ano, a variante que mais tem causado preocupação é a Delta. Diversos países que já voltavam à normalidade enfrentam surtos de Covid-19 por conta dessa variante e se veem obrigados a retomar medidas restritivas. A Austrália, por exemplo, decretou no mês de julho confinamentos em algumas cidades, entre elas Sydney e Melbourne, para tentar frear a disseminação do vírus.

A OMS tem feito alertas periódicos sobre a variante desde que ela foi descoberta. No dia 12 de junho o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou em uma entrevista coletiva que já foram registrados casos da variante Delta em 104 países, inclusive no Brasil. "Esperamos que em breve seja a estirpe dominante da Covid-19 que circula em todo o mundo”, alertou. 

Um dos fatores preocupantes é que a variante Delta é de 30% a 60% mais transmissível que outras variações do Sars-Cov-2. Em vários países ela já é a cepa dominante, como no Reino Unido, onde 90% dos novos casos de Covid-19 são pela Delta. Por meio da prática do sequenciamento genético, já se identificou que a Delta tem mais de 75% de prevalência dos casos de Covid-19 em países como Austrália, China, Dinamarca, Índia, Indonésia, Israel, Portugal e Singapura, segundo dados da OMS divulgados em 20 de julho.

Um estudo liderado pela Universidade de Oxford publicado no mês de junho e que teve participação da Fiocruz sugere ainda que a variante Delta pode aumentar o risco de reinfecções. Isso porque os anticorpos de pessoas anteriormente infectadas são menos potentes contra esta variante viral. A pesquisa apontou que o problema é observado de forma marcante entre os indivíduos que foram infectados na primeira vez pela variante Gama, identificada em Manaus, assim como pela variante Beta, detectada pela primeira vez na África do Sul. "Nestes casos, a capacidade de neutralizar a cepa Delta é onze vezes menor."

Já em relação à variante Omicron, a OMS informou no fim de novembro que ainda não se sabe se ela é mais transmissível ou se causa uma infecção mais grave e que pesquisadores de todo mundo estão conduzindo estudos para entender melhor suas características.

Sintomas iniciais podem ser diferentes

Além de características como facilidade de transmissão, as variantes podem provocar uma sintomatologia diferente nos pacientes. Segundo Glauber, isso tem sido relatado por médicos e já é descrito na literatura científica. "Percebe-se uma mudança do comportamento da doença. Sintomas que não eram tão frequentes lá no início da pandemia passaram a ser mais frequentes e outros bem característicos deixaram de ser tão percebidos."

A variante Delta, por exemplo, provoca sintomas mais parecidos com uma gripe, como dor de cabeça, dor de garganta, coriza e febre. Já a perda de paladar e olfato não é tão recorrente.

"Mas o padrão da doença continua o mesmo, vai provocar uma síndrome respiratória grave, depois uma síndrome hiper inflamatória. Então esse comportamento que leva ao óbito permanece o mesmo. O que se percebe é que houve mudanças nos sintomas iniciais da doença", conclui.

Vacinas são eficazes contra as variantes?

Até o momento parece que sim. A cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan, afirmou em vídeo para a série Science 5 que os estudos feitos até agora indicam que "se uma pessoa recebe um esquema completo de vacinação, há imunidade protetora suficiente no corpo para proteger contra doenças graves, mesmo dessas variantes."

A eficácia das vacinas contra essas variantes pode variar de 70 a 90%, segundo a OMS. "Mas se olharmos apenas para a prevenção de doenças graves e hospitalização, são todos muito bons, com mais de 90% de eficácia", afirma Soumya. Vale lembrar que nenhuma vacina disponível atualmente, inclusive para outras doenças, tem eficácia de 100%.

No relatório da OMS divulgado em 20 de julho, os dados mostram que a vacinação mantém a proteção contra casos graves da doença provocados pelas variantes Delta, Alfa e Beta. Porém, nas infecções pelas variantes Delta e Beta observou-se possível redução na prevenção de infecções. Em relação à Omicron, estudos estão sendo realizados para verificar a eficácia das vacinas existentes.

O pesquisador Glauber esclarece que é natural que cada pessoa tenha uma resposta imune diferente em relação à vacina, pois cada corpo reage de uma maneira, alguns mais fortes, outros menos: "Mas a gente percebe que mesmo em casos em que a pessoa seja infectada, ela ainda consegue não desenvolver a doença de forma grave."

A vacinação pode conter o surgimento de novas variantes?

Glauber Wagner afirma que a vacinação é a forma de evitar que novas variantes surjam, pois se reduz o número de pessoas infectadas e assim o número de cópias geradas, e destaca a importância de se ter diferentes tipos de tecnologias de vacinas para conter o avanço da pandemia. "Quando você tem diferentes tecnologias, você vai ter diferentes células de defesa funcionando de acordo com a vacina. Claro, todas contra o Sars-Cov-2, mas cada uma de uma forma diferente e isso ajuda a combater a pandemia de forma mais rápida."

Não se descarta, no entanto, que as vacinas tenham que passar por atualizações para contemplar as variantes que vão surgindo, como é feito anualmente com a vacina da gripe. Soumya Swaminathan, da OMS, afirma que empresas e laboratórios de todo o mundo estão trabalhando em novas versões da vacina, que acomodam as proteínas do vírus variante. "Então, eu acho que nos próximos meses, começaremos a ver os resultados dos testes clínicos que estão olhando para essas novas vacinas modificadas. E então seremos capazes de decidir se as pessoas vão precisar de reforços ou não."

O reforço na vacinação também é apontado como algo bem provável de acontecer pelo pesquisador Emanuel de Souza, da UFPR. "Talvez nossa imunidade não seja duradoura e talvez as variantes comecem a escapar da proteção vacinal." Segundo ele, a imunização contra a Covid-19 deve seguir o comportamento da vacina contra a Influenza: realizada anualmente. "E não tem população-alvo, tem que vacinar pelo menos 70% da população para proteger o todo. No Brasil isso significa que teremos que vacinar cerca de 150 milhões de pessoas todo o ano."

Diante do custo desse montante de doses, ele aponta que é estratégico ter uma produção nacional, ficando independente de insumos de países como China e Índia. Ele e colegas da UFPR estão desenvolvendo uma vacina contra a Covid-19 a partir de pesquisas realizadas há mais de 10 anos com biopolímeros biodegradáveis e com partes específicas de proteínas virais. "A ideia veio da necessidade de ajudar a combater a pandemia e termos uma preparação vacinal 100% produzida no Brasil."

No áudio a seguir ele explica como a vacina está sendo desenvolvida a partir da pesquisa com bactérias:

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** Este texto foi publicado incialmente em julho de 2021 e atualizado em 02 de dezembro de 2021.

Formas de prevenção continuam as mesmas: higiene, uso de máscara e distanciamento físico

-> Neste post, há informações sobre como higienizar corretamente mãos, objetos e ambientes

-> E neste, saiba porque usar as máscaras PFF2.

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Estamos perto do fim da pandemia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 nov 2021 08:55 Data de Atualização: 30 nov 2021 10:58

Quando o coronavírus se espalhou e mudou a vida das pessoas em todo o mundo, o que mais nos perguntávamos era: Existe uma previsão para o fim da pandemia? Em 2020, especialistas apontavam que isso dependeria da descoberta de uma vacina para proteger da Covid-19, mas que a doença dificilmente seria eliminada. Vinte meses se passaram desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que se tratava de uma pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Há dez meses, a vacinação contra a Covid-19 iniciou no Brasil e o país está próximo de atingir a marca de 77% da população que já pode receber a vacina com ciclo vacinal completo, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Em Santa Catarina,  80% da população vacinável já está com a imunização completa, tendo recebido as duas doses ou dose única. Diante deste cenário, será que já é possível dizer que estamos perto do fim da pandemia?

Para abordar esta questão, entrevistamos a epidemiologista e professora do curso de Enfermagem do Câmpus Florianópolis do IFSC, Vanessa Jardim, e o secretário de estado da Saúde do Governo de Santa Catarina André Motta Ribeiro. Neste post, vamos tratar dos seguintes pontos:

- Já é possível flexibilizar as medidas de cuidado em relação à Covid-19?
- O fim da pandemia está próximo?
- A pandemia está controlada em SC?
- Como não perder o controle da situação e evitar novos surtos da doença?

É possível pensar no fim da pandemia?

Segundo a professora do IFSC Vanessa Jardim, falar em fim da pandemia é pensar no próximo estágio de uma doença infecto-contagiosa que é a endemia, quando a população convive com essa doença dentro de regiões geográficas circunscritas. “Certamente conviveremos com a Covid em nosso meio, mas esse conceito de uma doença fora do controle aprenderemos a dominar com a vacinação, que é a principal arma para o controle das doenças infecto-contagiosas, e outras medidas de controle”, explica. 

Com o avanço dos estudos científicos, hoje já se sabe muito mais sobre a transmissibilidade do coronavírus e os fatores de risco que envolvem o agravamento da doença. De acordo com a epidemiologista, a adoção de medidas específicas conforme os saberes disponíveis atualmente permite um controle da pandemia. “Conhecendo muito mais a dinâmica da doença, o agente infeccioso e o comportamento populacional, a gente pode agregar às campanhas de vacinação e dizer sim, que a pandemia está controlada”, afirma. 

No entanto, Vanessa destaca que é preciso ter cautela com essa noção de controle, uma vez que ainda há muitas variáveis que podem alterar o cenário. Assista abaixo a sua fala sobre a necessidade de se manter a vigilância constante. No vídeo, o secretário de saúde de SC também comenta sobre o fim da pandemia no Estado.


Quais fatores devem ser considerados para analisar o fim da pandemia?

Para analisarmos como está o cenário da pandemia, é preciso olhar para fatores como taxa de transmissão, número de pessoas contaminadas com coronavírus, número de óbitos pela doença, ocupação de leitos nos hospitais e número de pessoas vacinadas. Mas quais índices precisamos alcançar para poder começar a respirar mais aliviados?

Em relação à vacinação, a professora do IFSC destaca que é preciso chegar a um índice de 70% a 80% da população com cobertura vacinal completa, mas pondera que isso precisa ser pensado em relação a toda população - o que ainda não é uma realidade já que, no Brasil, a vacinação está sendo feita, por enquanto, apenas para quem tem mais de 12 anos. “A vacinação de crianças e adolescentes é importante também porque, embora tenha se percebido que o risco de agravamento nesse público é mais baixo, o risco de contaminação é o mesmo e eles podem continuar fazendo o vírus circular”, ressalta.

Quando se fala de taxa de transmissão, é preciso olhar para o Rt, que seria como um ritmo de transmissão ou número reprodutivo efetivo. Vanessa explica que, quando se tem um caso que transmite para uma pessoa, o ritmo de transmissão é considerado estável. O ideal é que o Rt seja abaixo de 1, indicando que a circulação do vírus está diminuindo.

-> Entenda melhor o Rt com a explicação de uma professora de matemática do IFSC

Em países que tiveram poucos casos de Covid-19, o Rt ficou entre 0,3 e 0,4, o que, segundo Vanessa, é o ideal para considerar que a pandemia está sob controle. “Mas se tivermos no Brasil uma taxa abaixo de 1, estamos registrando queda da pandemia e temos que acompanhar fortemente essa transmissibilidade, esse ritmo de transmissão, porque qualquer súbito aumento precisa da ação do sistema de saúde”, afirma. 

Em um levantamento do Imperial College de Londres da semana passada, atualizado em 22 de novembro, o Rt do Brasil estava em 1,06 - maior do que na semana anterior em que o índice estava em 0,99. Este Rt atual significa que cada 100 pessoas contaminadas transmitem a doença para outras 106 pessoas.

De acordo com o Observatório Covid BR, o Rt de SC em 14 de novembro era de 0,95. Dados mais recentes da Defesa Civil do estado mostram que, em 23 de novembro, o Rt foi de 0,96. Veja abaixo como ficou o ritmo de transmissão no estado desde o início da pandemia segundo o Observatório Covid BR:

Gráfico Rt de SC

-> Acompanhe o Rt de SC em plataforma do Governo

Segundo o Boletim nª 81 do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Rt do estado no período entre 31.05 e 23.11.2021 ficou em 0.96, sendo que nas diversas regiões esse indicador variava entre 0.94 a 0.99, significando que o Sars-CoV-2 ainda continua circulando de forma acelerada no território catarinense.

Ao colocar o número de pessoas contaminadas por Covid-19 em Santa Catarina em um gráfico, é possível observar o comportamento da doença no estado e o que especialistas chamam de curva da doença. Até o início da vacinação, o que se via era uma curva em crescimento. A professora Vanessa explica que para considerar uma pandemia dentro do controle, é preciso que os dados não se traduzam em ondas neste gráfico, ou seja, quando não se tem mais novos picos de crescimento da doença mostrando que ela segue se espalhando. 

A epidemiologista chama a atenção para a queda da transmissibilidade da doença com o início da campanha de vacinação. “É impressionante como essa correlação entre cobertura vacinal completa e a transmissibilidade diminui e aí, consequentemente, óbitos e casos graves também diminuem”, ressalta.

Veja abaixo os gráficos elaboradas pelo IFSC Verifica com os dados fornecidos pelo Governo de Santa Catarina, Primeiro, fica nítido como o índice de ocupação de leitos de UTI por Covid-19 foi caindo conforme mais pessoas foram se vacinando e completando seu ciclo vacinal:, 


A vacinação também teve impacto direto na diminuição de pessoas contaminadas pelo coronavírus, como é possível observar neste gráfico:

Gráfico de pessoas contaminadas X vacina em SC

Olhar para o número de óbitos é importante, segundo Vanessa, porque é quando se observa especificamente a doença. “Trabalhar com a letalidade, o quanto a Covid ainda tem levado a óbito as pessoas que se contaminam, ajuda a gente a avaliar a efetividade das vacinas”, explica. A epidemiologista alerta que, embora a taxa de letalidade da Covid-19 seja baixa quando comparada a outras doenças, o impacto dos óbitos na população foi grande, já que se trata de uma patologia que se espalha muito. No Brasil, por exemplo, até o momento, mais de 613 mil pessoas já morreram de Covid-19 - um número maior do que a população de Florianópolis e Biguaçu somadas.. 

Em relação à capacidade do Sistema de Saúde, a professora diz que o ideal é o índice de internação/ocupação por Covid nos hospitais ser menor que 50%. “Mas assim como o índice de transmissão, é importante sempre buscar a tendência a diminuir quanto menor for até que a gente possa eliminar leitos específicos de UTI e trabalhar com o princípio do isolamento respiratório”, diz.

Veja abaixo como a vacinação também impactou no número de óbitos por Covid-19 em Santa Catarina:

Gráfico de óbitos X vacina em SC

 

-> Acompanhe mais dados de SC neste Painel desenvolvido pela UFSC

Matriz de risco de Santa Catarina

Para acompanhar a evolução da doença, diversos países, estados e municípios criaram suas metodologias. A professora do IFSC explica que a base de todas é sempre a mesma: mostrar que quanto mais alto é o número de casos da doença na população, mais perigosa é a situação. “Todas seguem esse princípio de contaminação e gravidade que leva a óbito”, afirma.

Em julho de 2020, o Governo de Santa Catarina criou a matriz de risco para avaliar o risco potencial das 16 regiões de saúde do estado, a fim de orientar a regionalização e descentralização das ações relacionadas à contenção da pandemia em Santa Catarina. A matriz é divulgada semanalmente com cores que indicam a gravidade da doença em cada região. 

“A matriz foi sendo modificada até porque o entendimento desse enfrentamento da pandemia também foi melhor compreendido e evoluiu. Nós sempre fizemos nossa gestão pautada na ciência desde o início e com certeza houve avanço”, destaca o secretário de saúde de Santa Catarina. Diante das mudanças de cenário, a matriz passou por ajustes de indicadores e redesenho das regiões  - sendo o último em julho deste ano -, mas seguiu organizada em quatro dimensões de prioridade, que são:

Dimensões da matriz de risco de SC

Para facilitar o entendimento da população, na matriz, as regiões do estado são apresentadas por cores de acordo com o risco potencial em que se encontram, sendo vermelho (risco potencial gravíssimo), laranja (risco potencial grave), amarelo (risco potencial alto) e azul (risco potencial moderado). Pela oitava semana consecutiva, desde 9 de outubro, nenhuma região do estado foi classificada nos níveis de risco grave ou gravíssimo.

Matriz de risco de SC do dia 27 de novembro de 2021

Inclusive, a Política de Segurança Sanitária do IFSC, documento que sistematiza as medidas a serem adotadas para o retorno gradual das atividades presenciais na instituição, considera a matriz de risco divulgada semanalmente pelo Governo do Estado. 

Fator surpresa: mutação do vírus

Embora os estudos científicos estejam avançando a um ritmo acelerado, além de lidar com os fatores já conhecidos - como taxa de vacinação, taxa de transmissão, quantidade de internação e número de óbitos -, um fator que precisa ser considerado para se pensar no controle da pandemia é a mutação do vírus. Nos últimos dias, o surgimento de uma nova variante chamada ômicron tem gerado preocupação. Em um relatório técnico, a OMS alertou para o alto grau de transmissão dessa variante.

A professora do IFSC explica que os vírus são seres adaptáveis, ou seja, conforme vamos estimulando medidas de controle, eles vão encontrando meios de sobreviver. Isso são as mutações. “Por isso as variantes afetam diretamente esse processo de controle da transmissibilidade”, afirma.

-> Variantes podem dificultar o controle da pandemia de Covid-19?

Segundo Vanessa, felizmente as atuais vacinas contra Covid-19 estão se mostrando eficazes contra as variantes que já foram identificadas. No entanto, pode ocorrer de, no futuro, novas variantes surgirem - como acontece com o vírus da gripe. “E aí é necessária uma resposta rápida que o sistema de saúde vai se adaptando, vai adequando a resposta ao surgimento dessas dessas novas cepas. Vou ter que vacinar todo ano? Vamos analisar. Vou ter que fazer uma dose de reforço em toda a população? Precisamos estudar. Então temos um conjunto de variáveis a se observar no controle da pandemia”, destaca.

Em 16 de novembro, o Ministério da Saúde ampliou a dose de reforço para toda população adulta, ou seja, maiores de 18 anos que já completaram cinco meses de intervalo da segunda dose ou dose única deverão procurar uma unidade de saúde para tomar mais uma dose de reforço da vacina conta a Covid-19.

-> Qual a importância da dose de reforço da vacina?

Já é possível flexibilizar as medidas de cuidado?

Com uma nítida diminuição nos números de pessoas contaminadas por Covid-19 e óbitos pela doença, existe uma expectativa da população e uma indicação do Governo de que já se pode flexibilizar as medidas restritivas de cuidado. Na semana passada, inclusive, o Governo de Santa Catarina assinou um decreto desobrigando o uso das máscaras faciais de proteção em ambientes abertos em que há possibilidade de manter distanciamento entre as pessoas. No vídeo abaixo, a professora do IFSC e o secretário de saúde de Santa Catarina falam sobre isso:

 

Embora o cenário pareça mais favorável, o Núcleo de Estudos de Economia Catarinense da UFSC publicou, em 13 de novembro, a 79ª edição do boletim semanal Covid-19 em SC, em que afirma que as médias semanais de casos e óbitos ainda não permitem a flexibilização das medidas preventivas no estado. Conforme aponta o boletim, o comportamento do conjunto de indicadores analisados, mesmo que bastante favorável, ainda não permite nenhum relaxamento em relação às medidas de prevenção e de controle da doença, especialmente no quesito flexibilização do uso de máscaras. No boletim de nº 81, publicado em 27 de novembro, o Necat informa que Santa Catarina voltou a apresentar o 2º maior coeficiente de incidência da Covid-19 do país.

Durante a gestão da pandemia, em alguns momentos, a população foi condicionada a orientações diferentes dos governos federal, estaduais e municipais em relação às medidas de cuidado em relação à Covid-19. O secretário de saúde de Santa Catarina destaca que a regra é clara. “Nós temos uma gestão tripartite da crise desde que se instalou. Hierarquicamente, o gestor que está logo abaixo pode e deve aumentar a restrição se entender que, naquele seu ambiente - no município ou região -, o impacto é maior. Mas ele jamais pode flexibilizar além da regra do gestor imediatamente superior”, explica. Portanto, o Estado não pode flexibilizar se houver um decreto federal mais restritivo. E os governos municipais também não podem tomar atitudes se o Governo Federal e os governos estaduais não apontarem o caminho. “Claro que os municípios têm as suas autonomias, mas para criar regras novas restritivas ou outras para processos e fluxos. Nunca diminuindo o que está sendo posto nem pelo ente federal e nem pelo ente estadual”, finaliza André Motta Ribeiro.

-> Confira as portarias vigentes em Santa Catarina em relação à pandemia

Embora haja esse entendimento, o governo de Santa Catarina publicou o decreto nº 1578 em 24 de novembro de 2021 desobrigando o uso de máscaras em locais abertos desde que seja possível manter um distanciamento - apesar da Lei Federal nº 14.019/2020 obrigar o uso do acessório em locais públicos e privados.

-> Tire suas dúvidas sobre o decreto do Governo que flexibilizou o uso das máscaras

Como não perder o controle da situação?

A professora do IFSC ressalta que, apesar de estarmos indo bem, comparando o atual momento ao trágico cenário que já tivemos, não é o momento de esquecer que a pandemia existe. No Brasil, com a chegada das festas de final de ano e a temporada de verão, é preciso que gestores públicos e a população mantenham a vigilância para que não se perca o controle da situação e a contaminação por coronavírus volte a subir. 

 

A vigilância e os cuidados precisam ser mantidos ainda mais considerando a avaliação da diretora-geral adjunta de acesso a medicamentos e produtos farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Simão, de que o mundo está entrando em uma quarta onda da pandemia do novo coronavírus. A declaração foi dada na abertura do Congresso Brasileiro de Epidemiologia realizada em 22 de novembro. A avaliação da diretora foi feita a partir dos novos picos de Covid-19 na Europa, o que, segundo ela, se devem à abertura e flexibilização das medidas de distanciamento no verão, além do uso inconsistente de medidas de prevenção em países e regiões. 

Na recente conferência de imprensa da OMS de 24 de novembro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez um alerta para a falsa sensação de segurança causada pelas vacinas. Conforme afirmou, as vacinas salvam vidas, mas não evitam totalmente a transmissão da covid-19”, 

Ele chamou a atenção para os cuidados que precisam ser mantidos mesmo por quem já tenha tomado a vacina. “Se você for vacinado, tem um risco muito menor de desenvolver um quadro grave ou morrer pela doença, mas ainda corre o risco de ser infectado e infectar outra pessoa que pode vir a morrer”, disse em seu discurso. O diretor alertou para a necessidade de se continuar com medidas de cuidados como usar máscara, manter o distanciamento, evitar aglomerações e encontrar outras pessoas em ambientes abertos, se possível, ou em locais bem ventilados.

Embora a Europa seja novamente o epicentro da pandemia, o diretor destacou que nenhum país ou região está fora de perigo. “É importante que todos os países aumentem suas capacidades agora para garantir que as medidas corretas estejam em vigor para evitar as piores consequências de quaisquer ondas futuras”, enfatizou.

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Qual a importância da dose de reforço da vacina?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 out 2021 14:41 Data de Atualização: 25 nov 2021 15:08

O Ministério da Saúde anunciou em meados de agosto uma mudança no plano de imunização contra a Covid-19, com a aplicação de doses de reforço para pessoas idosas (com mais de 70 anos) e pessoas com alto grau de imunossupressão. Posteriormente, o público prioritário para esse reforço foi ampliado para aqueles com mais de 60 anos, além dos profissionais da área da saúde.

Os serviços locais de imunização contra a Covid-19 tiveram então que incluir, nos seus cronogramas, também esses públicos que devem receber a dose de reforço. Mantendo a rotina de vacinação dos grupos anteriores, organizados por idade, que na maior parte do país já atingiu o público adolescente.

Em 16 de novembro, o Ministério da Saúde anunciou a decisão de aplicar a dose de reforço para todas as pessoas com mais de 18 anos, independentemente de fator de risco. Em Santa Catarina, a dose passou a ser ofertada em 20 de novembro para a população maior de 18 anos com esquema vacinal completo. (Texto atualizado em 25/11/2021)

Neste post, explicamos o que é a dose de reforço e os motivos pelos quais ela não deve ser compreendida como uma “terceira dose” da vacina contra a Covid-19. Buscamos entender também quais são as especificidades que justificam a necessidade dessa dose extra, em especial nos grupos de idosos, imunossuprimidos e profissionais de saúde.

Prossiga com a leitura para entender:

- Por que o Ministério da Saúde resolveu recomendar a dose de reforço;
- Quais são os grupos prioritários para receber essa dose;
- Qual a diferença entre dose de reforço e terceira dose;
- Como a adesão dos públicos prioritários à dose de reforço pode contribuir para o controle da pandemia;
- Se há necessidade de cuidados especiais em relação à dose de reforço, ou ocorrência de reações adversas;
- As ponderações da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação à aplicação da dose de reforço neste momento da pandemia;
- A necessidade da manutenção das medidas de prevenção (máscaras, higiene das mãos, distanciamento físico) mesmo com o avanço da vacinação.

Por que a dose de reforço foi recomendada pelo Ministério da Saúde?

A decisão de recomendar a dose de reforço para pessoas idosas e imunossuprimidas foi anunciada pelas autoridades de saúde em meados de agosto. Na prática, isso significou uma nova etapa na campanha nacional de imunização contra a Covid-19, que teve início em janeiro deste ano. O aparecimento de variantes do vírus Sars-Cov-2 e o maior risco de contágio por pessoas dos grupos definidos como prioritários foram os motivos que levaram o Brasil a aderir à estratégia. Outros países também vêm aplicando doses de reforço para grupos específicos nos últimos meses.

Quais são os grupos que devem receber a dose de reforço? E por que motivos?

Idosos com mais de 60 anos, pessoas imunossuprimidas e profissionais da área da saúde são os três grupos que devem procurar os locais de vacinação para receber a dose de reforço. No caso dos idosos e dos profissionais da saúde, eles devem ter recebido a segunda dose da vacina há pelo menos 6 meses. Já os imunossuprimidos devem dar intervalo de 28 dias entre a segunda dose e a dose de reforço.

De acordo com a enfermeira Sandra Regina da Costa, que coordena o programa de vacinação contra a Covid-19 da Prefeitura de Florianópolis, o objetivo da dose de reforço é dar um novo estímulo para a formação de anticorpos em organismos que já passaram por esse processo com a aplicação das duas doses (ou, no caso da vacina da Janssen, da dose única), mas que, com o tempo, têm essa imunidade em queda. No caso dos idosos, observou-se uma diminuição no nível de anticorpos alguns meses após a imunização, o que deixou as pessoas mais suscetíveis a contrair a doença – inclusive com casos agudos que demandavam internação ou, até mesmo, levavam a óbito. Ela menciona que foram registrados surtos de Covid-19 em instituições de longa permanência, o que acendeu o alerta entre as autoridades municipais da saúde.

O sistema imunológico dos imunossuprimidos, por sua vez, se comporta de forma diferente quando recebe vacinas, na comparação com pessoas não imunossuprimidas. Para entender melhor a importância da dose de reforço nesse grupo, é preciso compreender também o que provoca a condição de imunossupressão. Como explica o médico reumatologista Diego Vinícius de Magalhães, a imunossupressão pode se dar em função do uso de medicamentos para tratar doenças autoimunes ou neoplasias. No caso das doenças autoimunes, os anticorpos formados pelo organismo atuam contra estruturas do próprio corpo, não reconhecendo o que é benigno, e isso desencadeia uma cascata de reações inflamatórias. O tratamento dessas doenças é feito com medicamentos imunossupressores, que controlam a resposta “equivocada” dos anticorpos e, em decorrência, a inflamação sistêmica. 

“Quando a gente faz esses medicamentos, eles atuam de várias formas, diminuindo a ação do sistema imunológico e afetando também a resposta desse sistema imunológico a uma vacina que é administrada”, explica Diego. Nos organismos em imunossupressão, a resposta à vacina pode equivaler à metade da resposta observada em pessoas que não têm essa condição. “Em vez de produzir 20x de resposta à vacina, esse paciente produz 10x. Então eles precisam de uma dose de reforço para fazer com que sua resposta vacinal, a sua produção de anticorpos após a administração da vacina, seja efetiva”, acrescenta.

A dose de reforço para os profissionais da saúde se justifica em função da contínua exposição dessas pessoas à Covid-19 em suas atividades de rotina. “O profissional de saúde acaba tendo contato com muitas pessoas, e até mesmo pessoas que às vezes nem sabem que estão com Covid, que são os assintomáticos. E também pelos procedimentos que faz no atendimento, como procedimentos invasivos, intubação, atendimento odontológico”, observa a enfermeira Sandra. 

É dose de reforço ou terceira dose? Tecnicamente, qual a diferença?

Claro que, na prática, alguém que tenha tomado duas doses de vacina e receba uma dose de reforço pode dizer que tomou uma “terceira dose”. Porém, na área da saúde há diferença, e não se trata apenas de enumerar as aplicações. De acordo com a enfermeira Sandra Regina da Costa, que atua na Prefeitura de Florianópolis desde 1992 e tem larga experiência com imunização, a dose de reforço é um “booster”, um impulsionador da imunidade aplicado em quem já completou o ciclo vacinal.

O ciclo vacinal da maior parte das vacinas contra a Covid-19 utilizadas no Brasil compreende duas doses – caso dos imunizantes da Coronavac, Astrazeneca e Pfizer. Já o ciclo vacinal do imunizante da Janssen é considerado completo com apenas uma aplicação. Mesmo assim, quem tomou vacina da Janssen e está nos grupos prioritários deve fazer a dose de reforço. “A dose de reforço é exatamente isso, ela funciona com um efeito booster, para tentar uma elevação de anticorpos nesse público”, ressalta Sandra.

Para incrementar a imunização nesses públicos, a dose de reforço, por regra, é feita com o imunizante da Pfizer, mesmo que o ciclo inicial tenha sido feito com vacinas Coronavac, Astrazeneca ou Janssen. Quem fez o ciclo inicial com duas doses da Pfizer pode receber a dose de reforço da mesma vacina ou de outro fabricante. De a acordo com a coordenadora do programa de vacinação em Florianópolis, a alternância é uma tentativa de provocar uma alta formação de anticorpos em quem recebe a dose de reforço. 

A vacinação dos grupos prioritários com a dose de reforço pode contribuir para o controle da pandemia de Covid-19?

O objetivo primário da vacinação é evitar que as pessoas tenham formas graves da doença, o que geralmente pode levar à hospitalização e, muitas vezes, à morte. Porém, como explica o médico reumatologista Diego Vinícius de Magalhães, a vacinação também tem o objetivo de diminuir a circulação do vírus Sars-Cov-2 e controlar a pandemia. Como foi observada uma tendência no aumento de casos de Covid-19 entre pessoas idosas e imunossuprimidas, a estratégia de administrar uma dose de reforço visa deixar esses grupos menos suscetíveis à doença, ao atingirem uma resposta imunológica adequada à vacinação. E isso, somado às demais estratégias, poderá contribuir para controlar a pandemia.

Porém, além da adesão dos grupos prioritários à dose de reforço, é essencial que a população complete seu esquema vacinal, aplicando as duas doses da vacina – quando o imunizante disponível é Coronavac, Astrazeneca ou Pfizer. “Para ter uma situação epidemiológica satisfatória, é preciso ter uma cobertura vacinal alta e homogênea. Não se pode perder o foco na segunda dose”, afirma a enfermeira Sandra. A vacina da Janssen é de dose única e tem sido recebida em menor quantidade pelos municípios, explica. Por isso, as doses desse fabricante são reservadas para situações específicas, como pessoas em situação de rua ou moradores de locais extremamente isolados. Para a maior parte da população, portanto, o ciclo vacinal só fica completo com a aplicação de duas doses.

-> Saiba mais sobre as vacinas utilizadas no Brasil

A estimativa é que uma população com 75% das pessoas imunizadas seja o quadro favorável para controlar a pandemia. No Brasil, atingiu-se 50% da população com o ciclo vacinal completo (duas doses das fabricantes Coronavac, Astrazeneca e Pfizer ou dose única da Janssen) em 20 de outubro. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, na data de publicação deste post (26 de outubro), 115 milhões de pessoas (54% da população) haviam recebido o ciclo vacinal completo no Brasil. “É importante que tenha a dose de reforço, mas é preciso entender que as pessoas precisam tomar a segunda dose”, salienta Sandra.

Estou no grupo prioritário para tomar a dose de reforço. Preciso tomar algum cuidado? Posso ter reações adversas?

Não é incomum que as pessoas tenham medo de injeções e também sintam receio de possíveis reações adversas provocadas pelas vacinas. A imunização em duas doses com as vacinas mais comuns no Brasil provocou poucos efeitos adversos, como relata a enfermeira Sandra Regina da Costa, com raros casos de maior gravidade. Os relatos dão conta de efeitos mais perceptíveis entre as pessoas que tomaram as doses da Astrazeneca, de acordo com ela. Uma leve dor no local de aplicação, principalmente quando a injeção é feita no braço, é queixa recorrente da maior parte dos vacinados, tanto na primeira quanto na segunda dose.

Ao longo do primeiro mês de aplicação da dose de reforço em Florianópolis, segundo Sandra, os relatos de reações ou sintomas foram bastante raros e equivalentes ao ocorrido com quem tomou as duas doses. “Observamos muito pouco, às vezes relatos de dor de cabeça leve, um pouco de fadiga, cansaço, sintomas que chegam a durar duas ou três horas apenas”, diz a enfermeira. Nos raros casos em que a vacina provoca sintomas que, mesmo leves, dificultam as atividades do dia a dia, a recomendação de Sandra é que se faça repouso.

Uma alternativa para quem tem receio da dor no braço que pode ocorrer após a vacinação é que a aplicação da dose seja feita na região ventroglútea, recomenda Sandra. Nessa região o músculo é maior, e isso facilita a absorção das substâncias injetadas, o que tende a provocar menos dor. “No sistema drive thru é mais prático aplicar no braço, e muitas vezes as pessoas não gostam da aplicação na nádega porque é preciso abaixar um pouco a calça, mas o primeiro local de escolha para qualquer injeção intramuscular deve sempre ser a região ventroglútea, onde a absorção é melhor e provoca menos dor”, ressalta a enfermeira.

Os imunossuprimidos que estão nessa condição por conta da utilização de medicamentos imunossupressores também devem ficar atentos ao tempo de intervalo recomendado entre o uso da medicação (que, no caso dos imunobiológicos, geralmente é via intravenosa) e a aplicação da vacina. Isso porque, como explica o reumatologista Diego Vinícius de Magalhães, o medicamento pode interferir na produção de anticorpos esperada com a aplicação da vacina. “Mas isso depende do medicamento que o paciente está utilizando e do grau de imunossupressão”, observa, acrescentando que as pessoas desse grupo devem sempre buscar orientação de seu médico antes de fazer qualquer tipo de vacina. “Pode haver casos em que é possível suspender por algum tempo o medicamento para que a resposta da vacina seja adequada, mas muitas vezes a situação do paciente é tão grave que ficar sem medicação pode representar risco de morte. Então essa é uma decisão compartilhada entre médico e paciente”, explica Diego.

O reumatologista ressalta também que, embora precise haver esse cuidado, a vacina contra a Covid-19 pode ser administrada com segurança em pessoas imunossuprimidas. Isso porque ela é feita com vírus inativado, ou seja, os “pedacinhos” de vírus usados na composição estão mortos, o que não representa risco. Já as vacinas com vírus atenuado, como é o caso do imunizante contra a febre amarela, não devem ser aplicadas em organismos em imunossupressão. “Se administrada num paciente imunossuprimido, a vacina com vírus vivo atenuado pode representar risco de que a pessoa desenvolva a doença ou tenha uma resposta vacinal grave”, detalha o médico.

-> Saiba mais sobre as vacinas contra a Covid-19 neste post
-> Entenda quais são os fatores de risco para a Covid-19

Qual a posição da OMS em relação à dose de reforço?

Perante uma série de países que passaram a administrar a dose de reforço da vacina contra a Covid-19 em grupos específicos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um pronunciamento no dia 10 de agosto, no qual faz várias ponderações em relação a essa estratégia. O órgão das Nações Unidas não faz objeções à iniciativa, desde que haja evidências científicas da necessidade desse reforço nos grupos prioritários. Porém, observa que a medida pode não ser pertinente levando-se em conta que, em muitos países, a vacinação com doses 1 e 2 anda a passos lentos.

“Oferecer doses de reforço para um grande número de pessoas, quando muitos ainda não receberam nem mesmo uma primeira dose, enfraquece o princípio de equidade nacional e global. Priorizar doses de reforço em relação à velocidade e amplitude da cobertura com dose inicial também pode prejudicar as perspectivas de mitigação global da pandemia, com implicações severas para a saúde e o bem-estar social e econômico das pessoas em nível global”, diz o documento da OMS, que pode ser lido na íntegra, em inglês, aqui.

“Essa consideração da OMS é muito importante, porque de fato temos países em que ainda não foi aplicada a primeira dose da vacina, inclusive na América Latina”, observa a enfermeira Sandra, coordenadora do plano de imunização de Florianópolis. “Nós sabemos que a dose de reforço tem justificativa científica, a estratégia foi adotada aqui, mas sempre é bom ter em mente que a vacina deve ser um patrimônio, que deve haver equidade. Enquanto a população mundial não tiver acesso, isso também é um problema nosso”, considera Sandra.

Estou vacinado, sou do grupo prioritário e já fiz a minha dose de reforço. Posso aposentar as máscaras?

Vamos com calma! O consenso entre as autoridades e profissionais da saúde é que, mesmo com a vacinação avançando, ainda não é possível deixar de lado os cuidados preventivos básicos. “Eu acho bastante importante sempre lembrar da importância do uso da máscara, da lavagem das mãos, do uso do álcool em gel, do distanciamento social. Receber a dose de reforço não significa que as medidas de proteção não precisam mais ser observadas”, alerta a enfermeira Sandra Regina da Costa, da Prefeitura de Florianópolis.

-> Leia nosso post sobre os diferentes tipos de máscaras faciais

-> Veja como higienizar corretamente as mãos

-> Cuide da sua saúde mental na pandemia: leia o que publicamos a esse respeito

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Como a telemedicina está nos ajudando na pandemia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 set 2021 14:32 Data de Atualização: 28 set 2021 15:59

Desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, a Medicina e os serviços de saúde passaram por muitas mudanças. No post de hoje vamos falar sobre a telemedicina, uma modalidade de atendimento médico que vinha sendo estruturada no mundo todo e ganhou impulso durante a pandemia, com a necessidade de isolamento social e o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação.

Quando falamos em telemedicina, estamos nos referindo a uma série de serviços, que vão do diagnóstico ao receituário médico. O ponto que gera mais polêmica, no entanto, é a teleconsulta, a possibilidade de o médico atender o paciente a distância.

O tema envolve aspectos políticos, financeiros e de classe profissional. Empresas operadoras de planos de saúde e healthtechs (tecnologia em saúde) veem na possibilidade da teleconsulta um nicho lucrativo de mercado, oferecendo um serviço ágil, prático, econômico e mais acessível. Em paralelo, entidades médicas buscam coibir abusos por meio da regulamentação, visando a qualidade do atendimento e a segurança de dados do ato médico, protegendo assim pacientes e profissionais.

Em abril de 2020, o Governo Federal promulgou a Lei 13.989/20, autorizando a telemedicina em caráter emergencial durante a pandemia. Paralelo a isso, há projetos de lei no Congresso Nacional sobre a prática, além do trabalho do Conselho Federal de Medicina (CFM), responsável por redigir uma regulamentação para o setor.

No post de hoje, abordamos questões técnicas e políticas com um representante do setor privado de empresas de telemedicina, com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Catarinense de Medicina (ACM) para responder às seguintes dúvidas: 

  • - O que é telemedicina?
  • - Como a telemedicina vem contribuindo para o enfrentamento da pandemia?
  • - Quais as vantagens e desvantagens do uso da telemedicina?
  • - Quais os cuidados com o sigilo dos dados do paciente?
  • - Quais as dicas para o paciente no atendimento de telemedicina?
  • - Como está o processo de regulamentação?
  • - A primeira consulta deve ou não ser presencial?
  • - O médico de um estado pode atender o paciente de outra região via telemedicina?
  • - Qual a diferença do atendimento por telemedicina via Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada de saúde?
  • - Como é o atendimento em Santa Catarina?
  • - Como é a situação em outros países?

O que é telemedicina?

A Lei 13.989/20 define como telemedicina “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde”. A Saúde Digital Brasil (SDB) – Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital utiliza a definição da Associação Médica Mundial (AMM) para explicar o que é telemedicina: “é a prática da Medicina a distância, em que os procedimentos, o diagnóstico, as decisões terapêuticas e as recomendações subsequentes de tratamento se baseiam nos dados dos pacientes, documentos  e outras informações transmitidas por sistemas de telecomunicação”.

Para o vice-presidente do CFM e coordenador da Comissão Especial que trata da regulamentação do tema, o médico Donizetti Dimer Giamberardino Filho, a telemedicina não é uma nova Medicina, mas uma forma de exercê-la utilizando-se ferramentas de comunicação. “É mais uma tecnologia entre muitas que nós temos disponíveis. A telemedicina tem muitas modalidades, ela pode ser ao mesmo tempo síncrona e on-line ou assíncrona off-line”. Ele explica também que o médico tem a opção de realizar o atendimento híbrido, ou seja, usar a teleconsulta em apenas uma parte do atendimento, como ver exames, realizar orientações e acompanhamentos.

Como a telemedicina vem contribuindo para o enfrentamento da pandemia?

Segundo dados de uma pesquisa realizada pela SDB com seus associados, que representam 90% do mercado privado de telemedicina, o uso da tecnologia salvou mais de 75 mil vidas entre 2020 e 2021. Mais de 7,5 milhões de atendimentos foram realizados, por mais de 52,2 mil médicos, via telemedicina no Brasil. Desses atendimentos, 87% foram as chamadas “primeiras consultas”, evitando 6,5 milhões de idas desnecessárias ao pronto-socorro e permitindo identificar por meio de exames a necessidade de um atendimento em uma unidade hospitalar. Cerca de 1% dos atendimentos foram de casos de risco de morte para Covid-19, que puderam ser encaminhados ao serviço médico de emergência.

O presidente da entidade, Eduardo Cordioli, acrescenta que o índice de resolutividade dos atendimentos foi de 91%, “ou seja: os pacientes tiveram seu problema resolvido por meio da telemedicina e não precisaram recorrer ao pronto-socorro em segunda instância”. No início da pandemia, segundo a SDB, a maioria dos pacientes que buscavam a telemedicina era por suspeita de Covid-19. Com o tempo, o atendimento foi se estendendo para outras doenças.

Para o vice-presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), médico André Sobierajski dos Santos, os atendimentos a distância estão sendo fundamentais durante a pandemia, especialmente para pessoas que não podem sair de casa e para quem foi contaminado pelo vírus e precisa de orientações. “Eu como neurologista, por exemplo, vejo muitos pacientes de idade mais avançada, e vários não tinham coragem de sair de casa, mas precisavam entrar em contato com o médico, receber as receitas dos remédios. Nesse aspecto, a teleconsulta, a telemedicina foi fundamental, mas eram pacientes que eu já conhecia, já tinham sido examinados”. O médico destaca ainda a necessidade de usar a teleconsulta com cautela, para que seja realizada de forma segura para o paciente.

O vice-presidente do CFM tem opinião semelhante. Para ele, a liberação do uso da telemedicina durante a pandemia “foi algo feito porque era o que podia ser feito, com uma doença desconhecida, que não existe um tratamento específico para ela, só das complicações, e que o distanciamento social se revelou uma poderosa arma, juntamente com o uso de máscara e higienização das mãos. Então, com o distanciamento social, o acesso da população à saúde através da telemedicina se impôs, houve essa sensibilização”.

Quais as vantagens e desvantagens do uso da telemedicina?

A telemedicina e suas modalidades, especialmente a teleconsulta, é algo que veio para ficar. Evitar deslocamentos desnecessários, economizar recursos e levar atendimento a locais que não teriam acesso ao serviço médico ou a determinadas especialidades médicas são algumas vantagens apontadas por nossos entrevistados. Melhorias na comunicação via internet, computação em nuvem, inteligência artificial e a implantação do 5G são algumas das ferramentas que permitem a expansão do serviço.

Porém, a telemedicina tem suas limitações: em muitos casos, ela não substitui a consulta convencional, na qual o médico precisa examinar o paciente. Giamberardino Filho, do CFM, preocupa-se com a telemedicina sendo utilizada como “substituta” a investimentos em infraestrutura de saúde e contratação de médicos. Ele também chama a atenção para as diferenças regionais, geográficas e culturais: os pacientes têm diversos graus de entendimento e facilidade no uso da tecnologia, o que também pode impactar na qualidade do atendimento.

Quais os cuidados com o sigilo dos dados do paciente?

Recentemente, entraram em vigor no Brasil o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). São normas que impactam a telemedicina, no sentido de garantir a privacidade e segurança de dados do paciente.

Segundo a SDB, ao utilizar qualquer serviço relacionado à telemedicina, o profissional precisa pedir autorização para o paciente antes que ele impute algum dado, explicando que esta informação será usada para manejo de sua saúde e mantendo anônimos os dados sempre que forem usados para análises gerenciais.

Giamberardino Filho lembra que o Código de Ética Médica é bem claro quanto ao sigilo profissional, sendo que a LGPD veio aumentar as exigências. O profissional que optar pela telemedicina deve utilizar plataformas e programas de prontuários eletrônicos que garantam esse sigilo, bem como o arquivamento correto das informações.

Quais as dicas para o paciente no atendimento de telemedicina?

O paciente atendido pelo serviço de telemedicina, seja por planos de saúde ou particular, deve estar ciente que se trata de um ato médico, portanto sujeito a cobrança como qualquer outro procedimento. Assim, o paciente deve estar ciente se o convênio cobre esse tipo de atendimento. A ACM disponibiliza, em seu site, algumas dicas para profissionais de Medicina para realização da teleconsulta. 

Tanto para atendimentos privados quanto pelo SUS,  as orientações mais importantes são avisar o paciente sobre as limitações desse tipo de atendimento, solicitar o consentimento do paciente, arquivar corretamente a gravação da teleconsulta, encaminhar paciente para atendimento de urgência, se necessário, e proceder a entrega da receita médica ou exames, seja por meio eletrônico ou por entrega física, em envelope devidamente lacrado. 

-> Para saber mais, acesse o site da ACM.

Como está o processo de regulamentação da telemedicina?

Apesar de haver uma legislação federal autorizando a utilização da telemedicina no Brasil, em caráter emergencial, ainda se discute a regulamentação da atividade e uma legislação definitiva.

O CFM já tinha uma resolução sobre a telemedicina e que foi revogada no início de 2019, “o que se revelou um grande erro, pois ela estaria pronta para a pandemia”, segundo Giamberardino Filho. Em 2020, o Conselho criou uma Comissão responsável por redigir uma nova resolução. Para isso, estão sendo realizadas consultas públicas com entidades médicas e reunidas contribuições, que serão levadas à assembleia da entidade. O vice-presidente Giamberardino Filho lembra, porém, que “mesmo que a gente aprove a resolução agora, ela só vai valer quando essa lei se extinguir, ao término da emergência sanitária. Assim, mesmo que publicarmos nossa resolução, ela não entraria em vigor, seria como um manual de boas práticas”.

Ao mesmo tempo, há projetos de lei em andamento no Congresso Nacional que visam substituir a legislação em vigor. Alguns projetos ampliam o escopo de atuação da telemedicina para a telessaúde, o que englobaria outras atividades profissionais ligadas à área, não só a Medicina (Fisioterapia, Farmácia, Odontologia, entre outros). “Ao falar em telessaúde estamos falando em todas as profissões, aí fica mais complexo. O CFM foi sempre mais restritivo que outros conselhos. Não estou dizendo que os outros não fiscalizam, mas somos muito mais de vedação do que eles. Aí, seria uma lei única para todos, e isso é motivo de preocupação”, destaca o médico. 

Veja o vídeo do primeiro vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, sobre a telemedicina e sua regulamentação:

O vice-presidente da ACM, André Sobierajski dos Santos, enfatiza que a posição da ACM é “estar aberta a essas novas tecnologias, mas nunca esquecendo que o ato médico é completo quando ele tem a história do paciente, a anamnese e o exame físico”. Dos Santos afirma que as entidades médicas estão participando pouco da nova resolução e defende que o debate deveria ser mais amplo. Ele destaca que a primeira preocupação em qualquer legislação ou regulamentação deve ser a segurança do paciente.

Veja a explicação detalhada no vídeo:

A primeira consulta deve ou não ser presencial?

Um dos pontos polêmicos da regulamentação da telemedicina no Brasil diz respeito à primeira consulta, se esta deve ser obrigatoriamente presencial ou deve ficar a critério do médico e do paciente. O setor empresarial defende que a primeira consulta possa ser realizada a distância, enquanto as entidades médicas têm resistência a essa proposta.

Para a ACM, a primeira consulta deveria ser presencial, assim como a maioria dos atendimentos. “Vou dar um exemplo de um paciente que me procura por dor de cabeça. Se eu não o examino, posso correr o risco de perder o diagnóstico por tumor cerebral. Então, por segurança do paciente, espero que tenha essa obrigatoriedade da primeira consulta, ou consulta presencial de tempos em tempos. Mas não sei te dizer como isso vai ser regulamentado”, explica dos Santos.

No âmbito do CFM, Giamberardino Filho informa que a Comissão que trata a telemedicina definiu previamente, e ainda necessita de avaliação em assembleia, que, salvo exceções de regiões consideradas remotas, se realize a primeira consulta de forma presencial e as demais em complementação em até 180 dias. Eventualmente, pode haver um atendimento híbrido, com uma entrevista inicial e pedido de exames e após uma consulta presencial para análise desses exames. 

Já a SDB, que representa as empresas do setor, acredita que a escolha deve ficar ao encargo do médico e do paciente, podendo a primeira consulta e as demais serem realizadas a distância. “Limitar a utilização da telemedicina, seja determinando quando ou não uma consulta pode acontecer a distância, ou então impedindo que médicos atendam por meio das plataformas tecnológicas pacientes de outros estados diferentes dos seus, não só deixa a saúde ainda mais vulnerável e anula as tentativas de levar cuidados a regiões até então pouco assistidas, como contradiz um dos princípios que norteiam a bioética médica”, ressalta o presidente da SDB, Eduardo Cordioli. “O que precariza a Medicina não é a telemedicina. O que precariza a atuação do médico não é a ferramenta utilizada. O que vulnerabiliza o médico é a existência de um mercado informal, uma regulamentação que não garanta a segurança e a dignidade no exercício da Medicina”, completa.

O médico de um estado pode atender o paciente de outra região via telemedicina?

Outro ponto polêmico em discussão é o atendimento regionalizado da Medicina. A legislação que regulamentou a prática do atendimento a distância durante a pandemia libera o médico para atender pacientes fora do estado onde tem o registro profissional. Atualmente, o CFM permite que um médico atue fora de seu estado de origem por no máximo 90 dias. O Comitê do CFM que prepara a nova regulamentação pretende propor que a primeira consulta seja no local de origem do médico, as demais podendo ser a distância. 

Giamberardino Filho vê resistência por parte das empresas prestadoras de serviço em telemedicina, porém, argumenta que as diferenças regionais devem ser respeitadas e que ainda não há um preparo dos profissionais para atuar com essa nova realidade. “Temos hoje cerca de 340 escolas médicas no Brasil e somente 12 têm conteúdo de informática e telemedicina. Não há um preparo para isso”, ressalta. Dos Santos, da ACM, acredita que possa haver um registro nacional, como o que já acontece com a receita médica, que antigamente valia por estado e hoje já tem validade ampliada. “Acho que vamos levar algum tempo para resolver esse impasse. Não vejo uma solução a curto prazo”, afirma.

A regulamentação da telemedicina deve levar em conta as especificidades de cada especialidade médica. A Psiquiatria, por exemplo, teria mais flexibilidade para realizar atendimentos a distância, enquanto outras especialidades, que dependem de exames físicos, como a Ginecologia, teria regras diferentes. Nesse caso, o CFM defende regulamentações complementares, de acordo com a especialidade. A Teleradiologia e a Telepatologia, por exemplo, já são regulamentadas.

Qual a diferença do atendimento por telemedicina via Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada de saúde?

As realidades das redes privadas e públicas de saúde quanto à implantação de novas tecnologias são bastante diferentes. Enquanto operadoras de saúde suplementar criam estruturas para atender clientes a distância, centralizando serviços e cortando custos, o SUS enfrenta as conhecidas dificuldades em atualização tecnológica e recursos financeiros.

Outra preocupação, segundo Giamberardino Filho, é a falta de atuação em rede no SUS, no qual o atendimento é focado nos municípios. Um sistema nacional, no entanto, necessita o olhar sobre as diferenças regionais: “É uma resolução que tem que atingir um país continental com suas diferenças, de Santa Catarina ao Amapá, tem que atingir do hospital universitário mais tradicional até a operadora mais agressiva comercialmente. Então, não é simples uma questão dessas. E tudo isso tem que ser feito baseado na segurança do paciente, na autonomia do médico e na manutenção da confiança entre médico e paciente. A tecnologia tem que vir para trazer benefícios, e não para substituir as pessoas”, completa.

Em maio de 2020, o Ministério da Saúde lançou o Consultório Virtual, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, via Proadi-SUS. A plataforma funciona como uma geradora de documentos: o profissional faz o atendimento a distância com o paciente nos canais de preferência, como telefone ou WhatsApp, e usa o Consultório Virtual para a emissão de receitas, prescrição de exames, entre outros. Para saber mais sobre a plataforma, acesse o site do Ministério da Saúde.

Como é o atendimento em Santa Catarina?

Em Santa Catarina, os serviços de Telemedicina prestados pelo SUS são distribuídos em quatro linhas de atuação, segundo informações da Secretaria de Estado da Saúde (SES): 

  • - Telessaúde: telediagnóstico e teleconsultorias
  • - Telemedicina hospitalar: serviço de informatização de setores de exames de imagens de unidades hospitalares públicas
  • - Fornecimento de tecnologia: fornecimento de pacote tecnológico chamado Telemedicina aos municípios pactuados
  • - Informatização e suporte à regulação: informatização de serviços para integração de sistemas, agilidade e redução de custos

Em 2005, a partir de um projeto em parceria entre Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a SES, foi iniciada a Telemedicina em Santa Catarina. O projeto incluiu a oferta de serviço de Telediagnóstico em Eletrocardiograma (ECG) para os municípios catarinenses, a informatização de alguns setores hospitalares estaduais e a informatização de setores que realizavam exames de imagem, com objetivo de facilitar o acesso do cidadão a exames eletrofisiológicos e de imagem à distância. 

Em 2016, foi aprovada a deliberação 231/CIB/2016 que aprova o Serviço de Telemedicina no Estado de Santa Catarina, por meio do Portal do Sistema de Telemedicina e Telessaúde (STT), como ferramenta tecnológica para acesso a laudos de exames eletrofisiológicos e de imagem a distância e o Modelo Catarinense de Telediagnóstico (MCT), e tendo como setor responsável da Secretaria de Estado da Saúde a Central de Estadual de Telemedicina (CET). 

Outro serviço disponibilizado aos municípios é a tele-dermato, sendo que até hoje foram emitidos 160.156 laudos de dermatologia, além de mais de 2,2 milhões de laudos de ECG.

Como é a situação da telemedicina em outros países?

A Saúde Digital Brasil realizou um benchmarking com o objetivo de entender como outros países ao redor do mundo estão lidando com alguns pontos específicos relacionados a telemedicina.  O presidente Eduardo Cordioli explica que em muitos países quem regulamenta o setor é o Ministério da Saúde, sendo que no Brasil essa responsabilidade é do CFM. Ele cita como exemplos a Colômbia, Portugal, França e Reino Unido, todos países em que a prática da telemedicina já é regulamentada, permitindo o atendimento a distância em qualquer fase do tratamento, mesmo na primeira consulta. 

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